‘Sou alvo por racismo’, diz militante que PM arrastou pelos cabelos

    Andreza Delgado, do PerifaCon, revela já ter sido vítima da polícia em protesto anterior e diz que não vai desistir de lutar pelo passe livre em SP

    Militante é detida por policial, que a leva com o braço para trás | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    Andreza Delgado é uma mulher negra de 24 anos e moradora da periferia da zona sul da cidade de São Paulo. Articula ações culturais como o PerifaCon, encontro de quadrinhos e da cultura nerd da quebrada, uma gibiteca comunitária (biblioteca de gibis e quadrinhos) e o gameperiferia, encontro de gamers, pessoas que jogam vídeo-games. Na quinta-feira (17/1), a imagem de Andreza apareceu nas redes sociais não por causa do engajamento cultural ou da militância política: ela foi vitima de violência policial motivada por racismo, como ela define a agressão que sofreu em protesto contra o aumento da tarifa do transporte público, na República, centro de São Paulo.

    Um policial militar – homem e branco – a arrastou pelo cabelo e a deteve durante o terceiro ato puxado pelo MPL (Movimento Passe Livre), que além de pedir a revogação do aumento, levanta a bandeira da tarifa zero para toda a população. “Sofrer essa violência, enquanto mulher negra me diz muito sobre o meu corpo e os locais que eu ocupo no mundo. Não tem como tirar a minha pele. É isso: eu sou mulher negra”, resume Andreza. “É triste, sabe? Sempre vai me retornar a esse lugar que é ser um alvo por racismo”.

    A ativista revela se sentir um alvo constante dos PMs, que já haviam puxado seu cabelo em ato anterior contra o aumento da tarifa, mas mantém a postura de protestar a favor do passe livre e comenta sobre a escalada da violência policial como um todo. “É um acoplado de violações que os corpos negros, indígenas, pobres vivem nesse país muito antes da gente sonhar em ter 2013. Você vê pessoas que ficaram cegas em manifestação, mas tem pessoas que ficaram cegas porque estavam em um baile funk”, argumenta.

    Confira a entrevista:

    Ponte – Depois de tudo que rolou, agora com a adrenalina baixa, qual sensação te vem à cabeça de tudo que passou ontem?

    Andreza Delgado – O que vem à cabeça é que a PM não está despreparada, como as pessoas falam, ela está exercendo o lugar que ela foi colocada: o aparato do Estado. É reprimir as manifestações, reprimir qualquer coisa que esteja fora do script. Hoje, no Brasil, só um tipo de manifestação é aceita: a das pessoas que se vestem de verde e amarelo e vão para a [Avenida] Paulista no domingo com um carro de som. O resto das outras manifestação são todas reprimidas, principalmente as que são chamadas pelo passe livre.

    Ponte – Como é para uma mulher, negra, jovem e de quebrada sofrer a violência policial de ontem, sendo arrastada pelo cabelo por um policial homem e branco?

    Andreza Delgado – Sofrer essa violência, enquanto mulher negra, me diz muito sobre o meu corpo e os locais que eu ocupo no mundo. Não tem como tirar a minha pele. É isso: eu sou mulher negra. Por mais que eu faça várias coisas e esteja em vários espaços e aconteçam coisas incríveis comigo, eu ainda sou uma mulher que está em uma posição de vulnerabilidade. Isso nunca vai mudar. É triste, sabe? Sempre vai me retornar a esse lugar que é ser um alvo por racismo.

    Ponte – Você sentiu que os PMs te colocaram como alvo antes das ações violentas começarem?

    Andreza Delgado – Sim! Na outra manifestação estavam rolando muitas piadas com o meu cabelo. Você olha no vídeo e rola uma vontade muito grande [dos policiais] em me puxar pelos cabelos e várias vezes isso aconteceu.

    Ponte – Como fica a luta do movimento, pelo passe livre e contra a diminuição dos transportes, em meio à reação da PM aos protestos?

