Um adolescente morto por mês. É o resultado das operações policiais no RJ

    Operações das polícias em abril mataram 58% a mais em relação ao ano passado, segundo Rede de Observatórios da Segurança; ‘é um projeto de extermínio’, afirma ativista Buba Aguiar

    Quatro dos cinco adolescentes mortos em ações policiais | Foto: Arquivo/Ponte

    Luiz Antônio de Souza Ferreira da Silva e João Pedro Mattos Pinto, ambos com 14 anos. Thiago Santiago da Silva e Estevão Freitas de Souza, os dois aos 17. O que esses jovens têm em comum? Todos morreram em ações policiais no Rio de Janeiro em 2020, segundo os dados do Fogo Cruzado, aplicativo responsável por captar informações de tiroteios ou ações com agentes públicos.

    Luiz, João, Thiago e Estevão são quatro dos cinco adolescentes mortos durante operações de janeiro até maio. O balanço é de um adolescente, com idade de 12 até 17 anos, morto por mês no estado. Fora desta estatística por já ter completado 18 anos, João Vitor da Rocha é outra vítima da PM. Ele morreu durante ação na Cidade de Deus, na tarde de quarta-feira (20/5).

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    A outra vítima, morta no dia 20 de janeiro no Alvorada, Complexo do Alemão, não teve nome nem idade identificados pelo Fogo Cruzado. A morte de Luiz ocorreu no dia 6 de fevereiro, em São João de Meriti, mesma cidade em que, um mês depois, em 8 de março, Thiago morreu baleado. Estevão não resistiu a disparo no dia 24 de abril, na Vila Kennedy, em ação com cinco mortos. Já João Pedro, a vítima mais recente, morreu no último dia 18, em São Gonçalo.

    Levantamento do Fogo Cruzado lista adolescentes mortos e feridos | Foto: Reprodução

    Um outro estudo, este da Rede de Observatórios da Segurança, aponta que as polícias do Rio de Janeiro aumentaram a quantidade de operações e de mortes durante a pandemia do coronavírus, ao contrário do que as primeiras semanas de isolamento indicavam.

    Em abril deste ano, segundo o estudo, o Estado realizou 91 operações policiais, que deixaram 30 mortes. No mesmo período do ano passado, foram 78 operações com 19 mortes — um aumento de 28% na quantidade de incursões e de 58% na de óbitos. Em maio deste ano, somente até o dia 19, foram 82 operações, com 35 mortes. Em todo o mês de maio de 2019, as polícias fizeram 69 operações, que deixaram 30 mortos.

    Uma dessas ações aconteceu no Complexo do Salgueiro, em Duque de Caxias, cidade na região metropolitana do Rio. Na noite do dia 18 de maio, João Pedro brincava dentro de casa com os primos quando atingido por um tiro de fuzil.

    O trabalho era feito em conjunto pelas polícias Civil, do estado, e Federal. Argumentam que cumpriam mandado judicial no combate ao tráfico de drogas, mas ninguém foi preso na ação.

    ‘É um projeto de extermínio

    Os moradores das favelas do Rio entendem que o recado com as operações policiais é claro: “É para a gente recuar”, define Buba Aguiar, ativista e moradora do Complexo do Acari, zona norte da capital.

    Buba critica principalmente o fato de as operações coincidirem com a entrega de cestas básicas em que grupos ajudam moradores atingidos pela crise financeira do coronavírus.

    “Nós estamos fazendo uma atividade, um papel que não é nosso, não deveríamos fazer campanhas par não matar nosso povo. O Estado deveria”, afirma. “Ao mesmo tempo, o Estado impede a ação com o seu braço armado. Vemos que, de fato, é um projeto de extermínio, de dar cabo da nossa vida”.

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    Ao ser informada da pesquisa do Fogo Cruzado, a jovem relata mais um homicídio: a de Rodrigo Cerqueira, 19 anos, no Morro da Providência, também quando ativistas entregavam cestas básicas para moradores, assim como na morte de João Vitor.

    “Precisamos dar os nomes corretos. Não ‘morreu’, foi morto, executado pelo Estado no meio de uma pandemia, na qual as pessoas tem a recomendação de ficar em casa, se preservar. Onde elas estão sendo mortas? Em suas localidades, em sua casa, como o João Pedro”, afirma.

    ‘Os cadáveres são culpa de Witzel’

    Robson Rodrigues, coronel aposentado da Polícia Militar fluminense, explica que o resultado da ação no Salgueiro mostra que não houve o devido preparo prévio.

    “Vamos supor que fosse extremamente necessária a ação. Avaliou-se o custo beneficio? Era aquele o melhor momento? Decidiram e diminuíram os riscos ao máximo? Precisa explicar muito”, diz, sobre a falta de informações do estado em relação ao caso.

    Um ponto que chama a atenção do coronel é o fato dos policiais terem entrado na casa em que João Pedro estava com os primos, que demonstra que “os policias não sabiam onde estavam entrando, nem de quem era a casa”.

    “A polícia, se está procurando criminosos, é para evitar que eles produzam crimes e violência no futuro. O policial não pode ser o promotor dessa violência”, sustenta, criticando a falta de informações à família.

    O pai de João Pedro, seu Neilton, buscou o filho por longas 17 horas até encontrar o corpo do garoto no Instituto Médico Legal, depois de os policiais o levarem baleado em um helicóptero.

    João Pedro morreu enquanto brincava na casa do primo | Foto: Arquivo/Ponte

    “Há uma denotação de que foi um erro ou desespero tentando se esquivar de uma possível responsabilidade. Ou, então, falta brutal de sensibilidade. Existem incongruências na atuação dos policiais. É lamentável”, avalia.

    Para a pesquisadora Jacqueline Muniz, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o resultado de operações como a do Salgueiro evidenciam um estado policial no qual estamos inseridos.

    “Esse caso é da Civil com a Polícia Federal, é interessante. O sujeito vai, pega a onça e põe no quintal para se proteger contra os outros. Depois, tem medo dela comer seu braço. É uma coisa mais ou menos assim aqui com as polícias”, exemplifica.

    Segundo a professora, responsável pela criação do ISP (Instituto de Segurança Pública) do governo estadual, há um excesso de autonomia nas polícias, principalmente na federal.

    Quando ao Rio, critica o fato de Witzel ter extinguido a Secretaria de Segurança Pública, que coordenava os trabalhos das polícias Civil e Militar. “Quando o Wilson Witzel foi andar de helicóptero com plataforma de tiro, passou a ser um soldado da polícia que ele comanda. Retirou a secretaria e fez uma ligação direta.”

    Ela sustenta que essa escolha aumentou a responsabilidade do governador sobre as ações policiais. “Não tem boi na linha, mas tem milícia, interesses corporativistas… É óbvio que ia cair para ele. Se não tem secretaria, todos os cadáveres e erros caem no colo dele”, afirma.

    A Ponte questionou as polícias Civil e Militar do Rio sobre os dados do levantamento e do estudo e aguarda posicionamento.

    Atualização às 22h43 para incluir pedido de nota às polícias.

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