Vídeo contradiz versão da PM sobre morte de David após abordagem policial

    Policiais dizem que houve troca de tiros, mas imagens mostram jovem entrando em viatura; família afirma que PMs mudaram roupa da vítima

    David foi morto depois de abordagem policial | Foto: arquivo pessoal

    As imagens de câmeras de segurança mostrando David Nascimento dos Santos, 23 anos, sendo abordado por PMs e colocado numa viatura do 5° Baep (Batalhão de Operações Especiais) na noite de sexta-feira (24/4), na Favela do Areião, no Jaguaré, zona oeste da cidade de São Paulo, desmentem a versão dada pelos policiais militares.

    As gravações mostram um rapaz, que familiares e amigos garantem ser David, sendo abordado pelos PMs do Baep às 19h48 da última sexta-feira. Ele é colocado na viatura da PM e levado pelos policiais militares. David foi encontrado morto algumas horas depois.

    A mãe dele, Cilene Geraldina dos Santos, 38, afirma que a roupa que David usava quando foi encontrado não é a roupa que ele saiu de casa. “Meu filho sumiu de bermuda e chinelo. Quando mataram eles trocaram a roupa. Foi a polícia que trocou a roupa. A calça do Corinthians nunca foi dele, nem aquele sapato”, relatou em entrevista à Ponte.

    A versão policial foi registrada no 5º DP de Osasco, na Grande São Paulo, pela delegada Maria Cristina da Silva Sá, como morte decorrente de intervenção policial, resistência e excludente de ilicitude. Ela difere das imagens divulgadas por familiares e amigos de David que mostram a abordagem de um rapaz na entrada de uma viela na Favela do Areião e garantem se tratar do vendedor ambulante. Ainda, de acordo com a família, David aguardava a chegada de um lanche que havia pedido no aplicativo iFood.

    Antes de desaparecer, David trocou mensagens com a namorada pelo telefone celular. A família só teve notícias dele na madrugada de sábado (25/4), quando foi avisada que ele havia sido baleado e morto.

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    Policiais militares do Baep alegaram que perseguiam, na avenida Presidente Altino, em Osasco, um veículo Onix prata ocupado por quatro homens em atitude suspeita.

    Segundo os PMs, na favela do Areião estava o motorista de aplicativo Carlos César Cruz, 57 anos, que havia sido assaltado por três homens desconhecidos. A vítima declarou à Polícia Civil ser incapaz de reconhecer os criminosos.

    Os PMs das viaturas E0527 e E05211 relataram, no registro da ocorrência, que os três homens abandonaram o carro e seguiram a pé pela favela. Acrescentaram que eles também saíram da viatura e foram a pé atrás dos suspeitos.

    Na versão dos PMs, na rua Manoel Antônio Portela, perto de uma empresa desativada chamada Corneta, perto da favela, eles avistaram um homem atrás de uma moita.

    Em seguida, acrescentaram os PMs, eles “ditaram palavras de ordem, se identificaram como policiais, mas um indivíduo saiu de mato atirando contra eles, que revidaram e efetuaram cinco disparos”.

    Os PMs disseram ainda que acionaram a a Unidade de Resgate e David foi levado para o Hospital Regional de Osasco pela viatura UR 18115, comandada pelo cabo Félix. Os PMs do Baep afirmaram que ele chegou ao local já sem vida por volta das 21h35.

    De acordo com os PMs, David estava uma pistola 9 mm de marca israelense. A delegada apreendeu essa arma e também o fuzil calibre 5.56 que estava em posse do sargento Carlos Antonio Rodrigues do Carmo, 42 anos, e as pistolas calibre 40 dos PMs Vagner da Silva Borges, 32 anos, e Lucas dos Santos Espíndola, 33 anos.

    Todos os envolvidos foram submetidos a exame residuográfico (que detecta sinais de pólvora nas mãos), segundo a delegada que registrou a ocorrência.

    ‘Acabaram com o sonho do meu filho’

    Em entrevista à Ponte, a mãe de David, Cilene Geraldina do Nascimento, 38 anos, que trabalha como babá, desabou: “Acabaram com o sonho do meu filho, destruíram a vida dele e a minha vida junto”.

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    Na hora que o filho desapareceu, por volta das 19h48, Cilene estava na estação de trem Ceasa e correu para a Favela do Areião assim que soube do ocorrido.

    “Quando foi 20h, depois da gente ter caçado ele, achamos um corpo. Os policiais não deram nenhuma informação para mim e fomos achar ele já ia dar 22h”, relata.

    “Torturaram ele dentro do carro, no banco do passageiro da viatura. Já levaram na intenção de matar ele. Não houve confronto nenhum. Eu só quero justiça, quero a justiça seja feita. Meu filho era pai de família e deixou dois filhos”, lamenta Cilene.

    David morava na Favela do Areião desde que tinha um ano de idade. No próximo dia 9 de maio ele completaria 24 anos. “O David era um menino amado por todos, não fazia nada de errado. Ele era trabalhador, acordava 5h da manhã para vender as coisas. Sempre foi um bom menino”.

    Muito abalada, Cilene informa que denunciou o caso à Corregedoria da PM e aguarda providências.

    O que diz a polícia

    A reportagem procurou as assessorias da Secretaria da Segurança Pública, por meio da terceirizada InPress, e da Polícia Militar, questionando o motivo das roupas de David terem sido trocadas, se os policiais envolvidos já haviam sido identificados e quais seriam os próximos passos. A SSP-SP enviou uma nota sem responder as perguntas, mas informou que 12 PMs estão afastados das suas funções. Eles seguem recebendo seus salários.

    A pasta disse que o caso está sendo investigado, como já informado neste domingo (26/4), pela Polícia Civil e pela Corregedoria da PM. “Todas as circunstâncias relacionadas aos fatos são investigadas por meio de inquérito policial instaurado pelo 93º DP, responsável pela área e por meio de IPM instaurado pela Polícia Militar”.

    A Ponte procurou o Baep na manhã desta segunda-feira (27/4), mas não obteve retorno.

    Sobre o vídeo que mostra David sendo abordado por policiais militares pouco antes de ser encontrado morto, a secretaria afirma que “está sob análise e a Corregedoria da PM acompanha o andamento das investigações”.

    Um fonte da PM que não quis se identificar disse que o procedimento mostrado no vídeo é incorreto e que “é um forte indício de que tem coisa errada”.

    Segundo a PM, um rapaz sem documento foi abordado na favela porque havia um crime em andamento. Ele foi levado até a vítima, que não o reconheceu e liberado. Os PMs indicam que a equipe do Baep que abordou o rapaz na favela não é a mesma que teria trocado tiros com David.

    Procurada pela reportagem, a Ouvidoria de Polícias de São Paulo disse que está ciente do caso e vai abrir procedimento para acompanhar as investigações da corregedoria da PM e da Polícia Civil.

    (*) Reportagem atualizada às 15h30 do dia 27/4 para inclusão de íntegra da nota da SSP-SP

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