STJ concede liberdade a Maria, mãe de Lucas, morto após abordagem da PM

    Ministro Reynaldo da Fonseca acatou pedido da Defensoria Pública; antes condenada a cinco anos por tráfico, ela teve pena reduzida para um ano e oito meses

    Maria Marques é mãe de Lucas, que, segundo ela, despareceu após ser abordado por PMs; alguns dias depois, o corpo dele foi encontrado | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    “Muito feliz. Eu não estou acreditando”, é assim que Maria do Carmo Martins dos Santos, 66 anos, reagiu ao saber da concessão de liberdade em favor de sua filha Maria Marques Martins dos Santos, 39, assinado pelo ministro Reynaldo Soares da Fonseca, da 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

    A mulher, que em 2015 havia sido condenada por desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo a cinco anos por tráfico de drogas, crime que teria ocorrido em 2012 e que ela nega ter cometido, teve a pena recalculada pelo STJ para um ano e oito meses de reclusão.

    A decisão para que a mulher cumpra o restante de sua pena em regime aberto foi tomada na noite da última terça-feira (7/4), menos de 24 horas depois de a Defensoria Pública encaminhar pedido de liminar usando como argumentos a não utilização do redutor de pena previsto na Lei de Drogas e o risco do coronavírus, mas apenas o primeiro teve peso para o STJ.

    Maria Marques é mãe de Lucas Eduardo, que tinha 14 anos quando desapareceu, segundo família, após abordagem policial na Favela do Amor, em Santo André, no ABC paulista, em 13 de novembro do ano passado. O corpo dele foi encontrado boiando no lago de um parque da cidade alguns dias depois e até hoje o crime não foi solucionado. Ela foi presa quando foi prestar depoimento sobre o sumiço do filho.

    A redução na pena e, consequentemente, a alteração no regime foram possíveis após o ministro aplicar o redutor de pena, previsto na Lei de Drogas, “para primários e com bons antecedentes, além de não se dedicar a atividades criminosas ou integrar organização criminosa”.

    Em sua decisão, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca entendeu que o “fundamento [condenação pelo TJSP] não deve prevalecer, tendo em vista que a quantidade da droga – 16,4 g de maconha e 35 g de cocaína – não se mostra exorbitante para concluir que a acusada se dedica a atividades criminosas”.

    “O caso dela demonstra que a Lei de Drogas é aplicada de maneira draconiana no estado de São Paulo e precisa ser revista. Existem milhares de pessoas presas com nome, sobrenome e família e essas pessoas são primárias, têm bons antecedentes e estão cumprindo pena em regime mais gravoso do que determina a lei”, afirmou Marcelo Carneiro Novaes, defensor público e autor do pedido de liminar.

    O advogado de Maria Marques declarou que as lágrimas da mulher não podem ter sido em vão. Ele ainda aponta que não faz sentido manter jovens primários presos. “É um exército a ser recrutado pelo crime organizado”, disse.

    Expectativa frustrada

    Assim que foram informadas da decisão favorável ao habeas corpus, Maria do Carmo e a filha Cícera dos Santos, 43 anos, pegaram carona com um vizinho e deixaram a Favela do Amor, em Santo André, até o portão da Penitenciária Feminina de Sant’ana, na zona norte de São Paulo, num percurso de cerca de 30 quilômetros de carro.

    A reportagem acompanhou a mãe, a irmã e dois vizinhos de Maria Marques enquanto eles aguardavam ela sair. O quarteto, que chegou no local por volta das 13h, olhava a cada segundo entre os vãos do portão na tentativa de algum sinal da mulher.

    Inquieta, Maria do Carmo repetia a todo instante “e essa mulher que não sai logo?”. E era, então, acalmada pela filha. “Calma, mãe, essas coisas demoram”, dizia Cícera.

    A expectativa durou longas quatro horas até serem informadas por um funcionário da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), por telefone, de que o alvará de soltura ainda não havia sido expedido.

    Mesmo sem levar a filha para casa como era esperado, a aposentada se mostrou feliz com a decisão vinda de Brasília. “Muito feliz, eu não estou nem acreditando. Eu agradeço muito a todos que ajudaram. A felicidade é grande. Um alívio. Se eu morrer amanhã, eu morro feliz”, completou, enquanto caminhava para o carro rumo a Santo André.

    Em nota, encaminhada às 17h42, a SAP informou que, “até o momento, a Penitenciária Feminina de Sant’Ana não recebeu nenhum Alvará em nome da presa Maria Marques Martins dos Santos”.

    Relembre o caso

    Maria Marques é mãe de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, encontrado morto boiando em um lago do Parque Natural Municipal do Pedroso, em Santo André, no dia 15 de novembro de 2019. O adolescente desapareceu nas primeiras horas do dia 13 de novembro após uma abordagem policial, segundo familiares. Naquela data, Lucas Eduardo havia saído de casa para comprar um refrigerante e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André, comunidade em que vivia com a mãe, um irmão mais velho e a cunhada. A favela fica a cerca de 10 quilômetros do local em que seu corpo foi localizado.

    Maria Marques foi presa em 19 de novembro ao prestar depoimento justamente sobre o desaparecimento de seu filho, já que tinha um mandado de prisão aberto expedido em 2017. A mulher, que até então se apresentava como madrasta de Lucas e de nome Teresa, foi uma das últimas pessoas a ver o jovem com vida. Foi ela também quem atendeu policiais militares que foram até sua residência horas após o menino desaparecer. Maria nega que soubesse do pedido de prisão, já que a última notícia que tinha de seu processo é de que havia sido absolvida.

    Ao ser presa em agosto de 2012 por policiais civis de campana na Favela do Amor, os agentes contaram a versão de que “avistaram a acusada em movimentação típica de venda de entorpecentes”. Com a abordagem, encontraram R$ 35 e, durante conversa, Maria Marques teria afirmado que guardava a droga em um buraco na parede. Nesse local, ainda segundo a versão dos policiais civis, foi encontrado uma pequena bolsa em que continham 10 invólucros de maconha (16,4 gramas), 37 invólucros plásticos com cocaína (35,3 g), além de outras 39 cápsulas de cocaína (7,2 g).

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