Três meses sem respostas: familiares contam as dores após morte de Lucas, 14 anos

    Avó e tias se juntaram a movimentos sociais em frente ao Fórum de Santo André cobrando que caso não fique impune

    Familiares e ativistas protestam em frente ao Fórum de Santo André
    | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    Falta de apetite, perda de peso, insônia, angústia e ansiedade. Todas essas situações estão presentes no cotidiano da família de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, três meses após o menino sumir na favela em que morava e seu corpo ser encontrado boiando num lago. O triste enredo se passa na cidade de Santo André, na Grande São Paulo, desde o dia 13 de novembro do ano passado.

    Inconformados com a falta de informações sobre as investigações tocadas pelas polícias Civil e Militar, familiares do menino, amigos da comunidade e integrantes de movimentos sociais se reuniram na manhã desta quinta-feira 13/1 em frente ao fórum da cidade cobrando respostas. A principal: Quem matou Lucas?

    O adolescente desapareceu nas primeiras horas do dia 13 de novembro após uma abordagem policial, segundo familiares. Naquela data, o menino havia deixado sua casa para comprar um refrigerante Dolly e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André, local em que residia com a mãe, um irmão mais velho e a cunhada.

    O corpo do estudante do Ensino Fundamental foi encontrado no dia 15 de novembro em um lago no Parque Natural Municipal Pedroso, a cerca de 10 quilômetros do local do desaparecimento. No entanto, devido ao estado do corpo ao ser encontrado, o exame de DNA que confirmou sua identidade ficou pronto apenas no dia 28 do mesmo mês.

    Passados exatos três meses, o caso segue sem solução. Um IPM (Inquérito Policial Militar) que investiga os policiais militares Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, ambos do 41º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), segue em andamento, em paralelo às investigações do Setor de Homicídios de Santo André, chefiado pela Polícia Civil. O processo corre em segredo de Justiça.

    A Ponte acompanhou o ato em frente ao poder judiciário, localizado no Paço Municipal de Santo André, e que durou três horas. A todo momento, a palavra Justiça era gritada pelos manifestantes. Um megafone foi usado para que às vozes chegassem a ecoar aos quatro cantos.

    Protesto durou cerca de três horas em frente ao fórum | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    “Os assassinos do Lucas estão soltos e a mãe dele está presa. Onde estão os assassinos do Lucas? Ele foi arrancado da comunidade onde nasceu e cresceu. Ele não era um bandido”, disse uma tia do menino, Isabel Daniela dos Santos, 34 anos.

    A mulher, que contou a reportagem da Ponte ter perdido 11 quilos desde o ocorrido e estar com anemia, também afirmou que a violência contra o sobrinho fez com que seu filho de 13 anos tenha medo de ir e voltar da escola sozinho.

    Outra tia de Lucas que estava no ato, a dona de casa Cicera dos Santos, 43 anos, afirmou que não consegue se alimentar direito e que  a maior tristeza é saber que o caso pode ficar impune. “Tortura. A gente não tem resposta e não sabe como está indo a (investigação) e nem onde vai parar”, lamentou.

    Avó de Lucas, Maria do Carmo, mostra os medicamentos que sua filha toma na penitenciária | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    Ela ainda cita deboches de policiais militares ao abordarem moradores da Favela do Amor. “Cada um que passa na favela eles falam do Lucas. Você também vai comprar suco e bolacha?”, contou.

    Entre as cerca de 50 pessoas que participaram do ato a visivelmente mais emocionada era a avó de Lucas. Pernambucana de Garanhuns, Maria do Carmo Martins dos Santos, 66, chorou por diversos momentos.

    Mesmo sem usar o megafone, era dela uma das vozes mais fortes no pedido justiça. “Esses três meses têm sido péssimos. Estamos muito machucados com isso. Dá uma amargura a falta de respostas”, afirmou.

    Paralelo ao caso Lucas, Maria do Carmo também está preocupada com a saúde de sua filha e mãe do menino, Maria Marques Martins dos Santos, 39, que está presa na Penitenciária Feminina de Sant’ana, na zona norte da capital, em cumprimento de pena de cinco anos por tráfico de drogas. Maria Marques foi presa em novembro do ano passado quando foi prestar depoimento sobre o sumiço do filho.

    “Ela vive a base de remédios. Na visita ela me pergunta do Lucas, se ele está comendo, se está bem. Ela está muito agitada, não consegue ficar parada. Ganhou até apelido de bailarina e ligeirinha das outras presas”, completou Maria, segurando papel com todos os medicamentos diários dados pelos agentes penitenciários à sua filha caçula.

    Entre os movimentos sociais presentes estava a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, que assim como a Ponte acompanha o caso de Lucas Eduardo desde o início. “Na verdade, o que acontece aqui é o que aconteceu em Paraisópolis. A população que é vítima de um Estado genocida se torna réu”, afirmou a articuladora da Rede Marisa Feffermann.

    Para o ex-ouvidor da polícia Benedito Domingos Mariano, que acompanhou o processo desde seu início, inclusive cobrando o afastamento dos PMs suspeitos, a ausência de provas prejudica as investigações. “Sobre o caso de Lucas, torço para que surjam novas provas, sob pena do caso não ser esclarecido”. A reportagem não conseguiu contato com o novo ouvidor Elizeu Soares Lopes, que assumiu o cargo no dia 7 de fevereiro.

    Outro órgão que cobra punição aos culpados é o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). À Ponte, seu presidente, Dimitri Sales, pontuou que “a situação é bem difícil. Causa muito incômodo porque não há saídas ante a ausência de provas materiais. É uma situação muito angustiante”, completou.

    A ONG Rio de Paz, articuladora de um protesto silencioso na Avenida Paulista em dezembro do ano passado e uma das organizações que acompanha a família, diz esperar a prisão dos responsáveis pela morte do adolescente.

    “O caso precisa ser apurado com todo o rigor, como se esse menino tivesse desaparecido e sido assassinado nos Jardins ou em Moema (bairros nobres da capital)”, afirmou Fernanda Vallim Martos, coordenadora da ONG em São Paulo. “Penso que se o Lucas fosse morador de algum desses bairros jamais seria abordado da forma como o foi na porta de casa e sido encontrado morto nas condições em que foi”, finalizou.

    Procurada, a SSP (Secretaria de Segurança Pública), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos nesta gestão de João Doria (PSDB), informou que a nota enviada para a reportagem em 23 de janeiro “segue sem novidades”. Não houve resposta da InPress, assessoria de imprensa terceirizada da pasta, sobre o pedido de entrevista com os dois policiais militares afastados.

    A nota citada pela pasta afirmava que “o caso segue sendo investigado por meio de inquérito policial instaurado pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Santo André, sob segredo de Justiça”. “A Polícia Militar também segue apurando todas as circunstâncias relativas aos fatos por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). Os dois PMs mencionados seguem afastados do serviço operacional”, garantia a pasta.

    Procurados, o Tribunal de Justiça explicou que “o processo corre em segredo de justiça. Desta forma, não há informações disponíveis”. A Polícia Militar não se pronunciou sobre o desaparecimento e morte de Lucas.

    Atualização às 21h31 do dia 13 de fevereiro para incluir posicionamento do Tribunal de Justiça.

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