Doutora em Ciência da Comunicação e autora de “Espelho Infiel” fala sobre o futuro do jornalismo brasileiro em entrevista no festival Fala!: “é preciso uma concepção política, humanista, do que é jornalismo”
Rosane Borges não se limita a mediar algumas mesas e oficinas do Festival Fala!, que ocorre durante esta semana em Salvador. Jornalista e doutora em ciências da comunicação, ela também faz questões de abordar e analisar as várias formas que o jornalismo está sendo exercido atualmente no Brasil tanto pelos veículos de comunicação tradicionais, quanto pelas mídias independentes.
Autora dos livros Espelho Infiel: o Negro no Jornalismo Brasileiro (2004), Mídia e Racismo (2012) e Esboços de um Tempo Presente (2016), Rosane trata das relações dos setores da comunicação com a maior parte da população e analisa que ela não está representada em grande partes dos meios. “É urgente e necessário um novo jornalismo no Brasil. É o destino da atividade que está em jogo”, comenta.
Em entrevista a Ponte, a professora faz uma análise da forma de se fazer jornalismo no Brasil, de como boa parte da população não entende a prática jornalística e que a comunicação é um direito garantido pelo Constituição Federal e como as redes sociais e os novos plataformas estão influenciando a comunicação atualmente.
Ponte — É possível fazer um novo jornalismo no Brasil?
Rosane Borges — Eu acho que é urgente e necessário. É o destino da atividade que está em jogo. Nosso modelo é muito calcado na radiodifusão, na distribuição de informação e por isso que o jornalismo está golpeado. O que a gente tem hoje é a cultura da conexão. O modelo de poucos distribuírem para já não funciona como antes. Hoje ela circula de modo mais fluido e isso rachou esse modelo de negócio do jornalismo. É urgente que a gente diga isso, o modelo de negócio realmente naufragou, mas não naufragou a atividade jornalística. Agora, se ela não naufragou, é preciso que a gente crie um outro modelo de negócio. Mas, mais do que isso, jornalismo não é só um modelo de negócio.
É necessário que a gente repactuar as bases que dão sentido em nome da emancipação coletiva. É a ideia de transparência, que não é mesma coisa de bisbilhotice, são os assuntos de interesse público, para você ter uma noção de pertencimento coletivo e para você tomar decisões, desde como colocar o casaco se está frio até de que presidente que eu vou escolher. Então é urgente mesmo. Senão esse jornalismo estraga possibilidades da gente pensar que como sociedade, como quando ele nega o racismo ou quando ele só publica o racismo sob um viés das mortes, sem dizer que é racismo. É preciso que o modelo de negócio, que passa por um incremento tecnológico de agenciamento estrutural, seja acompanhado de uma outra concepção humanista, política, do que é jornalismo. E aí o nosso papel é fundamental.
Ponte — Você acredita que a maior parte da sociedade não entende o que é o jornalismo e que a comunicação é um direito assegurado?
Rosane Borges — A gente criou no Brasil uma ideia de jornalismo que está ligado à televisão. O jornalismo é o Jornal Nacional, o jornalismo celebridade. É uma redução brutal do que é jornalismo. Isso é terrível, porque as pessoas acham que o jornalista é essa figura, é o William Bonner, Na verdade, eles representam muito pouco em relação à indústria dos profissionais, de quem está na redação, de quem está nas comunidades. Então, eu acho que a gente tem também aí uma desvantagem. Se você não está na televisão ou se você não ganha muito, não tem carrão, as pessoas acham que você é um fracassado. Só que jornalismo não é glamour. Jornalismo é atividade liberal como qualquer outra qualquer. As pessoas glamourizarem a atividade jornalística não é bom.
Ponte — O WhatsApp é utilizado por boa parte da população como um meio de se informar. Como introduzir o jornalismo nesses canais de comunicação?
Rosane Borges — Eu acho que pode entrar. As pessoas veem informação de tudo quanto é lugar. Recentemente se focou muito em jornalismo de dados, que pode trazer análises muito profundas. Eu acho que a gente pode fazer uma curadoria do que circula, então acho que mais do que informar o nosso papel no futuro é fazer uma curadoria das narrativas em circulação. Dizer que não somos uma casa de fatos, mas de análise mesmo. Acho que isso é fundamental. Agora, o jornalismo, como ele está, tem pressa e quer ganhar dinheiro. Ele se apequena na busca de alternativas, porque ele vai mimetizar uma cultura algorítmica. Ele também entra numa lógica que é desgraçada, que o que é mais importante é o que o algoritmo vai dizer.
Ponte — Cada vez mais veículos estão se especializando em nichos. Você acredita que esse é o futuro e é aí que as mídias independentes ganham força?
Rosane Borges — Eu acho que sim. E aí as mídias independentes podem se beneficiar muito desse jornalismo de nicho, sabe? O jornalismo que trabalha com questão racial ou questão de mulheres e violência urbanaa e a questão das cidades. Essa tendência é irreversível e o jornalismo de causas pode crescer e não ser visto apenas como um jornalismo militante, porque, a rigor, todo o jornalismo é militante.
Ponte — Como a grande mídia enxerga os veículos independentes?
Rosane Borges — Olha com o olhar muito enviesado, olha tentando minimizar e ridicularizar atribuindo um caráter ideológico, um caráter que não é, entre aspas, imparcial, neutro. É profissional e diversas vezes eles se pautam pelo jornalismo de causa. O jornalismo de causa virou um grande pauteiro da grande mídia e da mídia hegemônica.