Especialistas analisaram os principais pontos dos planos de governo dos postulantes ao Palácio dos Bandeirantes na área, que vão de fim da PM a revisão das câmeras nas fardas
O futuro governador do estado de São Paulo terá a missão de comandar uma tropa de aproximadamente 80 mil policiais militares e 30 mil policiais civis. Além disso, o estado conta com a maior população carcerária do Brasil, país que é terceiro do mundo em número de pessoas presas. O território paulista é onde foi formada e atua uma das principais organizações de narcotráfico do planeta, o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Por tudo isso que o tema da segurança pública está no centro dos debates entre os candidatos que almejam ocupar o Palácio dos Bandeirantes a partir de 2023. Propostas que vão do fim da Polícia Militar até mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente para aumentar o período de internação por atos infracionais.
Em análise realizada por especialistas consultados pela Ponte, percebe-se que muitas das promessas dos candidatos para esta área está focada na melhoria das condições de trabalho para os agentes da segurança pública, visando melhores indicadores e redução no índices de criminalidade, mas também de olho no voto dos policiais, que vem ganhando protagonismo dentro do cenário eleitoral desde 2018, com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder.
“É uma classe de trabalhadores que tem ganhado muito espaço político. O estado de São Paulo é um lugar onde isso é muito presente. A segurança passa muito pela polícia, então faz sentido este enfoque. É uma categoria que precisa de melhoria e valorização, mas também é preciso entender que segurança não é só polícia, poderiam ter propostas que passam pela prevenção como projetos que envolvem jovens e outras políticas públicas na comunidades”, enfatiza Natália Pollachi, coordenadora de Projetos do Instituto Sou da Paz.
“Quase todos os candidatos trazem essa pauta da melhoria das condições trabalho, seja na parte da infraestrutura da corporação ou em em aspectos mais pessoais como serviço de apoio psicológico, mas mesmo assim me espanta ainda ter candidaturas que se baseiam na lógica da repressão em seus planos para a segurança pública” analisa o advogado André Alcântara, que dá apoio jurídico para a Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.
A Ponte escolheu analisar os quatro candidatos mais bem colocados na pesquisa Ipec do dia 30 de agosto. São eles: Carol Vigliar (UP), então com 2%; Tarcísio de Freitas (Republicanos), então com 17%; Rodrigo Garcia (PSDB), na época com 10%; e Fernando Haddad (PT), que contava com 32% das intenções de voto.
Fim da PM
A mais radical das propostas e um pedido comumente ouvido em manifestações de rua de movimentos sociais de esquerda é encampada pela candidata da Unidade Popular (UP) Carolina Vigliar. Em seu programa de governo, a iniciativa é o único item que aparece como tema para a segurança pública do estado de São Paulo.
“Reorganização da Política Estadual de Segurança Pública com participação popular e desmilitarização das polícias: combater a lógica racista de inimigo interno e resgatar o policiamento comunitário, trazendo a população para perto da organização do estado. Aumentar a eficiência do aparato de inteligência para o combate ao crime organizado”, diz o texto que propõe o fim da PM a da repressão aos movimentos sociais.
“No campo da disputa ideológica é interessante, mas na prática não é possível. A PM faz parte da sociedade e não tem como você excluir essa parcela da sociedade. Ao invés de acabar, a gente pode pensar em como é possível mudá-la. Mas dá para entender que quem está sendo exterminado pelo polícia, que a população pobre e periférica, queira o fim do opressor”, avalia André Alcântara.
Propostas vagas e repressão
Candidato do Bolsonarismo à cadeira de governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas apresenta propostas pouco específicas para a área da segurança pública, o que chega a ser uma surpresa já que a questão é um dos temas mais exaltados dentro do seu campo ideológico.
No documento onde apresenta as suas ideias, o representante do Progressistas cita uma série de dados retirados de estudos de diversas fontes, ocupando uma boa parte do trecho que trata do tema. Porém, as propostas abrangem um espaço menor e não entra em detalhes quanto a sua execução.
“Combate sem trégua ao crime organizado, revertendo a atual situação de omissão em relação ao seu crescimento, com o uso de tecnologia, inteligência policial, uso de informações financeiras (Receita Federal, BACEN), fortalecimento da atividade de polícia investigativa e técnico científica”, diz o texto sobre a sua proposta de combate ao crime organizado no estado.
“É um candidato que fala muito sobre segurança, mas em seu programa de governo as propostas são bem pontuais. Senti falta de um pouco mais de conteúdo, tem algumas frases vagas. Eu esperava que tivesse mais detalhes”, diz Natalia Pollachi.
O candidato do presidente Jair Bolsonaro propõe, dentre outros pontos, o monitoramento de áreas onde há maior incidência de crimes por meio de “mapas inteligentes, simples e interativos”, com o objetivo que a população possa saber “quais, quantos e quando os crimes ocorreram na sua ou em qualquer outra rua do Estado. Podendo, assim, entender o que está acontecendo, cobrar melhor as ações das polícias e demais autoridades e ainda ajudar com imagens, vídeos e informações dos criminosos”.
“É uma lógica de segurança pública baseada na repressão, onde quanto mais câmera e monitoramento, menos liberdade você vai ter, com a lógica de uma sociedade controlada, o que é um problema. A violação da liberdade dá uma sensação falsa de segurança”, avalia André Alcântara.
