Tribunal de Justiça de São Paulo estipulou indenização de R$ 70 mil para cada um pelos 70 dias que dupla ficou presa; prisão aconteceu em 2015 e testemunha voltou atrás em reconhecimento
O município de Taboão da Serra e o estado de São Paulo terão que indenizar em R$ 140 mil dois homens que foram presos injustamente, em 2015, por guardas municipais da cidade da região metropolitana da capital paulista, acusados de tentativa de roubo. A dupla passou 70 dias em prisão preventiva e agora tentam reconstruir a vida e minimizar os danos que tiveram por conta da condenação precipitada.
No dia 19 de outubro deste ano foi publicado o acórdão (decisão coletiva assinada por um grupo de magistrados) que determinou o pagamento dos valores para Ricardo Silva Araújo e Victor Manuel dos Santos. O pedido de ressarcimento por danos morais foi conseguido na segunda instância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Tanto o estado quanto a prefeitura de Taboão da Serra podem recorrer da decisão.
Pelo fato ter ocorrido há mais de cinco anos, a Procuradoria do Estado de São Paulo tentou alegar que o caso já estava prescrito e que não poderia haver condenação por conta disso. O desembargador Carlos Von Adamek, relator do caso, afirma não acatou a tese levantada. “Não há falar em prescrição da pretensão indenizatória, pois o termo inicial para cômputo da prescrição é o trânsito em julgado da sentença proferida no feito criminal”, concluiu o desembargador.
Uma das vítimas da prisão injusta afirma que a decisão do TJSP é importante, não pela questão monetária, mas pela Justiça comprovar que eles nunca violaram a lei. “Durante esses sete anos eu gastei muito dinheiro para provar minha inocência. Tive até que vender uma moto minha e essa dinheiro da indenização vai ser basicamente para pagar minhas dívidas por conta desse processo”, diz o entregador Ricardo Silva Araújo, de 40 anos.
O advogado Rogério Carmo, que entrou com o pedido de indenização para os dois homens, reconhece que essa vitória nos tribunais é um exceção dentro do universo jurídico brasileiro. “Eu tentei analisar casos parecidos com esse que tínhamos e encontrei 30. Desses, em apenas dois o Estado indenizou as pessoas que prendeu de forma indevida”, aponta o defensor.
Perseguição e intimidção
No final da tarde do dia 25 de junho de 2015, Ricardo pediu ajuda para Victor Manoel dos Santos. O entregador tinha deixado o seu carro na oficina dias antes e pediu para o amigo ir de moto com ele para buscar o veículo. No trajeto, a dupla cruzou com uma viatura da Guarda Civil de Taboão da Serra que abordou os homens.
“Eu conheço os GCMs que me abordaram, assim como conheço vários outros aqui da cidade. Eles nos abordaram de forma tranquila e viram que não tínhamos nada, mas o rádio tocou informando sobre um roubo que havia acontecido em outro canto da cidade e tinha sido cometido por dois homens numa moto e por isso pediram para a gente esperar no local”, conta Ricardo.
Em poucos minutos uma viatura da Guarda Civil Municipal chegou ao local onde os dois amigos tinham sido abordados e juntos com agentes públicos estava a vítima, que teria feito o reconhecimento dos suspeitos ali mesmo, dizendo que Ricardo e Victor seriam os homens que haviam tentado assaltá-la. Esse método fere o artigo 266 do Código de Processo Penal, que aponta que o reconhecimento de suspeito deve ser feito em uma delegacia, sem interferências e que haja outras pessoas com características parecidas com a dos suspeitos para que haja comparação.
Tendo só a palavra da vítima como prova, a Polícia Civil, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo foram favoráveis a prisão de Victor e Ricardo, sem levar em conta testemunhas de defesas e imagens de câmeras de segurança que mostravam que os dois estavam em outra região da cidade quando houve a tentativa de roubo.
“Os dois são pessoas conhecidas e muito queridas dentro da cidade e a notícia da prisão deles se espalhou rápido, com todos sem acreditar que eles tinham cometido algum crime. Isso chegou aos ouvidos da vítima. Ela admitiu que tinha sido pressionada pelos GCMs a dizer que tinha sido o Ricardo e o Victor que tinham tentando assaltá-la. Tanto que, por iniciativa própria, ela fez uma carta a próprio punho explicando para o juiz o que tinha acontecido e isso foi fundamental no processo para inocentar os rapazes”, explica Rogério Carmo.
“Por livre e espontânea vontade e sem sofrer nenhuma coação, na qualidade de vítima no processo, venho através da presente, declarar que após estar mais calma e não no calor da situação de medo e pânico, o qual havia passado e ainda pela pressão que houve da GCM para o reconhecimento dos ladrões, fui levada ao erro, e ainda, após ter conhecimento das imagens das câmeras de segurança de vias públicas próximas, cuja autenticidade é firmada pelos advogados dos réus Ricardo silva Araújo e Victor Manuel dos Santos, as quais já foram levadas a conhecimento das autoridades, e analisando com calma as imagens sem a forte emoção do momento, cheguei a conclusão que os autores da tentativa de roubo não foram os réus Ricardo e Victor, qualificados no processo e sim outros indivíduos desconhecidos até o momento”, diz um trecho do comunicado feito pela vítima e que foi anexada aos autos do processo.
Além dos setenta dias que passaram privados de liberdade no Centro de Detenção Provisória de Itapecerica (Grande SP), os danos para a vida dos dois seguem até hoje. “Eu tinha acabado de ser registrado em uma empresa, quando saí da cadeia o dono da firma não me queria mais lá. Hoje eu trabalho da forma que dá porque eu sei que vai ser difícil arrumar emprego hoje. Mesmo provando a minha inocência, tenho o nome sujo agora”, lamenta Ricardo.
Junto com a dificuldade para trabalhar, Ricardo hoje tem que conviver com a perseguição de alguns agentes da GCM de Taboão da Serra. Segundo ele, após sair da prisão ele passou a ser abordado várias vezes pelos agentes e tem que constantemente prestar queixas na corregedoria da corporação.
“O valor que foi estipulado pela Justiça é pouco diante de tudo que eu estou passando. Eu nunca tive nada de errado, seja infração de trânsito ou briga na rua. Agora, mais do que nunca, eu não posso cometer nada de errado, porque eles só estão esperando isso para me pegar de novo.”
Outro lado
A Ponte não conseguiu contato com a prefeitura de Taboão da Serra para saber a posição da administração municipal sobre o caso. A Procuradoria Geral de São Paulo afirmou, através de um email, que o estado não irá recorrer da decisão do Tribunal de Justiça.