Sem bailes: coronavírus afeta economia do movimento funk

    Falta dos fluxos e shows afeta MCs, DJs, empresários e comerciantes responsáveis pelo sustento das famílias; Covid-19 é tema de novas composições de funkeiros

    DJ Bieel NK deixou a rotina de 15 shows por semana para ficar em casa | Foto: Divulgação

    Aos 20 anos, Gabriel Antônio da Silva vive a realidade de ter alcançado seu sonho: viver do funk. DJ Bieel NK, como é conhecido, consegue garantir seu sustento e o dos pais, com quem mora em São Miguel, zona leste da cidade de São Paulo, graças à música. No entanto, tudo mudou desde o início da pandemia de coronavírus.

    A renda do DJ secou. Os shows, que rendiam cerca de 8 mil por mês, deixaram de acontecer. O costume era pelo menos dez deles por semana. Nos melhores momentos, chegava a fazer 15. “Agenda cancelada. Todos os shows caíram”, lamenta, em entrevista à Ponte.

    Por sorte, conta Gabriel, ele conseguiu juntar uma grana. O dinheiro tem sido suficiente para pagar as contas que chegam. Porém, uma hora acaba. “Dá para mais uns dias”, diz. Sair de casa, agora, só em emergência. “Vou ao mercado ou farmácia para comprar álcool”, diz.

    Sem poder sair de casa, DJ Bieel NK aproveita para terminar alguns trabalhos. Entre colocar os afazeres domésticos em dia, até para reduzir ainda mais as chances de contágio, o músico trabalha também para gerar conteúdo para os seus canais no YouTube e Spotify. No entanto, nenhum deles gerará receita. “Já estavam pagos”, diz.

    A primeira previsão de entrada sem que nada mude é para junho. É quando cai o segundo pagamento do Spotify, calculado pela audiência de seu material. “É trimestral. Então esse tempo parado não recebi nada ainda”, comenta. “Estou esperando essa situação mudar e voltar às atividades normais”.

    Há outros músicos na mesma situação. Robson Gonçalves Martins, o Mc Robs, enfrenta a falta de shows junto da família. São três casas em um terreno pequeno, onde moram nove pessoas no Jardim Capela, extremo sul da cidade de São Paulo. Ele é responsável pela renda dele e dos pais, um deles acima dos 60 anos e que, portanto, faz parte do grupo de risco.

    MC Robs vive no Jardim Capela, zona sul de São Paulo | Foto: Arquivo Ponte

    Diferente de Bieel, MC Robs ainda não vive exclusivamente das suas músicas. Há vezes em que ele consegue dez apresentações que podem render cerca de R$ 3,5 mil e, no mês seguinte, nenhuma. Conta zerada. “Dinheiro do funk não é coisa que se pode ter certeza, nunca tenho”, admite.

    São em momentos como esses que produz músicas, cria letras e atua com produtor de festas e bailes de favela. Sem o movimento até para os bicos, Robs está parado. “Ninguém está comprando mais nada, só estão funcionando as lives em redes sociais e publicar no YouTube”, explica.

    Num dos momentos que estava parado, o MC teve uma ideia: escrever uma letra sobre tudo que estava vendo desde que o cenário do funk praticamente parou. Foi quando uniu a pandemia do coronavírus com a questão social envolvida no combate à doença.

    O hit “Aqui na favela não tem quarentena” mostra o diálogo de um jovem de quebrada com um rapaz que vive em área rica da cidade. A conversa explicita as diferenças para se combater a pandemia e a diferente forma da polícia lidar com os mesmos crimes, mas praticados por pessoas de classes sociais diferentes.

    “Aqui na favela não tem quarentena. Vivemos sem tempo para ficar parado. E se quando o rico acorda já tem café e pão fresco é porque o pobre está trabalhando dobrado”, diz um trecho da música. Robs explica: “Fiz a crítica justamente porque na favela não está existindo quarentena, tem que trampar. Lá, para quem tem dinheiro, existe quarentena. Todo mundo de boa em casa. Acorda e já tem pão que o padeiro, que mora na periferia, foi lá e fez. Essas profissões continuam em ação”.

