STJ anula anulação e condenação de PMs por massacre do Carandiru volta a valer

Ministro Joel Paciornik entendeu que os cinco júris não contrariaram as provas do processo e reverteu anulação dos julgamentos de 74 PMs que havia sido proferida pelo TJ-SP. Sentenças de 74 PMs somam mais de 600 anos de prisão

Protesto realizado em 2016 em SP pedindo justiça para familiares de vítimas do massacre | Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) restabeleceu as condenações de 74 policiais militares, proferidas em cinco júris populares em 2013 e 2014, e que haviam sido anuladas em 2016 pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). As sentenças somam mais de 600 anos de prisão, envolvendo crimes de homicídios qualificados tentados e consumados, pela ação da Polícia Militar contra uma rebelião na extinta Casa de Detenção Provisória do Carandiru que resultou na morte de 111 detentos em 2 de outubro de 1992.

Em decisão monocrática proferida em 2 de junho, o ministro e relator do caso Joel Ilan Paciornik acatou a solicitação do Ministério Público Estadual (MPE) para que reavaliasse a anulação dos julgamentos, já que a 4ª Câmara Criminal do tribunal paulista os invalidou por considerar que a acusação (o MPE) não individualizou as ações praticadas nos homicídios, apesar de ter reconhecido excessos durante a operação policial, e que a decisão dos jurados ao condenar os acusados teria sido contrária às provas dos autos. O processo está sob sigilo, mas a Ponte teve acesso à integra da decisão.

Em 2018, o STJ já havia determinado que a 4ª Câmara esclarecesse supostas “omissões” do MPE apontadas pelo tribunal, mas os desembargadores mantiveram a anulação do julgamento. Na época, o então desembargador e relator da ação no TJ-SP Ivan Sartori queria absolver os PMs e declarou que “não houve massacre, houve legítima defesa” e que “o resultado é pela reação dos presos”. “Quem se entregou, nada sofreu”, disse.

Ao contrário do TJ, o ministro entendeu que a decisão do júri não contrariou as provas nos autos do processo, não havendo motivos, portanto, para que os julgamentos fossem anulados. Paciornik argumentou que a imputação delitiva se baseia em liame subjetivo, ou seja, no entendimento de que vários agentes participaram de forma coletiva na prática de crimes e que, por si só, “não afastaria a autoria dos demais policiais que concorreram de outra forma para o delito”. “Reafirma-se, mesmo que produzido o confronto balístico, competiria aos jurados, assim como a eles competiu, a análise das provas para decidir sobre a responsabilidade de cada policial”, escreveu o ministro.

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Na ocasião, a 4ª Câmara do TJ-SP havia argumentado que não houve uma cooperação entre os policiais para prática de crimes porque eles adentraram na unidade prisional para cessar a rebelião. Além disso, não teria sido realizado confronto balístico porque o Instituto de Criminalística, na época, não dispunha de “meios materiais e estruturais” para tal a fim de apurar a relação entre as mortes e as armas apresentadas. Já o Ministério Público Estadual havia destacado que essa cooperação coletiva dos PMs não demandaria um acordo prévio, bastaria “o envolvido estar ciente de que, com a sua conduta, colaborou para o resultado criminoso, tendo sido sustentado que houve liame subjetivo para eliminação dos detentos e quem não foi autor direto, concorreu igualmente com sua presença, proferindo disparos, em adesão consciente para a obra comum, dado o caráter multitudinário do delito”.

Com a determinação do ministro Joel Paciornik, as condenações foram restabelecidas. Cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo julgar individualmente os recursos de apelação que venham a ser impetrados pelos acusados, caso recorram da condenação.

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Em 2018, em entrevista à Ponte, o procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo, na época subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais, havia declarado que o MPE estava em uma “corrida contra o tempo” em relação ao caso, com a possibilidade dos crimes prescreverem, já que cada processo tem prazos distintos em suas recontagens para a pena do crime expirar. Além disso, parte dos réus tem mais de 60 anos, o que corta pela metade o tempo de prescrição da pena, para 10 anos.

Especialistas em direito penal ouvidos pela reportagem na ocasião lembraram que o crime de homicídio deixa de valer após 20 anos. Contudo, há momentos nos quais essa contagem é reiniciada: a primeira data a ser considerada é a do crime em si; depois, passa a ser considerado quando há a denúncia por parte do MPE; mais para frente, quando um juiz aceita a denúncia e determina a realização de um júri popular (chamado de sentença de pronúncia); caso o réu seja considerado culpado em um júri, a conta de 20 anos para prescrição reinicia para o dia do julgamento. “As decisões condenatórias interrompem a prescrição”, pontuou Humberto Barrionuevo Fabretti, professor de direito penal na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Para Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC-SP e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, a anulação do julgamento chancelava a impunidade de crimes cometidos por agentes públicos. “A decisão do STJ é importantíssima e restabelece a credibilidade do sistema de justiça brasileiro com relação ao enfrentamento de massacres, chacinas e outras graves violações de direitos humanos perpetradas por agentes do Estado”, declarou.

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