Um mês após morte de Lucas, família cobra resposta do Estado

    Lucas, 14 anos, desapareceu, segundo a família, após abordagem da PM na Grande SP; seu corpo foi encontrado em um lago

    Tia Dalva, Fernanda, da ONG Rio de Paz, e Joyce abrem faixa no Masp, em SP | Foto: Paulo Eduardo Dias/Ponte Jornalismo

    “Nossa vida parou. Daqui para frente nossa família não vai ser mais a mesma”. É assim que a dona de casa Dalva Santos, 48 anos, define os 30 dias do desaparecimento e morte de seu sobrinho Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14. Parentes do menino e vizinhos da Favela do Amor, em Santo André, na Grande São Paulo, onde Lucas vivia, acreditam que a Polícia Militar é a responsável pelo crime.

    Lucas sumiu no dia 13 de novembro após uma abordagem policial, segundo familiares. O corpo dele foi encontrado no dia 15 de novembro em um lago no Parque Natural Municipal Pedroso, em Santo André, mas os exames que confirmariam que se tratava de Lucas só ficaram prontos no dia 28.

    Dalva, junto de sua irmã Cícera Santos, 43, e da vizinha Joyce, 19, estiveram entre a manhã e início da tarde desta sexta-feira (13/12) num ato silencioso no Vão Livre do MASP (Museu de Arte de São Paulo), na Avenida Paulista. O ato simbólico foi organizado pela ONG Rio de Paz e exibiu uma faixa com a frase “Quem matou Lucas? Um mês sem respostas”.

    Pessoas que passavam pela avenida no instante do protesto paravam para olhar as mulheres que vestiam uma camiseta branca com o rosto do menino. Uma senhora chegou a prestar solidariedade e afirmou que reconheceu as mulheres após ter acompanhado todo o caso pela TV. “A polícia deve ter cometido algum engano. Achado que ele era outra pessoa”, disse a autônoma Ana Maria Rodrigues, 50.

    A morte de Lucas ainda segue em investigação. O Inquérito Policial Militar que investiga o caso tem 40 dias para ser concluído, no entanto, pode ser prorrogado por mais 20 dias. Os PMs suspeitos da abordagem Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos foram afastados das ruas. Eles trabalham internamente, mas continuam a receber salário. A dupla pertence à 2a Companhia do 41° BPM/M, com sede no Jardim Santo André.

    A Ouvidoria das Polícias de SP informou que segue apurando as informações.

    Paralelo à morte de Lucas, a família Santos ainda sofre com a prisão da mãe do menino. Maria Marques Martins dos Santos foi presa dias após o sumiço do filho, enquanto prestava depoimento no Setor de Homicídios e Desaparecidos de Santo André. Havia um mandado de prisão de 2017 por tráfico de drogas, crime que ela nega ter cometido.

    Presa na capital, ela ainda não recebeu visita das irmãs. Um ato está sendo preparado para o próximo domingo (15/12), na Favela do Amor, na Vila Luzita, em Santo André, local em que morava com os filhos, para que possam ser arrecadados produtos de higiene para a mulher, que cumpre pena de cinco anos num presídio feminino, na zona norte da capital.

    “Minha mãe [avó de Lucas] chora todos os dias. Ela fala, minha filha vai morrer na cadeia. Solta minha filha, põe uma tornozeleira nela. Ela não vai fugir”, explica Dalva. A tia de Lucas ainda conta que a mãe está a base de medicamentos e toma calmante todos os dias para dormir.

    Além da dor pela morte do menino, a prisão de Maria Marques e a angústia em saber quem foram os responsáveis pelo crime, a família ainda tem que lidar com o medo.

    Isabel Daniela dos Santos, 34, uma das tias de Lucas, e que esteve em todas as manifestações cobrando desde o paradeiro do menino até justiça após seu sepultamento, teve que deixar a Favela do Amor com seus filhos e marido. Vizinhos contaram que viram carros com vidros escuros rondando a casa e pessoas estranhas da comunidade no portão, o que motivou a saída.

    “Natal para nós não vai ter. O divertimento será só para os pequenos, que não entendem nada e esperam os presentes. A gente está revoltada com o caso do Lucas e da Maria. Eu nem sei mais que pensar”, diz Cícera.

    Segundo a coordenadora da ONG Rio de Paz em São Paulo Fernanda Vallim Martos, é imprescindível a entrada do Ministério Público na apuração. “É um caso emblemático de desaparecimento forçado. Gravíssimo. O Ministério Público precisa entrar nesse caso. O sumiço de um adolescente, com suposta participação da polícia, deveria ser tomado por inadmissível pela sociedade. Nós aguardamos a solução. Estamos esperando uma reunião no Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana). É inadmissível que 51 anos depois do AI-5 esse tipo de prática de desaparecimento forçado e esculacho na periferia continue vigente no Brasil”.

    Procurada, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) informou que os laudos periciais foram concluídos e encaminhados para análise da autoridade policial. “As investigações seguem pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa de Santo André e por IPM da Polícia Militar, sob sigilo judicial, após determinação da Comarca do município”, diz nota.

    Desaparecimento e morte

    Lucas Eduardo Martins dos Santos sumiu nas primeiras horas da madrugada do dia 13 de novembro, uma quarta-feira, ao sair de sua casa para comprar um refrigerante Dolly e um pacote de bolachas, após quebrar o seu cofrinho onde juntava moedas. Segundo seus familiares, o adolescente sumiu no trajeto da volta da quitanda para casa, quando foi abordado por policiais militares.

    O corpo de Lucas foi encontrado na manhã do dia 15/11 boiando num lago do Parque Natural Municipal do Pedroso, também em Santo André. No entanto, por conta de divergências no reconhecimento, Lucas só teve o corpo liberado em 28/11, quando o laudo do DNA foi concluído. De acordo com o atestado de óbito, o jovem morreu vítima de afogamento, o que é refutado pela família que, através de fotos tiradas do corpo ainda no parque, alegam que o menino foi espancado e lançado ainda vivo no lago. O jovem foi sepultado no dia 30 de novembro no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, na Vila Curuçá, na mesma cidade.

    Homenagem no muro

    O grafiteiro Rodrigo Smul decidiu homenagear Lucas e desenhou o rosto dele no muro externo da Escola Estadual Antônio Adib Chammas, que fica próxima da favela. A arte foi feita nesta sexta-feira, quando o sumiço de Lucas completa um mês.

    Rodrigo Smul em ação | Foto: arquivo pessoal

    O local escolhido é especial porque foi atrás dessa escola, numa área de mata, que um morador em situação de rua achou e pegou uma blusa do menino. Essa foi a pista inicial na busca por Lucas. O homem chegou a relatar que viu policiais no local, que mandaram ele sair. Foi no local que a família também encontrou o boné de Lucas.

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