Presidente do Sindmotosp afirma que a categoria não foi convidada pelo governo para discutir as ações para impedir ação de pessoas que se passam por motoboys para cometer roubos em São Paulo
Enquanto o governo de São Paulo, através da Secretaria de Segurança Pùblica, fechou uma parceria com as empresas de aplicativo de entregas para criar um sistema que pretende fiscalizar os entregadores com troca de informações, o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas do Estado São Paulo (Sindmotosp) afirma que a precarização da categoria é dos elementos que explica a onda de roubos realizados por pessoas que se passam por trabalhadores de serviços de delivery.
“As empresas, para obter uma mão de obra barata e desqualificada, sujeitam a entrada de qualquer pessoa nas suas plataformas sem nenhum tipo de critério e sem parâmetro nenhum que as leis determinam para exercer a atividade. Então esse cenário não poderia ser diferente”, defende o presidente do Sindmotosp, Gilberto Almeida.
Uma das primeiras ações do atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), foi endurecer o discurso em relação à segurança pública no estado. Devido a uma série de roubos que vêm acontecendo na capital paulista, realizados por pessoas em motos com mochilas de aplicativos de entregas nas costas, e especialmente após um latrocínio (roubo seguido de morte) ter ganhado destaque na imprensa na semana passada, o chefe do executivo estadual ordenou que a polícia abordasse o maior número possível de motoqueiros.
Nesta quinta-feira (5/5), em uma entrega de apartamentos populares na capital, Garcia voltou a reafirmar, em tom de ameaça, o combate a pessoas que estão se disfarçando para cometer os crimes.
“Mandei um recado claro para esses falsos entregadores que, de maneira covarde, colocam um capacete e uma mochila de delivery falsa nas costas e cometem crimes em São Paulo, que é melhor eles mudarem de estado ou de profissão”, afirmou o governador a jornalistas presentes.
Na quarta-feira (4/5) o governador já tinha afirmado que PM paulista passaria a ser mais truculenta. “Aqui em São Paulo, o bandido que levantar a arma pra polícia vai levar bala da polícia, porque é isso que a sociedade tá esperando, uma polícia ativa, que dentro dos limites da lei vai agir com muito rigor em relação à criminalidade”
Gilberto Almeida teme que essas falas de Rodrigo Garcia levem à criminalização de toda uma categoria. Ele lembra que durante os quase dois anos que o país viveu em isolamento por conta da pandemia, os motoqueiros foram essenciais para o dia a dia da sociedade, que, segundo ele, agora os enxergam como criminosos.
“Isso é péssimo para a imagem da categoria. Até pouco tempo atrás éramos aclamados como heróis, agora somos colocados como inimigos. Fica difícil para quem é de fora identificar quem é quem nessa bagunça que está no nosso segmento por conta da precarização e desrespeito às leis. A maioria esmagadora de quem trabalha com motos é composta por pessoas de bem. Imagina você ser parado várias vezes no dia pela polícia enquanto está trabalhando. Isso é horrível”, desabafa Almeida.
Leis esquecidas
De acordo com o presidente do Sindmotosp, existem quatro leis, três federais e uma municipal, que, se fossem cumpridas, ajudariam a inibir as ações criminosas. A Lei nº 12.009, de 29 de julho de 2009, por exemplo, diz que “as motocicletas e motonetas destinadas ao transporte remunerado de mercadorias – motofrete – somente poderão circular nas vias com autorização emitida pelo órgão ou entidade executivo de trânsito dos Estados”.
“Acredito que há possibilidade de regulamentação de todos os profissionais que queiram fazer entregas de forma correta. Pode ser de forma graduada, com um calendário determinado. Dessa forma é possível fazer uma fiscalização adequada da categoria”, comenta Almeida, que enviou ofício ao governo de São Paulo pedindo para que o sindicato participe das conversas do poder público com as empresas de aplicativos de entrega.
Para o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), David Marques, a regulamentação do trabalho dos entregadores poderia ser o começo de uma solução mais ampla para inibir os crimes cometidos por pessoas disfarçadas.
“É necessário dialogar com todas as partes que estão envolvidas neste contexto. As empresas de entrega, a associação de bares e restaurantes, o governo do estado, por meio da polícia principalmente, e os órgãos de controle da prefeitura que são responsáveis por esse tipo de ordenamento”, explica Marques.
O governador e o crime do momento
Há poucos dias à frente do Palácio dos Bandeirantes, Rodrigo Garcia vem repetindo um discurso comum a muitos daqueles que já sentaram na cadeira de governador de São Paulo desde a redemocratização. Paulo Maluf (PP), no início dos anos 1990 tinha como o jargão “Rota na rua”, incentivando a maior presença do batalhão de elite na PM paulista, e seu antecessor João Dória (PSDB) encampou o discurso de que a polícia deveria atirar para matar durante a campanha de 2018.
“O caso do Rodrigo Garcia é que ele foi recém empossado e já está em campanha para ser eleito ao cargo que está agora. De certa maneira, ele está fazendo essas falas visando os policiais que é um possível eleitorado dele”, avalia David Marques.
Garcia assume as rédeas do governo paulista no momento em que a capital passa por um aumento de 4,4% em roubos. De acordo com levantamento da Secretaria de Segurança Pública, de janeiro a março de 2022 foram registrados 58.221 roubos no estado de São Paulo, e no mesmo período no ano passado foram 55.751 ocorrências. Entre janeiro e março de 2020, antes do início da pandemia, foram 68.235 roubos em todo o estado.
Contudo, essa modalidade de crime atualmente é apenas a ponta de uma série de outros crimes, como relata o coordenador de projetos do FBSP. “Há uma certa divisão de trabalho. O produto do roubo feito por essas pessoas disfarçadas de entregadores não é só o celular, mas os dados bancários que há dentro do aparelho e isso envolve uma organização maior.”
Para David Marques, só ação repressiva de parar motoqueiros na rua não resolve o problema, mesmo que passe algum sentimento, em um primeiro momento, de maior segurança para a população. “Quando essas pessoas são presas após o trabalho de inteligência da polícia, identificando essas quadrilhas e as desarticulando, pode inibir a entrada de outras pessoas nessa modalidade de crimes.”
O que dizem o governo e as empresas
A Ponte entrou enviou email para a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo pedindo a posição da pasta sobre as ações em conjunto com as empresas de aplicativos, mas até o momento não obteve resposta.
De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, o governo de São Paulo afirmou que a reunião entre autoridades e as empresas de aplicativos de entrega foi uma solicitação de Rodrigo Garcia. Na mesma matéria, o IFood disse que busca encontrar soluções que levem à identificação dos criminosos. “Este trabalho é essencial para preservar a imagem e o trabalho honesto de milhares de entregadores que atuam com a plataforma, bem como garantir a segurança de clientes, parceiros e da sociedade em geral.”
(*) Atualizada em 6/5, às 15h08, para acrescentar os posicionamentos do governo de São Paulo, iFood, além de ampliar o escopo do número de roubos no estado nos meses de janeiro a março de 2020 a 2022.