PMs que atenderam a ocorrência da morte de Rian Rogério dos Santos, 18 anos, disseram que a vítima não usava capacete; testemunhas relatam que agressão de policial fez com que o jovem perdesse o controle da moto
Imagens de câmera de segurança mostram o momento em que o jovem Rian Rogério dos Santos, 18 anos, passa de moto em frente à escola estadual Natalino Fidêncio, na Rua Juscelino Kubitscheck, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. O vídeo desmente a versão apresentadas pelos PMs que atenderam a ocorrência da morte do jovem, supostamente agredido por um policial, e comprova o relato de testemunhas.
De acordo com quem passava pela rua no momento em que Rian bateu contra um carro e um muro, ele dirigia a moto em baixa velocidade quando um PM desceu da viatura de ronda escolar e deu um golpe de cassetete em sua cabeça. Com a agressão, o adolescente teria ficado atordoado, o que o fez perder a direção e bater a moto, morrendo no local antes da chegada do socorro.
Conforme mostram as imagens da câmera de segurança, Rian passa com o veículo pela frente do colégio usando o capacete e segue seu caminho. Instantes depois, as pessoas filmadas passam a olhar e andar para o lado em que o jovem dirigia, aparentemente tendo ouvido ou visto o impacto.
Os policiais militares Bruno Luiz de Carvalho e Felipe de Oliveira explicaram ao delegado Elizeu Quirino Ribeiro, do 1º DP (Distrito Policial) de Carapicuíba, que chegaram ao local e não viram “sinal de capacete de segurança, podendo ser o caso de que aquela [vítima] ‘não usava capacete'”.
No entanto, a versão dos policiais é diferente da de testemunhas ouvidas pela Ponte, que sustentam terem visto Rian com o equipamento, como mostram as imagens do vídeo. Um amigo do adolescente morto dá a mesma versão em B.O. (Boletim de Ocorrência) complementar, pois os PMs não apresentaram testemunhas do caso no primeiro registro da ocorrência.
Segundo o B.O. (Boletim de Ocorrência), os soldados Alexandre e Cássio ocupavam a viatura M33100 da 1ª cia do 33º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), que prestava a ronda na escola Natalino Fidêncio. O sargento Rogério Pires, do mesmo batalhão, não soube informar ao delegado informações precisas dos PMs envolvidos na ocorrência, como nome completo, número de RG e CPF, endereço ou telefone.
“Ele [Rian] estava de moto, com capacete, normal. Não acelerou, não empinou. O PM saiu da vaga do motorista, abriu a porta e o esperou chegar perto, estendeu a mão e soltou o cassetete. Levantou o capacete dele”, conta à Ponte uma testemunha, que pediu anonimato. Já no segundo registro, o amigo de Rian explica que ele subiu a rua em baixa velocidade, usava capacete e andava com faróis e lanternas apagados, foi quando ele viu “um PM dar um golpe em sua cabeça”, afirma.
Os pais de Rian, Rogério dos Santos Souza e Maria do Carmo Almeida da Silva, denunciaram o caso à Ouvidoria das Polícias de São Paulo nesta segunda-feira (27/5). De acordo com eles, o filho foi à escola de moto a pedido de uma amiga quando recebeu o golpe de cassetete do policial e bateu o veículo. Ainda apontam que os policiais teriam se recusado a socorrer seu filho, dizendo que “não deviam satisfações para ninguém”. Na sequência, deixaram o local com a viatura de ronda escolar.
Na denúncia consta que Maria teria ligado para o filho por volta de 19h, mas quem atendeu o celular do jovem foi uma pessoa “que não se identificou, que a informou que Rian estava caído na sua sem consciência”. O aparelho não foi encontrado no local do acidente, enquanto o capacete que ele usava estava com pessoas que presenciaram a batida. As testemunhas apontam que o capacete teria se soltado com o golpe do policial e saído da cabeça do adolescente no choque com o carro, não o protegendo na batida contra a mureta.
“O vídeo deixa claro que ele estava de capacete, enquanto o policial disse que não estava. É importante ouvir a família. Pedi para que eles conseguissem falas de alunos que teriam visto o policial agredindo com o cassetete, os depoimentos são fundamentais”, diz o ouvidor das polícias, Benedito Mariano, que encaminhou a denúncia à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo
Segundo ele, é necessário encontrar elementos que comprovem a agressão do PM. “Falei com o Corregedor (coronel Marcelino Fernandes), se algum policial disse isso [que estava sem capacete] no Boletim de Ocorrência, já é motivo para a Corregedoria avocar o caso. Pedi que ele apure pela complexidade, são muitas pessoas a serem ouvidas, e afastar os PMs envolvidos até fim investigação e analisar reconstituição”, completa Mariano.
“O vídeo mostra o rapaz subindo a rua e, antes, passa uma viatura. Depois ele passa de moto, para rapidamente para conversar com uma amiga, faz retorno e desce a rua com a moto após a agressão. Outros policiais militares chegaram ao local na sequência, e as testemunhas disseram a eles que o acidente tinha sido gerado pela agressão de um policial da Ronda Escolar. Porém, os PMs afirmaram que isso ‘não interessava'”, explica o advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Diretos da Pessoa Humana (Condepe). “Ele estava de capacete, conforme as imagens. Já os PMs disseram que ele estava sem capacete”, destaca.
Rian trabalhava como serralheiro e pretendia retornar à escola estadual Natalino Fidêncio para completar os estudos – ele não havia concluído o 3º ano do ensino médio. Ele frequentava uma igreja no bairro, Congregação Cristã, onde tocava violino. “Rian tristemente virou mais um número nesta estatística terrível de assassinatos cometidos por quem deveria proteger a sociedade”, lamentou Ariel de Castro, se referindo à letalidade policial.
Em 2019, sob o governo de João Doria (PSDB), os casos de MDIP (Morte Decorrente de Intervenção Policial) estão em alta. Os registros mostram 288 mortes causadas por policiais, civis ou militares, entre janeiro e abril, número 8% maior quando comparado aos 266 casos no mesmo período de 2018. O MP (Ministério Público) ofereceu denúncia cobrando que a Justiça condene o Estado de SP pela ineficiência em reduzir a letalidade policial.
Questionada pela Ponte, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de SP, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de Doria, explicou que “todas as circunstâncias envolvendo a ocorrência são investigadas por meio de inquérito policial no 1° DP de Carapicuíba. Os policiais e testemunhas estão sendo ouvidas”, garante a pasta, complementando que “a PM acompanha as investigações”.