Aiala Couto explica que característica reativa da facção difere do estratégico PCC e resposta pode acontecer ’em qualquer lugar da região norte, dentro ou fora dos presídios’
Não dá para prever a hora nem o local, mas que vai acontecer, vai. Aiala Couto, geógrafo e pesquisador da área de segurança e geografia urbana da UEPA (Universidade Estadual do Pará), é enfático quando questionado sobre uma possível retaliação do CV (Comando Vermelho) em resposta ao massacre que deixou 62 mortos – 58 dentro da unidade prisional e outros 4 durante transferência – em Altamira, no sudoeste do Pará, praticado pela facção criminosa local CCA (Comando Classe A).
Aiala considera que a matança consolidou a aliança com o PCC (Primeiro Comando da Capital) e isso trará consequências. “A FDN (Família do Norte) é rival do PCC, o que torna o Comando Classe A automaticamente inimigo da FDN”, explica o professor. “Com esse desfecho, pode ser que se multipliquem os conflitos. A história é impedir que o PCC entre no Pará e na região Norte, a grande luta da FDN hoje”, argumentou.
Em maio do ano passado, durante a série de homicídios na capital Belém que fez mais de 60 vítimas, reportagem da Ponte já apontava o avanço do PCC no território paraense e a reação de grupos locais contrários.
“Como o Pará está em evidência, a expectativa é que a segurança pública do estado passe a estar atenta, analisando os fatos e faça uma política que coíba essas ações dentro das outras casas penitenciárias. Mas sabemos que todo o sistema penitenciário sofre essa crise”, sustenta Couto, em entrevista concedida à Ponte durante o encontro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) em João Pessoa, na Paraíba.
Segundo ele, a resposta pode vir em qualquer estado da região norte do país, seja dentro ou fora dos presídios. E baseada no temperamento mais reativo do Comando Vermelho. “Pode ter a retaliação também pela imagem do CV ter ficado ruim, de terem perdido uma guerra, e o Comando tem a tática da guerrilha, do ataque, não é como o PCC que é mais de articulação. A possibilidade de vir uma retaliação é real, uma retaliação do Comando Vermelho é óbvia”, diz.
Sua tese é a de que o CCA (Comando Classe A) protagonizou a matança para demonstrar sua força e barrar a investida do CV sobre a região de Altamira, distante mais de 800 km de Belém, com localização chave para a rota do tráfico de drogas e onde a facção carioca já se desenvolveu com alianças formadas com grupos menores, inclusive milicianos, como a Equipe Rex.
No entanto, explica o pesquisador, o CV não conseguiu avançar de forma capilarizada no interior. Esse é um espaço em que há histórica tentativa de fortalecimento de grupos locais, como o Primeiro Comando do Norte e a Primeira Guerrilha do Norte, que continuam com atuação tímida e pontual. Nenhuma delas avançou, salvo o CCA, como evidenciou o massacre da última segunda-feira (29/7).
Superencaremento
Para o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, o Brasil vive um estágio de superencarceramento e, por causa disso, o sistema prisional se tornou “a grande Nêmesis” da crise da segurança, o “motor da violência nas ruas”.
“Temos hoje a terceira maior população prisional do mundo, é um superencarceramento”, inicia. “Aquele garoto que entrou lá por furtar uma bicicleta, que estava com droga, para sobreviver em um aparato estatal, vai ter que se transformar em um bandido sênior. E a vida dele vai depender de observar rigorosamente o que aquelas facções determinaram. É isso que nós queremos?”, questionou Jungmann durante debate no 13º encontro do FBSP.
Luís Geraldo Lanfredi, juiz auxiliar da presidência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), criticou a postura do poder judiciário quando massacres como o de Altamira acontecem. Para ele, os togados têm parcela de responsabilidade sobre o ocorrido.
Para explicar, usou como exemplo visitas que fez para juízes e promotores no Espírito Santo nesta semana. Diz que citou o caso de Altamira para sensibilizar os profissionais da Justiça, mas não sentiu qualquer reação de empatia. “Perguntei se eles não perceberam que nossas mãos estão sujas de sangue”, revelou.
“Temos o caso de Altamira, que sucede o massacre no Amazonas nesse ano, matanças em Roraima, Rio Grande do Norte, Maranhão e o próprio Amazonas em 2017. Esses casos só demonstram que vivemos à sombra do Carandiru, ela ainda paira sobre nós. Não falo em chacinas, falo em genocídio da população intramuros”, argumentou.