Tida como uma política de sucesso, o uso de câmera na farda dos policiais militares é questionado no programa de governo de Tarcísio de Freitas. Ele é o único candidato que afirma que irá rever o uso do equipamento pela tropa.
“Vemos isso com preocupação porque é uma política que vem dando certo, tem uma boa aceitação por parte da população e protege os policiais. A argumentação que ele apresenta é muito vaga dizendo que a as câmeras incomodam a privacidade do policial e os deixam com mais desconfiança”, aponta a coordenadora do Sou da Paz.
Continuidade e atribuições fora de sua alçada
Defendendo as ações dos últimos anos da gestão da segurança pública no estado, o atual governador Rodrigo Garcia pontua em seu plano de governo uma série de ações de aspecto repressor como solução para os problemas. Porém, há vários tópicos do documento que apresentam propostas que fogem do poder do executivo estadual.
Garcia propõe, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja alterado para que adolescentes que cometeram atos infracionais fiquem internados por até oito anos. Porém para que haja esse tipo de mudança, a discussão passaria pelo Congresso Nacional.
“O governador diz que São Paulo tem muita força em Brasília, mas ele se esquece que não são apenas os parlamentares paulistas que votam para decidir algo desta natureza. Isso precisa ser discutido por representantes de outros estados e de outros campos ideológicos. Não tem cabimento ele fazer uma proposta como essa”, esclarece o advogado da Rede.
Outra questão apontada por André Alcântara é a proposta que fala em orientação jurídica para mulheres vítimas de violência nas Delegacias de Defesa da Mulher pela Defensoria Pública. Apesar de avaliar esse atendimento de forma positiva, o advogado alerta que a defensoria é um órgão autônomo que não recebe ordens do governador, por isso Rodrigo Garcia não deveria fazer esse tipo de proposta.
“É muito fácil fazer esse tipo de promessa porque depois que ela não é implementada ele pode usar como argumento que ele até quis fazer, mas por conta de outros órgãos não foi possível”, explica.
Para Natália Pollachi, além da continuidade de algumas ações por parte do atual governador do estado, chama a atenção a intenção de um maior endurecimento penal em um futuro governo comandado mais uma vez pelo PSDB em São Paulo. “É um plano de governo que preza pela continuidade, mas percebemos, com bastante preocupação, um aumento de punitivismo penal com pouco aprofundamento”.
Além de querer que jovens fiquem mais tempo internados por atos infracionais, Garcia também propõe a criação de novas penitenciárias e mais vagas para detentos, além de propor, mais uma vez fora da área de atuação de um chefe do poder executivo estadual, a alteração da Lei de Execuções Penais para aumentar em até 60% do cumprimento da pena para que alguém preso tenha direito a progressão penal.
Reflexão e mudança de gestão
Com sete páginas e 31 tópicos, o programa de governo de Fernando Haddad (PT) é o que dedicou mais espaço para o tema da segurança pública no documento entregue à Justiça Eleitoral. A plataforma petista para a área dá destaque para a valorização policial, enfrentamento à violência, prevenção e redução da letalidade, fortalecimento da cultura de paz, sistema penitenciário e socioeducativo.
A campanha do PT garante que se eleita irá “estabelecer um Novo Plano Estadual de Segurança Pública que irá reestruturar e valorizar a carreira policial; determinar metas objetivas de enfrentamento à violência, resolutividade e redução da criminalidade; ampliar investimentos e garantir os instrumentos necessários ao desempenho da função, incluindo tecnologia, inteligência e planejamento”.
“A gente achou interessante a menção a questões mais estruturais dentro da segurança. Ele fala, por exemplo, em trazer formação sobre racismo estrutural como forma de ajudar a diminuir a letalidade policial. Sobre esse tema ele também aborda a criação de um novo protocolo operacional do uso da força, visando também a redução do índice de mortes por intervenção policial. De todos, a gente considera que é o programa mais completo”, avalia Natália Pollachi.
“O Haddad traz no campo da prevenção uma tentativa de repensar o modelo de segurança pública em São Paulo. Não dá para falar que existe uma única maneira de gerir a segurança. Ele fala sobre policiamento de proximidade. Podemos dizer que o programa do PT traz uma reflexão de possibilidades de disputas nas políticas de gestão de segurança”, analisa André Alcântara.
Por mais de uma vez, o plano de governo de Fernando Haddad sugere que a segurança, em uma eventual gestão do Partido dos Trabalhadores, não trabalhará apenas com a repressão. O item 116 do documento sugere “adotar um novo Protocolo Operacional Padrão (POP), invertendo a cultura preponderante do policiamento ostensivo repressivo, pautado pela busca de flagrante-delito, visando a um policiamento ostensivo preventivo”.
Em outro ponto, o caderno de intenções fala em “promover um Programa Integrado de Prevenção à Violência nos Territórios Vulneráveis. De caráter transversal e em conjunto com secretarias como as da Saúde, Educação, Esporte, Assistência Social e Cultura, a fim de garantir mais oportunidades às juventudes desses territórios. O programa deve contemplar ainda a oferta de melhores serviços urbanos a essas comunidades, fomentando uma cultura de paz e convivência solidária”.