Sem qualificação por feminicídio, assassino de Chiara é condenado a 7 anos e meio de prisão

Promotora Rosana Colleta afirma que vai recorrer para tentar aumentar a pena de Jeferson Pereira Santos, condenado por matar e jogar corpo de mulher trans do 7º andar em 2020

Chiara foi morta no centro de São Paulo em setembro de 2020 | Foto: Arquivo pessoal

“Eu acho que foi o começo da justiça. Graças a Deus ele não saiu pela porta da frente e a justiça só começou, ele vai pagar pelo que ele fez”, diz, muito séria, Lucilene Duarte, mãe de Chiara Duarte Pereira, morta em 2 de setembro de 2020 na região da Sé, centro da capital paulista. Jeferson Pereira Santos, vendedor ambulante que tinha 18 anos na época do assassinato, foi condenado no início da noite desta segunda-feira (25/4) a 7 anos e 6 meses de prisão pelo homicídio.

Segundo a polícia, Chiara foi encontrada com 11 perfurações no corpo, provocadas por facadas, e foi jogada do 7º andar de um prédio. No mesmo dia Jeferson foi preso em flagrante porque moradores suspeitaram do cheiro de fumaça que saía da janela do banheiro, momento que ele tentava queimar os pertences da vítima, e outros viram o corpo de Chiara caindo.

Em depoimentos, Jeferson contou que conheceu Chiara na Praça da Sé e a convidou para ir à sua casa beber. Depois, ao terem relações sexuais, disse que “ficou muito irritado” e se sentiu “enganado” por “descobrir” que ela era travesti, começaram a discutir e tentou mandá-la embora, mas ela teria pedido mais bebida e pagamento pelo programa. Jeferson justifica que Chiara tentou agredi-lo com uma faca e o atingiu em dois dedos e que reagiu em defesa ao golpeá-la. Ao perceber que ela tinha morrido, resolveu jogar o corpo porque “ficou com vergonha” de a família descobrir que ele tinha se relacionado com uma travesti. A vítima foi jogada seminua do prédio.

Como revelou reportagem da Ponte na semana passada, Chiara seguiu sofrendo descaso do sistema de justiça depois de sua morte: nem as investigações nem o processo respeitaram sua identidade de gênero como mulher trans e seu nome social, e a acusação não qualificou a morte como feminicídio nem a motivação do assassinato como transfobia. “Fiquei chocada, sem chão. Não respeitaram minha filha. É como se ela nunca tivesse existido”, diz Lucilene Duarte sobre o tratamento dado pelo Estado à filha.

O julgamento de Jeferson começou por volta das 14h desta segunda, com um júri formado por seis mulheres e um homem. Foram ouvidas três testemunhas no julgamento. A primeira foi Silvano Alves da Silva, PM que atendeu a ocorrência. A Promotoria perguntou se havia algum ferimento no acusado e a testemunha disse que não, enquanto a defesa não perguntou nada.

A segunda testemunha foi o também PM Sergio Arruda. Ele conta que chegou no apartamento por conta da fumaça que saia de lá, porque o acusado tentou queimar as roupas da vítima.

Por fim, falou Gabriel de Souza Silva, cunhado de Jeferson, acusado pelo homicídio. Gabriel, que está preso acusado de furto, disse que na ocasião escutou alguém chamando por socorro, mas nem na delegacia, nem na audiência de instrução ele havia feito essa afirmação. Tanto o juiz Cláudio Juliano Filho quanto a promotora Rosana Colleta advertiram Gabriel que ele poderia ser processado por falso testemunho ao mudar as suas versões.

No interrogatório de Jeferson, ele afirmou que Chiara puxou uma faca contra ele e que ele tomou a arma dela para se defender. “Quando eu vi o corpo no chão eu não sabia o que fazer. Fiquei nervoso e joguei o corpo pela janela”. O ambulante disse ainda que só deu duas facadas em Chiara e a promotora Rosana Colleta argumenta que o corpo da vítima tinha 11 perfurações. Ele se negou a responder para a promotora se sabia ou não que se Chiara estava morta antes de a arremessar pela janela.

A defesa de Jeferson alegou legítima defesa no caso. O advogado Lucas Batista Lacerda diz que Chiara estava bêbada e tentou agredir Jeferson porque a bebida tinha acabado. Além de álcool, os advogados também alegam que Chiara tinha usado cocaína. Lacerda afirmou também que a única opção que o réu tinha era o ataque a facadas para se defender durante uma briga e o que não houve transfobia ou homofobia para o assassinato de Chiara.

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A promotora Rosana, que não participou desde o início no caso, diz que o processo é uma “droga” pois o homicídio não é tratado como transfobia e que vai recorrer para pedir aumento da pena de Jeferson. Em entrevista à Ponte o juiz Cláudio Juliano Filho se recusou a comentar sobre a falta de qualificação do motivo do homicídio: “eu não posso falar sobre um outro profissional”, disse, em referência ao promotor Romeu Galiano Zanelli, responsável pela denúncia, “ele pode ter achado que a motivação torpe não se sustentaria no plenário do Tribunal”.

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