Técnico de blindagem Edson Silva e motoboys Leonardo Vieira e Kauan Gregorio foram acusados por crime após polícia perseguí-los por estarem em moto sem capacete na zona sul de São Paulo; familiares afirmam que eles são inocentes
A rotina de três famílias virou do avesso no dia 10 de setembro, quando três amigos que afirmam que voltavam de um baile funk na comunidade de Heliópolis acabaram presos sob a acusação de terem praticado um roubo de carro contra um casal na Avenida do Cursino, na região da Vila da Saúde, na zona sul da capital paulista.
O técnico de blindagem Edson Souza da Silva Junior, de 23 anos, e os motoboys Kauan Cristhyan Gregorio da Silva, 20, e Leonardo Silva Vieira, 25, se conhecem desde pequenos e tinham saído juntos para a festa na noite do dia 9 de setembro. “Meu irmão saiu de carro no dia com os dois amigos e, quando foi por volta das 6h30 da manhã [do dia seguinte], ele se deparou que perdeu a chave do carro”, conta a consultora de vendas Natasha Alves da Silva, 24, irmã de Edson.
“E como eles estavam bêbados, eles não sabiam a consequência, sendo bem sincera. Um deles falou ‘vamos que eu te levo para a sua casa para você pegar a chave reserva'”, prossegue. Na Avenida Tancredo Neves, os três estavam numa moto prata conduzida por Leonardo.
Natasha conseguiu obter um vídeo gravado por Kauan em que o trio aparece sem capacete, fazendo caretas e gestos com as mãos, em uma moto prata. Em determinado momento, Kauan olha para trás e parece se assustar. É possível ver uma viatura da Polícia Militar com a sirene acionada e Leonardo parece acelerar o veículo. A filmagem se encerra. Nele, é possível ver que Kauan tem cavanhaque, cabelo castanho com luzes loiras, veste camisa branca com estampa vermelha e calça jeans azul. Edson está de boné azul com detalhe em branco, blusa azul escuro com listra lateral em tom de azul mais claro e calça jeans azul. Leonardo está com um conjunto de blusa e calça pretas com listras laterais em vermelho, capuz preto sobre boné branco. Ele também usa cavanhaque.
“Eles ficaram com tanto medo por conta da infração que eles estavam cometendo que o menino que estava no piloto simplesmente começou a acelerar e a polícia passou a perseguir”, diz ela. “Eles foram abordados e relataram que apanharam, ficaram uma hora com a cara no chão com os policiais batendo”, denuncia.
De acordo com o boletim de ocorrência, por volta das 6h30 uma pessoa parou a viatura em que estavam os policiais Bruno Matos dos Santos e Gabriela Lopes Rosa, do 3º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M), e avisou que tinha presenciado um roubo “praticado por indivíduos em duas motocicletas que estariam abordando um veículo Civic de cor preta”. No registro digitalizado no site do Tribunal de Justiça (TJSP), não é informado o endereço do roubo, apenas onde os jovens foram detidos. O boletim de ocorrência foi corrigido na cópia obtida por Natasha como sendo o local do crime a Avenida do Cursino, na altura do número 1864.
Quando os PMs Santos e Rosa estavam conversando com esse transeunte, segundo eles, passaram duas motocicletas em alta velocidade, sendo “uma tripulada por um indivíduo e a outra com dois” seguidos por um carro de cor preta. A dupla afirma que deu voz de parada e emitiu sinais luminosos e sonoros que foram ignorados e, a partir daí, iniciou-se uma perseguição. Na altura da Avenida Nazaré, os PMs informaram que o Civic e as motos tomaram caminhos diferentes e, por isso, decidiram ir atrás de quem conduzia o carro roubado.
Os policiais Ewerton Raposo Ferreira e Lara da Conceição Izaias, do 46º BPM/M, receberam via rádio a informação e “as características das motocicletas em fuga e de seus tripulantes”. Nos depoimentos, não são descritas essas características. Ferreira e Izaias afirmam que se depararam com Edson, Kauan e Leonardo em uma única moto com a placa coberta por um papelão na Rua Malvino Ferrara Samarone. Segundo os PMs, a perseguição terminou quando o trio bateu em um veículo na Rua Eugênio Falk, onde foram detidos. Com eles não havia objetos ilícitos nem bens das vítimas.
