Tráfico de drogas, facções, encarceramento feminino e superlotação nos presídios brasileiros foram temas discutidos em SP
“Ao ser usada como uma forma de se vingar do criminoso, a prisão acaba sendo a opção menos inteligente que o Estado pode tomar como medida punitiva”, afirmou o juiz da Vara de Execução Penal do Amazonas, Luís Carlos Valois, durante evento na zona leste de São Paulo que reuniu, na noite desta quinta-feira (16/02), especialistas para debater o sistema carcerário. O juiz ficou conhecido nacionalmente por negociar o fim da rebelião sangrenta, que terminou com 56 mortos, em Manaus no início deste ano.
Para o magistrado, o ódio sentido pelas vítimas não pode mover o Estado. “No Amazonas, paga-se R$ 5 mil por cada preso. Olha que absurdo: ele rouba um Motorola, de R$ 500, e é gasto com ele o valor de um iPhone por mês”.
“Nós temos um sistema penitenciário ilegal, já que não existe educação, saúde, cultura adequada. Por isso não dá para se falar de solução para o sistema penitenciário que não segue o que a própria lei manda”, disse Valois.
“É um terror imaginar que aquilo que eu vi também está dentro da gente”
Guerra às drogas
A política de combate às drogas no Brasil também foi colocada pelos palestrantes e pelos integrantes de movimentos de direitos humanos e desencarceramento presentes no evento como um dos principais problemas da superlotação dos presídios no Brasil.
A advogada Dina Alves, especialista em cárcere feminino, disse que em sua tese de mestrado sobre prisão de mulheres negras, detectou como o tráfico de drogas é o grande argumento para as prisões de mulheres.
De acordo com a advogada, as detentas que acompanhou tinham um mesmo perfil. “São negras, pobres, da periferia; quase todas jovens, uma de 70 anos e banguela”.
Dina passou oito meses fazendo visitas em presídios femininos e ressaltou que a imensa maioria das presas não é traficante, como a Justiça aponta.
“Muitas mulheres eram usuárias e foram pegas com pequena quantidade de drogas, outras tiveram a casa invadida e foram presas por se relacionarem com ditos traficantes”, afirma.
Ainda sobre a política de combate às drogas, Valois falou sobre a contradição do Estado nas ações que promove. O juiz explica que, para acontecer as prisões, algum “bem jurídico” deve ter sido tirado. Como exemplo, Valois citou que, em roubos e furtos, o bem jurídico é o objeto levado; em homicídios, é a vida; e, no caso do tráfico de drogas, é a saúde pública.
“Ele vai preso por prejudicar à saúde pública, mas mora em um lugar sem saneamento básico e vai para a prisão, que é suja, cheia de baratas, e oferece grande risco à saúde”, disse o magistrado.
Facções
O encontro também tratou das presenças das facções criminosas dentro dos presídios do país inteiro.
Outro integrante da mesa, o jornalista Fausto Salvadori, da Ponte Jornalismo, tratando especialmente o sistema carcerário de São Paulo, acredita que “o governo estadual permitiu” a criação da facção PCC (Primeiro Comando da Capital), por ser mais “cômodo” entregar o controle dos presídios para um grupo criminoso.
O jornalista ressaltou, entretanto, que não houve melhora nas condições dos presos com a expansão das facções, apenas a diminuição do número de rebeliões por causa do controle do PCC.
A advogada Dina acredita ainda que “o Estado é a maior facção criminosa que existe, com mais armamento, presente em mais lugares, com mais informações”.
O evento durou cerca de três horas e acabou por volta das 22h30. O juiz Valois participará de uma série de eventos em São Paulo neste fim de semana (18 e 19/2).