Denúncia do MP paulista mostra negociações com pagamentos entre R$ 300 e R$ 50 mil a cada 15 dias ou um mês; policiais do 22º Batalhão alteravam registros de ocorrência
Os 54 policiais militares do 22º Batalhão (zona sul de SP) presos na Operação Ubirajara trabalhavam para uma quadrilha ligada a Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, o maior traficante de drogas do País. Fuminho é o braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado pelo MPE (Ministério Público Estadual) como o líder máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Os PMs foram presos e denunciados à Justiça por envolvimento com a maior facção criminosa do Brasil. Segundo a denúncia, eles praticaram crimes para favorecer o PCC, permitindo assim o tráfico de drogas em toda a região patrulhada pelo 22º Batalhão.
Os policiais militares são acusados pelos crimes de concussão, corrupção passiva, falsidade ideológica, violação de sigilo funcional e também associação ao tráfico de drogas.
O MPE apurou que os PMs exigiam dos traficantes pagamentos periódicos – semanal ou quinzenal – para não reprimir o tráfico de drogas. Os pagamentos eram feitos de acordo com a patente dos policiais e variavam de R$ 300,00 a R$ 50.000,00.
Uma das provas da cooperação dos 54 PMs com a quadrilha de Fuminho foi a prisão de um subordinado dele, identificado como Sandro Gomes da Silva, 44 anos.
Segundo a denúncia do MPE, em fevereiro de 2018, os PMs Rafael Dias do Nascimento Vieira e Fellipe Vidolim Cinti prenderam Sandro com grande quantidade de drogas em uma casa perto da Rua Ana Maria com rua Bruno Thaut, na Vila Ubirajara, que deu nome à operação policial.
Ainda segundo a denúncia, os PMs exigiram de Sandro R$ 10.000,00 para não apresentá-lo como traficante na delegacia da Polícia Civil do bairro. O MPE apurou que os policiais militares mudaram a versão dos fatos na delegacia, quando apresentaram a ocorrência. Sandro não foi indiciado por tráfico e acabou solto.
Os PMs envolvidos nas acusações não sabiam, mas já eram investigados, assim como os traficantes da região. No dia 8 de fevereiro de 2018, Sandro foi fotografado em uma diligência quando estava em uma bicicleta com um menor na garupa. Na sequência apareceu o soldado Rafael com seu carro particular. Ele recebeu do adolescente parte da propina exigida.
O telefone de Sandro foi monitorado com autorização judicial. No dia 9 de fevereiro de 2018, uma ligação feita por ele foi interceptada. Sandro diz ao interlocutor que ele estava num barraco quando os PMs chegaram e pegaram R$ 180 mil em mercadorias (drogas) dele.
Diz ainda que foi levado para a delegacia com duas mulheres (uma delas adolescente) e que os PMs mentiram durante a apresentação da ocorrência, afirmando que ele havia sido detido fora de casa. A Ponte Jornalismo conseguiu cópia do Boletim de Ocorrência que comprova esse fato. No registro consta que a droga era da adolescente.
No diálogo, Sandro dá outra prova de ligação com o PCC. Ele diz que vai mandar um “salve” (recado) para Venceslau, ou seja, para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde estava presa a liderança da facção criminosa até aquele momento.
A outra prova que envolve a ligação dos 54 PMs com a quadrilha de Fuminho é o fato de Sandro estar sendo processado junto com ele em uma investigação realizada pelo Denarc (Departamento de Narcóticos). Sandro, Fuminho, outro homem e duas mulheres foram investigados por tráfico de drogas. O processo está em andamento e corre sob segredo de Justiça.
O traficante Sandro foi preso no bairro de Campo Grande, zona sul de São Paulo, em 18 de dezembro do ano passado, durante a deflagração da Operação Ubirajara. Entre os 54 PMs presos e denunciados, 33 são soldados, 13 cabos, sete sargentos e um subtenente. Todos tinham apelido para dificultar possível investigação.
A soldado Graciele da Silva Santos é a única mulher entre os 54 PMs presos. Conversas dela com um traficante identificado como Júlio César de Oliveira, o Revolta, também foram interceptadas com ordem judicial.
Na denúncia feita à Justiça consta que em 23 de junho de 2018, Graciele e o soldado Tiago Lucas Alves estavam em serviço e, fardados, foram com a viatura 22309 a um ponto de venda de drogas perto da rua Conchas, Cidade Ademar. No local, Graciele, a princípio, cobrou a propina de um traficante identificado como Kelvinho. O criminoso pegou o telefone celular, ligou para seu chefe, Revolta, e explicou a situação.
Poucos segundos depois, Kelvinho passou o aparelho para a soldado Graciele. Ela manteve o diálogo com Revolta. Ele então revelou que já havia feito o pagamento da propina ao PM Paraná, apelido do soldado Adajilson Maciano da Silva.
Revolta informa que tinha dado R$ 300,00 para o soldado Adajilson, que estava em férias. Dois dias depois, Graciele e Tiago, ambos novamente em serviço, retornam ao mesmo ponto de venda de drogas e recebem mais R$ 300 dos traficantes.
No diálogo interceptado, a policial militar, sempre falando palavrões e gírias, cobra a propina do traficante:
– Ô caralho, tá tirando caralho?
– Qual que é a fita senhora?
– Filho, já foi conversado essa porra já aí.
– Oxe, qual que é a fita, a caminhada é a seguinte, a senhora iria pegar o do Paraná, não é?
– Meu e do Paraná. Só foi pego o do Paraná.
– O do Paraná eu já mandei. Se a senhora tá andando com ele, a senhora tem de cobrar dele.
Segundo o Ministério Público, Graciele e os soldados Tiago e Adajilson costumavam cobrar, em média, R$ 600 de propina dos traficantes, periodicamente.
O soldado Diego Leriam Pezzoni teve várias ligações com traficantes interceptadas. Ele chegou a conversar com um criminoso identificado como Gerrilha e pediu R$ 50 mil para não prender um homem que havia sido abordado com fuzil e munição. Depois de algumas negociações, o valor caiu para R$ 4 mil. Segundo o ministério Público, Pezzoni dividiu o dinheiro com a equipe dele.
A Ponte Jornalismo não conseguiu contato com os advogados dos acusados. Também solicitou entrevista com o promotor responsável pela investigação, mas não recebemos resposta até a publicação deste reportagem.
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