Já a outra dupla de policiais localizou o Civic preto na Rua Dezesseis de Dezembro, dentro da comunidade de Heliópolis, para onde a pessoa que dirigia o carro conseguiu fugir.
Os depoimentos das vítimas, um homem e uma mulher, são um pouco confusos e não fica claro se o assalto foi cometido por três ou quatro pessoas, considerando também as versões dos policiais. O casal estava dentro do Honda Civic preto, parado em um semáforo na Avenida do Cursino. O homem disse que “foi surpreendido por um indivíduo que, tripulando uma motocicleta, fechou seu veiculo e, com arma de fogo em mãos (um revólver prata), anunciou o assalto”, mandou descer do veículo e entregar seus bens.
Ele afirma que, ao sair do carro, “percebeu que havia outra motocicleta com outros indivíduos abordando sua esposa que já estaria do lado de fora do veículo passando aos bandidos seus anéis e pulseiras”. Ele não detalha quantos eram os homens. Em seguida, a vítima entrou numa lanchonete, que fica em frente ao local, ligou para a polícia e descreveu as características dos assaltantes e das motocicletas. Contudo, no depoimento, não foi mencionado como esses detalhes foram passados, já que nos depoimentos não constam as cores ou modelos das motos dos suspeitos.
No 26º DP (Sacomã), ele foi perguntado se teria condições de reconhecer os criminosos e o homem disse que reconhecria apenas aquele que o abordou, descrevendo-o como “indivíduo de cabelos castanhos escuros, pele parda, aparentemente jovem entre 20 e 25 anos, trajando camisa com detalhes em vermelho”.
A esposa dele confirmou que o companheiro foi surpreendido por um homem em uma motocicleta que estava armado, mas disse que havia um outro homem na garupa que a abordou, ordenando que ela descesse do veículo e entregasse as joias. Enquanto estava sendo abordada, disse que uma outra moto chegou “e um segundo indivíduo passou a puxar seu cabelo, dizendo que ela iria ficar com eles, fazendo-a implorar para que fosse liberada”.
A mulher também foi questionada se conseguiria reconhecer os assaltantes. Ela disse que poderia reconhecer os dois que a abordaram, descrevendo-os como “o que desceu da garupa da motocicleta teria olhos mais claros, cor de pele bem morena, e parecia ser bem jovem, de 20 e poucos anos, por volta de 1,70m. Ele trajava camiseta branca. O que chegou posteriormente era o mais alto, por volta de 1,75/1,80 [de altura], cor de pele parda e também parecia ser bem jovem”. O casal não informa se os suspeitos estavam ou não utilizando capacetes.
No auto de reconhecimento, Edson, Kauan e Leonardo, que têm características diferentes entre si, foram colocados juntos. O casal apontou que reconheceu os três, mas no documento não está especificado quem seria o correspondente a cada descrição. As características dos suspeitos não estavam descritas nesse documento, só nos depoimentos separados. Também não há fotos legíveis dos rapazes, já que as imagens que foram anexadas ao inquérito não mostram o rosto de cada um. Uma está pixelada e as outras duas não carregaram quando a pessoa que anexou as fotos as baixou.
Nos depoimentos, os jovens afirmam a versão contada por Natasha. Nos documentos, é indicado que eles negaram agressões. Porém, na audiência de custódia, consta que “Leonardo alegou que foi agredido com chute no braço. Kauan e Edson alegaram que sofreram um ‘pisão nas costas'” pelos policiais.
Os batalhões em questão que os policiais integram fazem parte do Comando de Policiamento da Capital, ou seja, estão cobertos pelo programa de câmeras da corporação, mas em nenhum momento é citado se os PMs usavam o equipamento nem o delegado, o Ministério Público (MPSP) ou o judiciário solicitaram possíveis imagens.
A juíza Juliana Pires Zanatta Cherubim, que atuou na audiência, determinou que fossem realizados exames de corpo de delito nos três para averiguar a compatibilidade das lesões para serem encaminhados à Corregedoria da PM, ao MPSP e ao tribunal.