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    Segundo o MC, as pessoas não têm levado a sério a quarentena e o isolamento na zona sul, parte por falta de consciência e outra por não poder ficar parado. “Infelizmente, gente que trabalha registrado tem que deixar o trampo, os ambulantes não podem trabalhar e muitos comércios funcionam. Tem que ter uma renda, senão não tem jeito”, diz.

    Outros MCs preferiram alertar para necessidade das pessoas se prevenirem e evitar a transmissão do vírus, caso do MC Guuga, que escreveu a letra “Esse vírus é pequeno porque Deus é maior”. Na música, o funkeiro dá uma série de recomendações baseadas nas informações da Organização Mundial da Saúde.

    “Vamos se prevenir do coronavírus, um vírus maligno, um vírus cruel. Para evitar, use álcool em gel. Estou passando o papo, estou passando o recado: não beba do mesmo copo, não fume o mesmo cigarro. Pense bem na sua família, lave bem as mãos, e de casa não sair. É fácil transmitir”, diz uma parte da letra.

    Impacto nos empresários e comerciantes

    Realidade como a de Gabriel e Robson também é enfrentada por outras pessoas que vivem na cena do funk. Darlan Mendes, 30 anos, trabalha tanto como empresário de artistas e comerciante. Ele é dono de uma tabacaria em Itaquera, na zona leste da capital paulista.

    O faturamento variava entre R$ 30 mil e R$ 45 mil antes da pandemia, entre vendas de narguilé e essência próximo ao Baile da 10, na Cohab 2. Agora, Darlan se preocupa para o negócio não fechar. Os ganhos zeraram com o espaço fechado. “Já tive prejuízo de R$ 7 mil”, conta. “Dependendo como for, prevejo de R$ 30 mil a R$ 35 mil por mês”.

    Para além das vendas, a renda deixou de entrar com os MCs com quem trabalha. “A média de show é de R$ 350 a R$ 1,5 mil cada show. Depende do artista”, prossegue. Ao consultar a agenda que estava programada, ele soma o dinheiro que deixa de entrar. “Dá mais de R$ 50 mil”, afirma.

    Tabacaria fica próximo à baile de rua em Itaquera, zona leste da capital | Foto: Arquivo Ponte

    Há outras pessoas que vivem dos bailes, como comerciantes de bebidas e comidas que ficam no entorno. Suas rendas dependem exclusivamente do que é comercializado nos dias de fluxo e, sem bailes, estão em situação de vulnerabilidade.

    “Os dois maiores bailes de São Paulo estão parados: Heliópolis e DZ7, em Paraisópolis. São cerca de 300 fluxos em São Paulo e está reduzido em 80% do que se tinha”, afirma Bruno Ramos, representante nacional do Movimento Funk.

    Para ele, é preciso que o governo federal atue para auxiliar essas pessoas que perderam sua fonte de renda com a Covid-19. Uma forma é contemplá-las no auxílio da renda básica, com valores de R$ 600 a R$ 1,2 mil, aprovado pelo Congresso Nacional, mas ainda sem data certa para ser pago pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido).

    “Antes do vírus, a preocupação é morrer de fome. Ficar parado 15 dias é muita coisa, as pessoas precisam se manter, comprar alimentos”, afirma. “O andar de cima está garantido. Poderiam ficar resguardados até dois anos, por exemplo, a classe média alta. E a gente se preocupa como revertemos para a quebrada”, afirma.

    Bruno explica que a pausa nos bailes mostra uma compreensão do movimento, que precisa se politizar. “É diferente do hip hop, que tem décadas de conscientização. Ainda vamos levar um tempo para tomar essa consciência. Temos falado com MCs que têm projeção para se posicionarem nas redes e conseguirmos fortalecer um ao outro”, diz, sobre divulgação de medidas de prevenção.

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