    Andreza Delgado – A luta continua a mesma. O MPL surge há 15 anos. Antes de eu imaginar que estaria na rua, o MPL já existia e essa repressão, também. É óbvio que a escalada foi aumentando e as trocas de governo e as trocas de prefeitura fazem com que um alinhamento e a simpatia pelo fascismo aumente essa repressão. Eu não respondo pelo MPL, não sou do MPL mais, mas a posição é continuar se manifestando, aumento pós aumento, e tentar discutir o direito a transporte, o direito a cidade como direito mesmo. Porque é uma coisa interseccional: uma cidade que não pode ser acessada pelas pessoas pobres ela não existe, existe apenas para os ricos.

    Andreza conta ter esperado 45 minutos até viatura leva-la à delegacia | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Ponte – Tem sentido que a pauta tem sido repassada para a população ou as ações policiais têm criado uma espécie de bloqueio às reivindicações?

    Andreza Delgado – Toda vez que as manifestações são reprimidas se causa esse impacto nas pessoas, elas ficam com medo. Qual mãe quer que um filho vá para a rua com a possibilidade de tomar um tiro na cara ou ser puxado pelos cabelos? É essa reação que o Estado, a Polícia, tenta passar. Esse é o recado.

    Ponte – Qual sua percepção sobre o aumento da repressão policial desde 2013, com os primeiros grandes atos do MPL?

    Andreza Delgado – Essa repressão desde 2013 é isso: a escalada do alinhamento do fascismo. Vai trocando os cargos, as figuras, e quanto mais elas têm simpatia, mais se aumenta. Isso não significa que antes estava tudo bem, mas aumenta a escalada de repressão. Desde 2013 houve muito projeto para reprimir manifestações, para as pessoas não poderem se manifestar, coisas desse tipo. O decreto do Doria, também. Existe uma vontade…

    Ponte – Ontem (16/1) impediram o trajeto rumo à Paulista. Isso ocorreu antes? Como o movimento pretende se adaptar a essas proibições e bloqueios da PM?

    Andreza Delgado – Sim, a parte do trajeto e tudo mais. Mas isso desde 2015, 2000 e tralalá ele estavam impedindo as pessoas, o MPL de fazerem trajeto do ato. Tinha que sentar com polícia para fazer o trajeto e tudo mais, não é novidade.

    Ponte – A esquerda ligada ao PT culpa as manifestações de 2013 pela ascensão da extrema-direita. Você, que esteve nas ruas todo esse tempo, pode dizer se a violência policial e o racismo dos agentes do Estado começaram somente após a eleição de Temer e Bolsonaro, como uma parte dessas pessoas parece acreditar?

    Andreza Delgado – Claro que não. Vemos uma mobilização e uma discussão sobre violência policial antes de 2013. Marcha da Maconha, por exemplo, em que as pessoas foram reprimidas e não conseguiram se manifestar, todo contexto de violação de direitos dentro da periferia. O que acontece é que as pessoas acham que o universo dentro da discussão de manifestação é isolado da violência policial das favelas, comunidades indígenas, tudo mais, e não. É um acoplado de violações que os corpos negros, indígenas, pobres vivem nesse país muito antes da gente sonhar em ter 2013. Você vê pessoas que ficaram cegas em manifestação, mas tem pessoas que ficaram cegas porque estavam em um baile funk. É esse tipo de link que precisa ser feito e precisamos fazer uma discussão muito séria sobre o que foi 2013, o que acontecia antes de 2013. Como disse, é impossível que não se reconheça que teve aumento de escalada de repressão, é óbvio. Se tem alinhamento de governos mais ligados ao fascismo é óbvio que a violência policial vai aumentar e você vai ter mais políticas públicas pensadas para impedir as manifestações. Isso não significa que estava ‘ok’ se manifestar antes de tudo isso.

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