A perícia identificou lesões leves em Kauan no cotovelo direito, no quadril direito, no joelho direito e na região escapular direita (pouco abaixo do ombro, na região do tronco, sobre as costelas). Em Leonardo, foram identificadas lesões leves no punho direito e no joelho direito. Já em Edson, uma lesão leve no joelho direito. Os laudos não continham fotos nem croqui de indicação das escoriações.
A magistrada converteu a prisão em flagrante em preventiva (por tempo indeterminado) ao entender que o artigo 226 do Código de Processo Penal, que estabelece que a vítima ou testemunha descreva as características físicas do suspeito para depois serem mostradas fotos ou pessoas que sejam semelhantes para que ela reconheça, é uma recomendação. ao citar uma decisão de 2013.
Ela argumenta que o trio deve permanecer recluso por conta da gravidade do crime imputado e para resguardar a custódia da apuração, uma vez que “demanda reconhecimento pessoal em audiência” a ser realizado pelas vítimas. A juíza também considerou que Kauan e Leonardo têm antecedentes e estavam em liberdade condicional.
Especialistas apontam inconsistências no reconhecimento
O delegado Savigny Gonçalves da Silva, que atendeu a ocorrência no 26º DP, concluiu a investigação no mesmo dia indiciando o trio por roubo majorado (com agravantes de concurso de agentes, que é quando o crime é cometido por duas pessoas ou mais, e emprego de arma de fogo, o que pode aumentar a pena). Leonardo também foi indiciado por adulteração de veículo, por conta da placa da sua moto estar coberta.
A promotora Claudia Aparecida Jeck Garcia Nunes de Souza seguiu o entendimento do delegado e denunciou os três por roubo majorado. A acusação foi aceita pela juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge, em 15 de setembro, que marcou a primeira audiência do caso para 19 de outubro. Ela negou o pedido de liberdade provisória que foi feita pelo advogado de Edson.
Especialistas ouvidos pela Ponte apontaram problemas no processo de reconhecimento por não ter seguido os parâmetros do artigo 226 do Código de Processo Penal. Colocar pessoas de perfis diferentes ou dar qualquer tipo de informação prévia sobre pessoas que tenham sido presas são exemplos que induzem e contaminam o reconhecimento.
“O que é mais evidente aqui de descumprimento do artigo 226 é que os três rapazes foram colocados juntos. E não consta, em nenhum momento, se eles foram colocados com outras pessoas parecidas com eles”, analisa Fernanda Peron, advogada e apoiadora da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio.
No caso, se foram três assaltantes e três rapazes foram exibidos para as vítimas reconhecerem, Peron avalia que houve uma prática de show up (quando a testemunha acaba sendo induzida por uma única sugestão e pode gerar uma falsa memória), que pode gerar indução. “Tudo isso deixa o reconhecimento muito inseguro. E aí não é nem minha opinião. O STJ já tem vários entendimentos nesse sentido, de que o reconhecimento feito à revelia do artigo 226 na delegacia não pode ser aproveitado como única prova”, aponta ao citar decisões do Superior Tribunal de Justiça a respeito de condenações que tiveram apenas como prova um reconhecimento irregular.
Ela também destaca as diretrizes da Resolução nº 484, de 19 de dezembro de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criada com o objetivo de evitar prisões e condenações de inocentes por erros no procedimento. “O reconhecimento é uma prova irrepetível. Isso quer dizer que um reconhecimento feito fora dos termos da lei, no começo, não pode ser refeito”, explica. “É muito comum que em um reconhecimento feito sem uma série de requisitos que protejam a idoneidade da memória aconteçam erros”.
O advogado criminalista Guilherme Suguimori Santos concorda. “Um problema recorrente do judiciário brasileiro é o excesso de credibilidade dado ao reconhecimento das vítimas”, afirma. Ele identifica que já existe dúvida nos reconhecimentos uma vez que o homem disse poder reconhecer uma pessoa e a esposa, duas, nos depoimentos, mas no auto de reconhecimento é declarado que o casal reconheceu os três.
Suguimori aponta que a decisão recente do ministro Luís Roberto Barroso de que o artigo 226 é uma recomendação indica o entendimento de que um processo não pode ser anulado por um reconhecimento falho, “mas não muda em nada a orientação da jurisprudência de que o reconhecimento é uma prova muito falha e que essas normas dos processo penal servem para minimamente diminuir a margem de erro se você pega um caso como esse, que é dúbio”.
