Sobrevivente de chacina em SP entra em programa de proteção à testemunha

    Homem levou tiro no ombro e presenciou execução de três pessoas em Sapopemba; moradores relatam que PMs fizeram novas ameaças nesta quinta-feira (3/10)

    Homem mostra curativo no ombro atingido pelo disparo, que varou seu corpo | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    O único sobrevivente de uma chacina com três mortos em Sapopemba, bairro no extremo leste da cidade de São Paulo, na última segunda-feira (30/9), entrou para o programa Provita (Programa Estadual de Proteção a Vítimas e Testemunhas), responsável por proteger pessoas que sofrem ameaças por colaborarem em inquéritos policiais ou processos criminais. A solicitação de ajuda se deve por medo da suposta participação de policiais militares no crime.

    Segundo relato de testemunhas, quatro PMs da Força Tática estiveram na região por volta de 17h e ameaçaram “voltar para matar” à noite. Em torno de 23h30, um homem em uma moto escura parou e descarregou dois cartuchos de calibre 9 milímetros nas vítimas. Moradores recolheram parte dos cartuchos que ficaram pelo chão.

    Enquanto atirava na direção de Vitória Noemi da Silva, 21 anos, Augusto Carlos de Souza, 41, e Jailson Lima Mota, 44, os três mortos no ataque, o assassino recebia escolta de um veículo Fiat Siena prata. Testemunhas não sabem apontar quantas pessoas ocupavam o veículo. No entanto, elas afirmam que viaturas da PM chegaram ao local apenas quatro minutos depois dos disparos e das três mortes.

    Imagens de câmera de segurança obtidas pela Ponte mostram o momento em que uma motocicleta com as mesmas características descritas por quem viu a chacina passa pelo cruzamento da Avenida Custódio de Sá e Faria com a Rua Palmeira de Vinho. O relógio bate 23h38 minutos. Este ponto fica exatos 450 metros do local da chacina.

    Esta moto é a única a passar pelo cruzamento em um intervalo de duas horas, entre 23h e 1h da madrugada da terça-feira (1/10). Duas testemunhas da chacina analisaram o vídeo e identificaram à reportagem a moto escura como sendo a usada no crime. A afirmação se baseia no tamanho do veículo, cor e no baú localizado na parte traseira da motocicleta.

    O veículo Fiat Siena prata, que teria dado cobertura no crime, não é visto neste cruzamento no período analisado nas câmeras de segurança. No entanto, há duas ruas que podem ter sido usadas como rota de fuga no trajeto feito que liga a Avenida Custódio de Sá e Faria até a Rua Palmeira de Vinho: as ruas Antônio de Castilho e Caro-Sacaibu, ambas com saída para à direita, vão sentido Jardim Elba, bairro que faz divisa com a cidade de Santo André, localizada do ABC Paulista.

    A Ponte também verificou nas imagens se uma viatura da Força Tática passou pelo cruzamento entre 16h e 18h, período no qual quatro PMs teriam ameaçado voltar à viela “para matar”. Contudo, nenhuma viatura da Força Tática aparece nas gravações.

    Conforme apurado pela reportagem, moradores relatam nova ameaça feita nesta quinta-feira (3/10). O relato é que dois jovens que moram na favela que tem como uma das entradas a viela onde aconteceu a chacina foram ameaçados por PMs. “Se eles não voltarem a pagar, mais um CPF vai desaparecer”, teriam dito dois policiais fardados. O “pagar” seria uma referência a uma quantia paga pela biqueira que funciona no local. Quem estava presente na rua flagrou quando PMs procuraram pelo sobrevivente da chacina.

    Atuação do Ministério Público

    As investigações para identificar os autores da chacina contam com acompanhamento do MP (Ministério Público) de São Paulo. O grupo de Segurança Pública, criado em conjunto com a sociedade civil, em diálogo liderado pela Rede de Proteção e Combate ao Genocídio, será responsável pelo trabalho.

    Trajeto feito pela motocicleta entre o local da chacina e o cruzamento onde é filmada | Foto: Reprodução/Google Maps

    Segundo apurado pela reportagem, o MP designou o promotor Rubens Andrade Marconi para realizar esta função. A reportagem solicitou entrevista com Marconi, mas, por meio da assessoria de imprensa do órgão, ele explicou que “ainda não foi formalmente cientificado sobre a chacina”.

    Enquanto isso, o profissional aguarda o contato do delegado responsável para atualizar o caso. A previsão inicial é de que novidades sejam passadas nesta sexta-feira (4/10) pela 3ª Delegacia de Polícia de Repressão a Homicídios Múltiplos do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa).

    O ataque durou poucos minutos: o homem parou a moto, mirou na cabeça e disparou no olho esquerdo de Vitória, que morreu na hora. Em seguida, ele virou para o outro lado da rua e atirou no ajudante de serviços gerais Augusto e no catador de recicláveis Jailson. Ambos chegaram a ser socorridos, mas não resistiram aos ferimentos.

    Um homem, o mesmo que pediu proteção ao Provita, sobreviveu ao ataque ao se esconder atrás de caçambas de lixo que ficam em frente à viela que dá entrada para uma favela existente no local. Ele se esquivou dos mais de 15 disparos feitos pelo assassino, como descreveu à Ponte.

    Testemunhas recolheram cápsulas de calibre 9 milímetros usadas no crime | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Na terça-feira, horas após o crime, ele explicou à reportagem que teme pela vida e sairia do bairro, mesmo sem ter para onde ir. “Não tenho lugar para ir, mas aqui não dá para ficar”, explicou o homem, que levou 10 pontos nas duas perfurações do único disparo que o atingiu e varou o ombro. “A polícia vem todo dia aqui, é perigoso ficar. Preciso dar um jeito”, emendou.

    A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, liderada pelo general João Camilo Pires de Campos na gestão de João Doria (PSDB), e a PM, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, quanto às supostas ameaças feitas por PMs da Força Tática aos moradores da região antes de a chacina ocorrer. Segundo a pasta, “todas as circunstâncias são apuradas visando a elucidação dos fatos”.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas