Manifestação convocada pelo grupo A Craco Resiste lembrou a morte de Raimundo Fonseca Júnior, baleado por policiais civis na última quinta-feira (12), e as recentes operações na Praça Princesa Isabel
Com presença de várias viaturas da Polícia Militar, Polícia Civil e Guarda Municipal, manifestantes se concentraram na Praça Júlio Prestes, no centro da cidade de São Paulo, neste domingo (15/5) para participar do Ato Vidas na Craco importam.
A motivação para o evento foi as ações truculentas das forças de segurança contra pessoas em situação de rua e a morte de Raimundo Fonseca Júnior (32), baleado na última quinta feira (12/5) após ser abordado por três policiais civis.
“Essa manifestação é para lembrar que essas pessoas existem e precisam de cuidado, não de bombas”, afirma Raphael Escobar, membro do grupo A Craco Resiste, que atua dando assistência às pessoas que vivem em situação de rua na região central da cidade de São Paulo – chamada pejorativamente de “Cracolândia”. O nome do grupo e do ato buscam uma versão humanizada do termo.
“Bombas não ajudam ninguém”. continua. “Ações, como as que ocorreram essa semana, existem desde 2012 e nunca resolveu nada. Isso é uma prova de como o poder público não sabe o que fazer com essas pessoas. Não é matando o Raimundo que as demais pessoas vão parar de usar droga, elas precisam de moradia.”
Enquanto a manifestação se concentrava em frente do lado de fora da praça, dentro guardas da GCM faziam uma apresentação com os cães treinados para atuar na segurança pública – em ações com as que motivam protesto, e também em repressão de protestos.
O ex-senador e agora vereador Eduardo Suplicy (PT), acompanhou a caminhada inteira. Na concentração, falou com o repórter da Ponte Gil Luiz Mendes, sobre as comissões de direitos humanos do Poder Legislativo estadual e municipal, que criaram grupos de trabalho para resolver a situação na região: “Avaliamos que é necessário um empenho muito maior, não com o uso de violência, seja da Guarda Civil Metropolitana, da Polícia Civil ou da Polícia Militar”. “É preciso que haja um procedimento mais adequado. Ele mencionou o extinto Programa De Braços Abertos, da gestão Fernando Haddad (entre 2013 e 2016), que ofereceu benefícios aos usuários de drogas da região.
Alguns moradores do entorno da Júlio Prestes estiveram no local e criticaram a defesa dos moradores de rua. Uma mulher acompanhada de seu pai e uma criança chegou a bater boca com alguns manifestantes. Afirmando que as pessoas que habitavam a praça eram responsáveis por assaltos na região, ela foi interrompida por um homem que disse ser catador de papelão.
“Eu estou há dez anos na Cracolândia e sempre catei o meu papelão para reciclagem. Só quem pode me julgar pela droga que eu uso é Deus. Eu sempre catei minhas latinhas e nunca peguei nada de ninguém não pode generalizar”, disse o homem que foi ovacionado depois da sua fala.
Entre os manifestantes esstavam pessoas que atualmente vivem nas ruas do centro de São Paulo. Uma delas era Vanilson Santos Conceição, de 34 anos. Ele conta que nos 11 anos que está nas calçadas do capital paulista, sempre teve que conviver com a opressão policial, porém nos últimos dias ações das forças de segurança têm se intensificado.
“Além da ação da última quarta-feira, a gente está sofrendo todo dia na mão da polícia. É esculacho, bomba de gás. Se eles virem um grupo de cinco pessoas ou mais em uma esquina eles já mandam dispersar”, conta Vanílsonm fazendo menção a retirada das pessoas que estavam se abrigando na Praça Princesa Isabel, na última quarta-feira (11/5).
O ato saiu em caminhada pelas ruas do centro de São Paulo e um dos pontos que passou foi no trecho da rua Helvétia, entre a Alameda Barão de Campinas e a Avenida São João onde está concentrado o principal ponto de tráfico e uso de crack da região – chamado de “fluxo”. Antes localizado na Praça Princesa Isabel, foi para esse endereço após ser retirado pela operação realizada na última semana. No momento em que os manifestantes passaram pelo local foi pedido para que todas as câmeras e celulares fossem guardados para que nenhuma pessoa fosse identificada.
Presente na rua Helvétia, Thales Santos, de 43 anos, admite ser dependente químico e diz que a polícia age com força desproporcional contra a população que faz uso de crack e está nas ruas dos centro. “Eles chegam aqui armados, jogam bomba na gente e não oferecemos nenhum perigo à sociedade. Nossa arma é só esse cachimbo e as [canetas] Bics”, conta mostrando os objetos que carregavam na mão.
Um dos momentos mais marcantes do ato foi quando Pedro Henrique Abade do Nascimento, que também estava na rua Helvétia pediu a palavra para conta um pouco do que é viver nas ruas de São Paulo ser reprimido pela polícia e julgado pela sociedade.
“Sou mais um representante da Cracolândia que está cansado da violência e opressão”, começou Abade. “Apanhando diariamente, tomando bomba e tiro de borracha. Essa violência não é provocado por nós, mas por eles mesmos. Ficam nos jogando de um lugar para o outro sem necessidade. Ficamos sem alimentação, sem a população nos ajudar por conta dessa ação de marketing da polícia.”
Aos 49 anos, mais de dez deles vivendo nas ruas de São Paulo, Charles Silva acumula um série de argumentos para criticar as forças policiais do Estado. Ele conta que passa boa parte do dia escrevendo e uma dos assuntos que mais gosta é analisar a segurança pública da cidade. “A polícia não usa a própria inteligência que tem. Eles justificam estas ações como forma de combater o tráfico, mas não há como fazer isso se não acolhe nós, os usuários. Primeiro tem que dar moradia e trabalho para quem está na rua e só depois pensar em prender pessoas”.
Comentando a morte de Raimundo Fonseca Júnior, Charles diz que não acredita em Justiça quando os acusados faz parte da segurança pública: “O processo de investigação contra a polícia é feito pela própria polícia. E a gente já sabe, há anos, como isso termina. Nunca dá em nada”.
O ato se chegou por volta das 16h a seu ponto final, na Praça Princesa Isabel, onde os manifestantes foram recepcionados por policiais civis do 77º DP (Campos Elíseos) e da seccional do centro. Por volta das 16h30, aconteceu a dispersão.