Seguranças que chicotearam adolescente negro são condenados a 10 anos de prisão por tortura e cárcere privado

    Decisão anterior havia condenado os seguranças a 3 anos e 10 meses por lesão corporal. Para advogado, sentença “pode inibir novos casos cruéis e desumanos semelhantes a esse”

    Protesto realizado em frente ao Ricoy em 7 de setembro de 2019 pedindo justiça para o caso | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Em acórdão publicado nesta terça-feira (24/11), 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou os seguranças Valdir Bispo dos Santos e David de Oliveira Fernandes a 10 anos, 3 meses e 18 dias de reclusão por tortura e cárcere privado por terem amarrado um adolescente negro, de 17 anos, sem roupa, e o chicoteado.

    O crime aconteceu no supermercado Ricoy, localizado na avenida Yervant Kissajikian, na Vila Joaniza, zona sul da cidade de São Paulo, em junho de 2019. A agressão foi justificada como castigo pelo rapaz ter tentado furtar um chocolate. Os dois seguranças trabalham na KRP Valente Zeladoria Patrimonial, que pertence a Kátia Regina Pelacani, companheira do policial militar aposentado Cláudio Geromin Valente. 

    A relatora foi a desembargadora Ivana David e o julgamento teve participação dos desembargadores Camilo Léllis e Edison Brandão. A decisão acontece poucos dias depois do assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, morto após ser espancado por seguranças do Carrefour, no bairro Passo D’Areia, na zona sul de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, quando o assunto do tratamento dado por seguranças seguranças privados a pessoas negras em supermercados voltou ao debate público.

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    Em dezembro de 2019, o juiz Carlos Alberto Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal de São Paulo, havia condenado os seguranças por lesão corporal, sequestro e cárcere privado e divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia envolvendo menor, com penas de 3 anos e 10 meses de reclusão, no regime inicial fechado, e mais 3 meses e 22 dias de detenção, no regime inicial semiaberto.

    O promotor Paulo Rogério Costa, então, entrou com recurso para que a Justiça reconhecesse que, ao amarrar o adolescente negro de 17 anos nu e chocoteá-lo enquanto gravavam um vídeo para compartilhar nas redes sociais, os seguranças cometeram o crime de tortura.

    No documento, Ivana David afirma que “não há como negar a imposição de sofrimento moral e mental resultante da divulgação das imagens em redes sociais estas a evidenciar por si sós o imenso abalo emocional causado à vítima, exposta nua e amordaçada, desbordando em muito do mero castigo e da humilhação já infligidos e resvalando no sadismo e na pedofilia, indicando-se desprezo pela condição humana”.

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    A desembargadora decidiu, então, incluir mais 4 anos de pena por tortura, “atentando-se para a gravidade ínsita e concreta do crime de tortura cometido”, e pela “culpabilidade exacerbada dos réus demonstrada pelo seu modus operandi a aplicar surra humilhante em vítima despida, amordaçada e imobilizada, cuja boca tapada com pano, durante tempo prolongado por motivo de somenos importância, evidenciando personalidade desviada e ausência de valores com desprezo pela condição humana”, que, seguiu Ivana David, causou “gravíssimas consequências do crime no meio social e na psique do adolescente temeroso de registrar ocorrência pois temia por sua vida, nem se olvidando a necessidade de uma reprimenda proporcional aos fatos”.

    Para o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e do Grupo Tortura Nunca Mais, a Justiça foi concretizada. “O menino foi colocado nu, depois amarrado, amordaçado e chicoteado, além das ofensas e ameaças dos agressores. Se isso não fosse considerado tortura, o que mais seria então?”

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    “Diante da decisão anterior da Vara Criminal, os dois condenados já sairiam da prisão nos próximos meses de dezembro e janeiro. Com a nova decisão do TJ, eles ficarão mais tempo presos. A decisão nesse caso emblemático e de grande repercussão pode inibir novos casos cruéis e desumanos semelhantes a esse, que infelizmente ocorrem com frequência em estabelecimentos comerciais, praticados por seguranças, e também em ações policiais”, pontua.

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