
Tá na onde? é o nome provisório do livro que pretendo escrever a partir de minha experiência como moradora de uma favela no Grajaú. Em 20 de novembro do ano passado deixei minha casa na região central de São Paulo e passei a morar sozinha numa casa de três cômodos, em cima de uma mini-padaria, ao lado de um córrego que faz as vezes de esgoto e lixeira.
Cheguei àquelas quebradas, em maio de 2015, junto como meu colega Luís Adorno, fomos cobrir pela Ponte o assassinato de um jovem pela polícia. Praticamente não saí mais. E por causa de uma entrevista, que contarei em outro post, decidi alugar uma casa e morar um tempo lá. Inicialmente ficaria um mês, depois dois, estou há três. Quando volto? Tento, planejo, mas ainda não sei.
Passei 6 meses frequentando a região quase todos os finais de semana, fazendo amigos, me perdendo em vielas, conquistando a confiança do pessoal da quebrada e me divertindo. Mesmo assim, alugar não foi fácil. Tomei três nãos de proprietários, bem quando eu achava que finalmente havia conseguido. Olhei outras duas, mas eram fora da favela. Eu só queria dentro.
Até que na primeira semana de novembro surgiu uma. Já havia sido apresentada ao dono em outra ocasião e o cara era firmeza. Acontece que o acesso ao imóvel se dá por uma escada caracol estreita e bamba. Quando subi pela primeira vez pensei “vai ser impossível tomar uma e encarar essa escada.” Nada como o tempo… Dentro, outra caracol, tão estreita quanto a de fora, leva ao quarto. É tão apertada, tão apertada que eu, pequena e magra, não consigo subir e descer com uma mochila leve nas costas. Quase desisti. “Como vou subir e descer isso todos os dias? E se eu cair sozinha aqui, sem ninguém para me ajudar? E se eu acordar à noite e quiser fazer xixi?”
Logo percebi que meu medo não era do acesso estreito, meio solto e íngreme, era da mudança aliada a um pouco de frescura minha. Acertei no mesmo dia com o proprietário. Não dá para ficar escolhendo em favela. Apareceu, pega e casa era bem melhor do que eu esperava. Ele deu uma super arrumada no imóvel, pintou, consertou piso, deixou caprichada, como são várias outras casas bem cuidadas da favela.
Marquei a mudança para o feriado, sem me atentar para feliz coincidência que 20 de novembro era o Dia da Consciência Negra. Nas favelas a população é predominantemente negra.
Meu projeto não é um trabalho jornalístico é uma experiência de vida e neste espaço vou antecipar parte do que estará em meu livro, relatar as situações que vivo, apresentar alguns personagens, falar do cotidiano. Vou tentar mostrar a vida por trás da imagem de violência com que a imprensa convencional carimbou as periferias. Também contar alguns perrengues e expor os preconceitos que eu carregava e que só os descobri quando mudei. Olha, isso foi bem dolorido.