Os advogados explicam que seria preciso analisar um conjunto de provas para determinar a culpabilidade, uma vez que a narrativa como está descrita no inquérito é confusa. Peron destaca, por exemplo, as gravações do chamado do casal à PM e da própria comunicação entre os policiais que podem ser solicitados, já que os registros da Polícia Civil não descrevem de que maneira aconteceu a passagem de informações. “No primeiro momento em que os primeiros policiais irradiaram a informação, pode ser que lá tenha alguma descrição que bata ou que não bata com os rapazes”, explica.
Em meio a tudo isso, Natasha, irmã de Edson, tem se dedicado a pedir imagens de estabelecimentos da Avenida do Cursino, algo que o nem delegado nem a promotora requisitaram. Uma delas, na altura do número 1623, aparece o Honda Civic preto atrás de dois motociclistas, que usam capacetes: um utiliza uma jaqueta marrom, parece usar uma camisa branca por baixo e calça jeans. O outro está com blusa e calça preta com listras laterais que parecem ser brancas.
“O que eu realmente mais quero é é provar a inocência dele”, diz ela. “Ele de fato não estava no roubo porque ele não pratica esse tipo de coisa. Ele trabalhava registrado, o salário dele era de três mil e pouco. Ele tem o carrinho dele, tem a moto dele, mas tudo fruto do suor porque desde os 14 anos que ele trabalha. Uma vez ele abriu um lava-rápido na garagem da minha mãe, super esforçado”, conta a irmã.
Natasha afirma que Edson é o único homem na família, já que não tiveram pai presente, e que ele sempre foi o alicerce da família. “O objetivo dele é abrir a empresa dele, comprar uma casa para minha mãe, porque ela se formou em fisioterapia faz pouco tempo e está desempregada. E ele era quem ajudava a minha mãe, a minha avó”, lamenta. “Todo o dia a gente acorda em estado de choque porque ele sempre foi muito parceiro”.
No caso de Leonardo, a companheira dele, Luana Aparecida da Silva Ribeiro, 22, deu à luz o primeiro filho do casal quatro dias depois que foi preso. “Eu não tenho nem notícias dele, ele nem conseguiu ver o neném”, lamenta.
A moto que ele dirigia lhe pertencia e estava regular. Ela aponta que, nos últimos meses, ele a utilizava para fazer entregas. “Ele trabalhava num restaurante de dia e à noite numa pizzaria. Agora estou tendo que contar com a ajuda da minha família, da família dele, porque eu fiz cesárea e, por causa dos pontos, ainda não posso voltar a trabalhar.”
A auxiliar de limpeza Ariane Gregório de Freitas, 36, mãe de Kauan, aponta que o filho costuma passar os finais de semana com o pai, já que ela mora em Diadema, na Grande São Paulo, e também trabalhava como entregador. “Ele trabalhava desde que saiu [em condicional], tem seis meses”, afirma. “Minha família está destruída. A gente está aqui todos os dias rezando, torcendo para que a justiça seja feita, porque, infelizmente, eles tão sendo culpados por uma coisa que não fizeram”, lamenta.
Pelas redes sociais, Kauan e Leonardo costumavam gravar vídeos fazendo manobras com motocicletas sem identificação de placa, o chamado “dar grau” de moto. Para as familiares dos três rapazes, eles se assustaram com a aproximação da polícia por causa dessa infração. “Eu acho que no momento do desespero, que estavam três na moto, sem capacete, acabaram tentando fugir da polícia”, afirma.
À Ponte, o advogado de Edson, Julio Cobos, disse que entrou com pedido de liberdade provisória e que também solicitaria imagens de câmeras de segurança e das fardas dos policiais.
O que diz a polícia
A Ponte solicitou entrevista com o delegado e com os policiais militares que participaram da ocorrência, além de fazer os seguintes questionamentos que não foram respondidos pela Fator F, assessoria terceirizada da Secretaria de Segurança Pública:
– Considerando que os batalhões dos policiais militares envolvidos integram o Comando de Policiamento da Capital, que está todo coberto pelo programa de câmeras nas fardas, por que os registros da Polícia Civil não fazem menção sobre uso de equipamentos?
– Por que o delegado não solicitou as imagens da abordagem?
