Secretário de direitos humanos não comenta nota acintosa e defende governo da Bahia

Em entrevista à Ponte, o secretário Felipe Freitas mencionou esforços para diminuir a letalidade policial e não falou sobre a nota da Secretaria de Segurança Pública chamando as vítimas da PM de “homicidas e estupradores”

Bahia é o estado com maior letalidade policial em dados absolutos, segundo Anuário do Fórum de Segurança Pública, divulgado na última quinta-feira (Fernando Frazão/Arquivo Agência Brasil)

“Homicidas e estupradores.” É como a Secretaria de Segurança Pública definiu as vítimas da ação policial em nota para a imprensa. A pasta do governo da Bahia respondeu sobre a repercussão dos dados divulgados pelo Fórum de Segurança Pública, na última quinta-feira(20). 

De acordo com o estudo, 1.464 pessoas morreram em confronto com a polícia baiana em 2022. O dado representa uma alta ante as 1.335 mortes registradas em 2021. A taxa no período passou de 9,5 para 10,4 por 100 mil habitantes. No País, os indicadores de letalidade policial registraram queda, de 6.524 para 6.430.

O que pensam os Direitos Humanos do Estado

Em janeiro, Felipe Freitas, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e pesquisador do Núcleo Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), assumiu a pasta da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia. Ele acredita que o governador do estado, Jerônimo Rodrigues, está comprometido em cumprir uma de suas principais promessas durante sua campanha nas eleições de 2022: diminuir a letalidade policial. O governador é filiado ao PT, partido que, há 16 anos, não consegue conter as mortes de civis por policiais. 

“É diretriz do governador Jeronimo Rodrigues enfrentar o racismo e suas manifestações institucionais. A Sepromi, secretaria responsável por coordenar as ações no campo da promoção da igualdade racial, lançou no dia 19 de julho várias iniciativas de combate ao racismo institucional inclusive em parceria com a SSP. Estive no anúncio que foi feito com a presença do governador e do secretário de segurança onde se falou do necessário compromisso com indicadores de resultados efetivos na vida das comunidades e sobre a mudança de cultura e práticas.”

Ano passado, antes de assumir a Secretaria, Felipe Freitas, que é autor da dissertação de mestrado Discursos e práticas das políticas de controle de homicídios: uma análise do “Pacto pela Vida” do estado da Bahia (2011 – 2014), já havia destacado a hiperespecialização da polícia baiana como um dos principais fatores para o aumento da violência policial. “Não é incomum você ouvir, por exemplo, dentro de uma comunidade popular alguém dizer que a Polícia da Caatinga [Companhia Independente de Policiamento Especializado – Caatinga (CIPE/Caatinga)], que é o nome de um dos grupamentos especializados, vem aí. Ou seja, a Polícia da Caatinga parece ser uma outra polícia e é de fato porque, de certo modo, não fica submetida ao mesmo regramento dos outros policiais, isso chega até a ser ilegal, mas é o que acontece”., explicou. 

No entanto, o atual Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia preferiu não responder ao comentário da SSP, mas comemorou os esforços que a pasta tem realizado para diminuir a letalidade policial. Segundo ele, a SJDH e a SSP estão construindo uma “longa parceria” pela área de segurança pública e justiça cidadã. 

“Nossa ideia é que a SJDH promova uma forte ação de cidadania e inclusão social em diálogo com a segurança pública para enfrentar o problema das organizações criminosas e combater a violência institucional.”, afirma. Como exemplo, Felipe Freitas também menciona um workshop que será realizado entre a SSP e entidades da sociedade civil que produzem dados sobre segurança pública.

O secretário também tem acompanhado de perto as iniciativas de Jerônimo para conter a violência policial. Segundo ele, as licitações para as compras da câmeras em fardas policiais estão avançando, mas admite que esse é apenas o primeiro passo.

“O desafio é pensar meios que garantam segurança para atuação policial e a necessária transparência sobre o trabalho das forças de segurança. É importante que a sociedade possa discutir a ação policial em termos de eficiência; controle democrático e resultado da ação. A mera repressão policial não tem dado resultado em nenhum lugar do mundo, quanto mais democráticas são as polícias melhor é o resultado do seu trabalho”, reflete.

Bairros negros concentram a maior letalidade policial 

Se os dados respondidos pela SSP estão relacionados ao ano de 2022, dados do levantamento do Instituto Fogo Cruzado informam que a letalidade policial continua sob a nova gestão – e o 1º semestre de 2023 foi mais violento que o mesmo período no ano passado. Foram 792 tiroteios, e o número de mortos no período (598) cresceu aproximadamente 20% em compração ao semestre anterior (499 mortes). 

Apesar de ser conhecida como a cidade mais negra do Brasil, Salvador é a terceira cidade com a maior população negra do país, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) de 2010 – os dados consolidados da nova edição ainda não estão disponíveis.

O bairro mais negro de Salvador, Pernambués, é o terceiro bairro com mais vítimas de tiroteios: lá, 30 pessoas foram baleadas pela polícia no 1º semestre de 2023, sendo 82,45% negros. Os bairros que lideram o ranking de pessoas baleadas em Salvador, e que estão à frente de Pernambués, Beiru/Tancredo Neves e Fazenda Grande do Retiro, também concentram os maiores índices de população negra da cidade segundo o Censo 2010, ocupando a 8ª e 6ª colocação respectivamente.

Nesses bairros, 86,57% e 86,38% das vítimas de tiroteiros eram negros, respectivamente.

Diretor da Iniciativa Negra, Dudu Ribeiro destaca a falta de transparência dos dados, e analisa que os resultados sinalizam a marginalização dos bairros mais negros de Salvador em situações em que a insegurança, ele destaca, surge a partir da letalidade policial nesses locais:

“Observamos que o Estado insiste em olhar para esses locais como violentos, mas os dados indicam que a letalidade, nesses locais, é alta graças à ação policial e a falta de direitos da população a melhores recursos de educação e cultura, ações que são fundamentais para conter a violência urbana”, critica. 

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Dudu Ribeiro também indica que a sociedade civil, em especial o movimento negro, ainda é pouco escutada pelo Estado – algo que, para ele, é um obstáculo para diminuir as mortes ocasionadas por conflitos entre a polícia e organizações criminosas. Felipe Freitas, no entanto, acredita que há um compromisso das secretarias para aprender com a sociedae como olhar para as estatísticas criminais:

“Não tenho dúvida de que o trabalho da sociedade civil na produção de dados nesta área é fundamental e acredito que haverá um aperfeiçoamento das estatísticas oficiais a partir deste diálogo”, afirma.

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