Renato Vieira Cruz foi morto na cozinha de sua casa em São Miguel Paulista, na zona leste de SP; vizinhos afirmam que a polícia “plantou” armas e drogas no local
Cinco tiros assustaram os moradores da rua Salinas do Açu, no Jardim Lapena, em São Miguel, na zona leste de São Paulo, por volta das 10h da manhã desta quinta-feira (27/2). Quando saíram de suas casas para entender o que estava acontecendo, viram que uma viatura da Rota, a tropa mais letal da PM paulista, estava parada na frente da casa de Renato Vieira Cruz, 39 anos.
O portão estava trancado, mas, mesmo assim, policiais da Rota entraram e efetuaram os disparos que mataram Renato, que saiu do local ainda com vida. Até às 16h, a rua estava interditada pelas viaturas da Rota, da PM e da Polícia Civil.
Quem tentava se aproximar era imediatamente impedido pelos policiais, que pediam para que as pessoas aguardassem dentro de suas casas. Nem as irmãs de Renato puderam entrar para tentar ver em quais condições o irmão estava.
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Quando a entrada na casa foi liberada, os policiais mostraram 8 armas e “muita droga”, segundo relato de uma testemunha. Mas, de acordo com os familiares, os itens apreendidos foram forjados, pois Renato não possuía arma nenhuma e, apesar de ser dependente químico, não tinha como ter tanta droga em casa.
“Ele não tinha dinheiro nem para comer, imagina para ter tudo isso”, disse à Ponte um familiar que pediu para não ser identificado por medo.
A Constituição Federa garante a inviolabilidade do domicílio, inclusive durante a noite. Segundo o artigo 5º: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.
Já o Código Penal, no artigo 150, fala que não é crime entrar ou permanecer em uma casa, desde que seja durante o dia e respeitando as formalidades legais para se efetuar prisão e, durante o dia ou noite, caso algum crime esteja sendo praticado ali.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), os policiais precisariam ter indícios de crime para violar o domicílio. “Precisa estar ocorrendo algum crime e os policiais precisam justificar com indícios de que de fato estaria ocorrendo crime no local”, afirma.
A advogada criminalista Maira Pinheiro, integrante da Rede Feminista de Juristas (deFEMde), aponta que é preciso analisar se a ação era necessária. “Tem que ver se a ação cessaria o suposto crime que estava em curso e se, em relação ao crime que estava em curso, invadir o domicílio e matar alguém é proporcional”, explica.
Para Maira, houve uma invasão de domicílio e o homicídio realizado pelos policiais foi qualificado, pois Renato não teve chances de se defender. A criminalista aponta que a Polícia Militar extrapolou as suas competências.
“Quando uma delegacia recebe uma denúncia anônima, isso tem que ser formalizado por meio de uma ordem de serviço e, a partir dela, os policias têm que verificar o teor da denúncia. Não é adequado você dar início a uma operação por parte da Polícia Militar sem ordem judicial com base em uma denúncia anônima”, critica Pinheiro.
Renato estava desempregado e fazia bicos para sobreviver. Ele e o irmão moravam na casa, que estava sem água e sem luz. A família afirma que não houve confronto e que os policiais não tinham um mandado de busca para entrar na residência. “Ele já foi preso no passado, mas pagou pelo que fez”, disse uma pessoa da família.
A cozinha da casa estava cheia de sangue em uma poça d’água. Na parede, havia uma única marca de tiro, perto da porta. Tudo no local estava revirado. Uma das correntes que trancava o portão desapareceu depois da ação da Rota. Nenhuma cápsula ou projétil foi encontrado pelos familiares quando entraram na casa.
A irmã de Renato, que falou sob a condição de anonimato, desabafou em conversa com a Ponte. “Eu não vou enterrar ele como traficante, não vou. Ele era usuário, mas não era bandido. Aquelas drogas não estavam lá dentro mais cedo. Meu irmão vivia como um morador de rua, sem dinheiro algum para sobreviver. Ele engraxava sapato em troca de comida”, revelou.
A família discorda da versão da polícia. “Os policiais falaram que receberam uma denúncia e vieram aqui, mas eles já vieram para matar. A gente sabe, quando a Rota vem é para matar. Não teve troca de tiro, tudo ali foi mexido, tá cheio de água e sangue no chão”.
A vizinhança estava revoltada com o que aconteceu, mas ao mesmo tempo com medo. Tanto é que moradores da vizinhança toparam contar o que viram com a condição de não serem identificados. Eles afirmam que a PM teria levado uma câmera de segurança.
Um deles disse que a polícia não deixou ninguém ficar na rua até o resgate chegar. “Não teve troca de tiros nada. Ele não era traficante, a gente fala pra quem quiser, isso foi uma execução”, gritava um vizinho.
O caso será investigado pelo Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa.
Outro lado
A Ponte esteve no DHPP e apurou que o caso ainda estava sendo registrado como resistência seguida de morte. Segundo informações da Polícia Civil, houve confronto e apreensão de drogas e armas no local.
A reportagem procurou a Secretaria de Segurança Pública, do governo João Doria (PSDB), através da assessoria privada do órgão, a InPress, mas até o momento de publicação não obteve retorno.
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