– Por que o delegado não solicitou diligências, como busca de câmeras de monitoramento nas vias onde o roubo aconteceu? Em anexo, constam filmagens na Avenida do Cursino levantadas por familiares dos rapazes presos que indicariam outros motociclistas que perseguiam o Honda Civic preto. Ou, ainda, realização de perícia no veículo que foi encontrado posteriormente?
– O auto de reconhecimento pessoal também não segue as diretrizes da Resolução nº 484, de 19 de dezembro de 2022, do CNJ. O documento não especifica quais das descrições individualmente seriam condizentes com cada um dos rapazes, as fotos anexadas ao inquérito são ilegíveis (fls. 59, 60 e 61 dos autos), os três foram colocados para reconhecimento apesar de terem características diferentes entre si, não há termo que especifique o grau de confiança no reconhecimento das vítimas nem a apresentação de outras pessoas com descrições semelhantes. Por quê?
– Tanto o BO quanto os termos de depoimentos de Edson, Kauan e Leonardo apontam que eles negaram agressão policial. Contudo, na audiência de custódia, consta que “Leonardo alegou que foi agredido com chute no braço. Kauan e Edson alegaram que sofreram uma ‘pisão nas costas'”. Laudos do IML apontaram escoriações nos três, mas não há fotos nem conclusão se a causa foi a colisão da moto em que estavam ou se foi decorrente de supostas agressões. Que medidas a Corregedoria da PM tomou em relação a esse caso? E em quais condições, na delegacia, o trio negou que tenha sido agredido?
O que diz o Ministério Público
A reportagem também solicitou entrevista e enviou os seguintes questionamentos aos promotores que atuaram na audiência de custódia e na autoria da acusação, mas não tivemos retorno da assessoria:
– Considerando que os batalhões dos policiais militares envolvidos integram o Comando de Policiamento da Capital, que está todo coberto pelo programa de câmeras nas fardas, por que o MP não questionou que os registros da Polícia Civil não fazem menção sobre uso de equipamentos?
– Por que os promotores não solicitaram as imagens da abordagem?
– Por que a promotora não solicitou diligências, como busca de câmeras de monitoramento nas vias onde o roubo aconteceu? Em anexo, constam filmagens na Avenida do Cursino levantadas por familiares dos rapazes presos que indicariam outros motociclistas que perseguiam o Honda Civic preto. Ou, ainda, realização de perícia no veículo que foi encontrado posteriormente?
– O auto de reconhecimento pessoal também não segue as diretrizes da Resolução nº 484, de 19 de dezembro de 2022, do CNJ. O documento não especifica quais das descrições individualmente seriam condizentes com cada um dos rapazes, as fotos anexadas ao inquérito são ilegíveis (fls. 59, 60 e 61 dos autos), os três foram colocados para reconhecimento apesar de terem características diferentes entre si, não há termo que especifique o grau de confiança no reconhecimento das vítimas nem a apresentação de outras pessoas com descrições semelhantes. Por que os promotores não contestaram?
– Tanto o BO quanto os termos de depoimentos de Edson, Kauan e Leonardo apontam que eles negaram agressão policial. Contudo, na audiência de custódia, consta que “Leonardo alegou que foi agredido com chute no braço. Kauan e Edson alegaram que sofreram uma ‘pisão nas costas'”. Laudos do IML apontaram escoriações nos três, mas não há fotos nem conclusão se a causa foi a colisão da moto em que estavam ou se foi decorrente de supostas agressões. Por que os promotores, ainda assim, não pediram as imagens de câmeras nas fardas?
O que diz o TJSP
A Ponte também solicitou entrevista com a juiza Juliana Pires Zanatta Cherubim, que atuou na audiência de custódia, e questionou os motivos de a magistrada não ter solicitado as imagens de câmeras das fardas dos policiais, caso estivessem utilizando, já que os rapazes denunciaram agressões, além de não ter contestado o reconhecimento que não seguiu as diretrizes do CNJ. A assessoria do tribunal encaminhou a seguinte nota:
Os magistrados não podem se manifestar sobre processos em andamento, pois são impedidos pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman):
“Art. 36 (Loman) – É vedado ao magistrado:
III – manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.”
Além disso, o Tribunal de Justiça não emite nota sobre questões jurisdicionais. Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente.