Um em cada quatro adultos de São Paulo já teve Covid-19, aponta levantamento

    2,2 milhões de paulistanos apresentam anticorpos contra doença segundo o Projeto SoroEpi MSP. Incompetência dos governos pode levar a imunidade de rebanho, aponta biólogo

    Paraisópolis é um dos exemplos bem-sucedidos de proteção ao coronavírus | Foto: Gui Christ/National Geographic

    Mais de 26% da população adulta do município de São Paulo já possui
    anticorpos contra o coronavírus: dos 8,4 milhões de pessoas com mais de 18 anos na cidade de São Paulo, 2,2 milhões já foram infectados pelo coronavírus. Esse número chega a 35,8% entre os que têm até o ensino fundamental completo. Os dados são da quarta fase do Monitoramento Covid-19, do Projeto SoroEpi MSP, uma parceria do Instituto Semeia, Grupo Fleury, IBOPE Inteligência e Todos pela Saúde.

    O estudo foi realizado entre 1 e 10 de outubro de 2020 em domicílios paulistanos e analisou 1.129 amostras de sangue de participantes de 152 setores da cidade. Assim como a segunda e terceira fase, foram colhidas informações pessoais como raça, renda familiar e gênero da população, e a atuação dos pesquisadores foi dividida em duas: nas áreas ricas e nas áreas periféricas da cidade.

    Os dados foram divulgados na manhã desta quinta-feira durante coletiva de imprensa online. Participaram da apresentação dos dados o biólogo Fernando Reinach, o infectologista Celso Granato, que também é diretor clínico do Grupo Fleury e pesquisador líder do projeto, a professora Beatriz Tess, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e Marcia Cavallari, CEO do IBOPE Inteligência.

    A população negra e pobre continua sendo a mais infectada pelo vírus. Entre os mais ricos a soroprevalência do vírus, ou seja, detecção de anticorpos que prova que a pessoa teve contato com Covid-19, é de 21,6%, enquanto a população mais pobre tem 30,4%.

    “A soroprevalência continua acontecendo apesar da queda no aumento no número de mortos”, explicou Fernando Reinach. “Apesar da queda das mortes, o vírus não se espalhou da mesma maneira entre toda a população, apenas entre a população mais pobre”, completou o biólogo.

    Em relação ao recorte racial, a soroprevalência entre a população negra é de 35,8% enquanto a população branca é de 20,9%. Em residências com quatro ou mais pessoas a taxa é de 28,8% e para residências de um a três moradores ficou em 22%. O infectologista Celso Granato explica que grande parte das pessoas tiveram a forma leve da infecção.

    Leia também: ‘População mais pobre infectada pelo coronavírus protege os ricos’, aponta biólogo

    Em relação à imunidade de rebanho, conceito de epidemiologia que mostra que o vírus vai se espalhar enquanto ele acha pessoas para se espalhar, tão comentada na pandemia do coronavírus, o biólogo Fernando Reinach explicou que ainda é incerto saber em qual momento ela pode ser atingida.

    “A imunidade de rebanho é definida quando para a contaminação. A vida do vírus fica mais difícil quando chegamos em uma para cada três pessoas, o vírus tem mais dificuldade em se espalhar. A questão em SP é saber quanto é componente da queda de mortalidade. A queda do número de casos pode ser explicada porque as pessoas estão tomando mais cuidado, mas também porque já tem um número suficiente de infectados que pode estar influenciando para essa imunidade de rebanho. Provavelmente é uma mistura das duas coisas: o vírus tem mais dificuldade para circular e as pessoas se protegem mais”, argumentou.

    Gráfico: Antonio Junião / Ponte

    Agora que a cidade está na fase verde, em que mais pessoas podem circular nas ruas, explicou Reinach, pode haver um relaxamento nas medidas preventivas: uso da máscara e distanciamento social. “Na medida em que a gente relaxa, o número de pessoas infectadas pode ir caindo. Com o número alto de pessoas infectadas é mais difícil ter uma subida no número de óbitos. Só acontecerá se tiver um relaxamento total, o que eu acho que não vai acontecer”.

    Papel dos governos na pandemia

    Na coletiva, a professora Beatriz Tess pontuou que não é possível cruzar os dados do monitoramento com os dados levantados pela Prefeitura de São Paulo, porque as questões metodológicas do governo não são públicas. Ela também apontou que o recorte racial e social da contaminação do coronavírus nunca foi uma surpresa para quem atua na saúde pública.

    “Nós, que trabalhamos na área de saúde pública, estamos discutindo o que chamamos de ‘determinante social da saúde’. Essa desigualdade que estamos vendo em relação a exposição e prevalência, considerando escolaridade e raça/cor como indicadores de vulnerabilidade social, ela é esperada. Ninguém pode se espantar com isso. É um assunto complexo, mas que não surpreende. O que muda é que agora colocamos números estimando essa diferença”.

    Por isso, completou, “ter dados confiáveis e todas as medidas serem conhecidas é muito importante para os governantes tomarem as decisões corretas. Esse número é muito importante e essas diferenças tem que ser explicadas e compreendidas”.

    Leia também: População negra e de baixa renda continua sendo a mais atingida pela pandemia, aponta monitoramento

    Para Fernando Reinach, quem cuidou do controle da pandemia foi a própria população, por conta das poucas medidas tomadas pelos governos (municipais, estaduais e federal). “O governo agiu muito pouco e de forma descoordenada. A testagem é quase inexistente se comparar aos parâmetros internacionais. Temos poucas medidas que o governo tá fazendo além das fases de isolamento. Tá na mão das pessoas se elas vão usar máscaras, se elas vão ter distanciamento social, se elas vão lavar as mãos”.

    “No Brasil, o crescimento rápido e as taxas de soroprevalência alta nos coloca na imunidade de rebanho por incompetência. Em outros países é uma política de governo, aqui é porque simplesmente aconteceu, porque não fizemos o suficiente. O governo deveria fazer mais testes, orientar as pessoas para conter, deveria fornecer os meios para a população se proteger”, criticou o biólogo.

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    A professora Beatriz Tess completou: “Só estamos vendo as consequências na pandemia da Covid coisas que já víamos em outras questões na saúde. Na saúde pública, só nos últimos dois meses tivemos algo mais organizado, depois que a Prefeitura contratou laboratórios para ajudar. Na saúde pública sempre vivemos um dilema porque para proteger uma parte da população a gente vulnerabiliza outra parte”.

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