‘Vitória’: pré-candidatas negras comemoram decisão do TSE que equaliza eleições

    Tribunal Superior Eleitoral aprovou proposta que obriga partidos a distribuírem os recursos eleitorais de maneira proporcional entre negros e brancos; ‘votação histórica’, diz advogada

    As pré-candidatas a veredora em SP Tamires Sampaio (PT) e Adriana Vasconcellos (PCdoB) / Fotos: Arquivos pessoais

    O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) votou a favor de que a distribuição dos recursos do FECF (Fundo Especial de Financiamento de Campanha) e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio deve ser proporcional ao total de candidatos negros que um partido apresentar para disputa do pleito. Na prática, a intenção é igualar as condições de disputa junto a candidatos brancos, que possuem geralmente mais verbas e mais tempo de expor suas propostas de governo na mídia.

    A discussão sobre o tema ocorreu dentro do processo que busca definir as regras para as eleições municipais deste ano, que devem ocorrer em novembro. Porém, a decisão passa a valer apenas para as eleições de 2022, para respeitar o princípio da anualidade eleitoral – previsto no artigo 16 da Constituição Federal, que prevê que decisões que afetam as regras de um pleito só valem se tomadas um ano antes da eleição em questão.

    Pedido antigo do movimento negro, o julgamento ocorreu após questionamentos da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) sobre o uso da verba e do tempo por candidatos negros. A parlamentar provocou o tribunal ao questionar se uma parcela dos incentivos às candidaturas femininas que estão previstos na legislação poderia ser reservada especificamente para candidatas negras.

    Leia os votos dos ministros na íntegra no site do TSE

    Outra indagação de Benedita da Silva foi sobre a possibilidade de reservar vagas – uma espécie de cotas – para candidatos negros, destinando 30% do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV para atender a essa demanda.

    À Ponte, a professora e pesquisadora na Universidade Federal de Ouro Preto e membro da Coalização Negra por Direitos, Dulce Maria Pereira, comemorou a decisão, o que classificou como uma “vitória”, mas chamou atenção para os temores que regem instâncias superiores no Brasil. “Eu gostaria que fosse este ano, mas eu entendo que seja uma enorme vitória assegurar a aprovação para 2022. Eu acredito que o conservadorismo do próprio sistema judicial brasileiro, inclusive do próprio TSE não conseguiu entender a urgência dessa mudança inclusiva para garantir o mínimo de equidade”.

    A professora, feminista e integrante da Coalizão Negra Dulce Maria Pereira contou ser uma demanda antiga o pedido de igualdade na distribuição entre os candidatos | Foto: Arquivo pessoal

    Dulce, que também já exerceu o cargo de presidente da Fundação Cultural Palmares e foi a primeira embaixadora negra do Brasil ao assumir o posto de Secretária Executiva dos Países de Língua Portuguesa, no ano de 2000, ainda alfinetou o sistema brasileiro, o qual segundo ela, precisa mudar de forma urgente. “A questão é que o Brasil é muito atrasado. A questão da rigidez dos poderes é enorme. A tentativa de controle sobre as forças sociais é enorme. Não tem perspectiva de se entender como as forças orgânicas sociais contribuem para o Brasil”.

    Leia mais: ‘Sementes’ mostra o dia a dia de seis mulheres negras nas eleições de 2018

    Dulce, que também já foi suplente do senador e atual vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), explicou que  mesmo com a vitória no TSE, ainda há muito o que se fazer, já que a criação do fundo não siginifica necessariamente assegurar um número proporcional de candidatos.

    “Nós deveríamos ter representação proporcional às populações locais de negros, de indígenas e de mulheres. Eu não estou aqui dizendo que concentração de melanina defina o compromisso ético, mas o grupo humano devidamente representado tem muito mais oportunidade de contribuir e de ter consideradas as necessidades objetivas do povo”, completou.

    Em artigo publicado pela Ponte no início do mês, o engenheiro e conselheiro do movimento Acredito, consultor em diversidade e inclusão e fundador de Engaja Negritude, Samuel Emílio, escreveu que, em 2018, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, 12,9% das candidaturas a deputado federal eram de mulheres negras, mas estas receberam apenas 6,7% dos recursos eleitorais. Homens negros eram 26% dos postulantes, mas receberam apenas 18,1% dos investimentos.

    Ao final do encontro do colegiado, o presidente do TSE Luis Roberto Barroso, afirmou que “o racismo no Brasil não é fruto apenas de comportamentos individuais pervertidos, é um fenômeno estrutural, institucional e sistêmico. E há toda uma geração, hoje, disposta a enfrentá-lo”.

    Misto de alegria e tristeza

    A reportagem da Ponte conversou com duas mulheres negras que são pré-candidatas ao cargo de vereadora em São Paulo. Ambas tinham esperança de que tal regra da distribuição proporcional de verba e tempo na TV e no rádio fossem valer já para o pleito deste ano. No entanto, com a decisão, sobrou o gosto amargo da vitória somente para o futuro.

    A professora e pré-candidata a uma vaga na Câmara de São Paulo pelo PCdoB, Adriana Vasconcellos, contou ter recebido a notícia com total “frustração”, já que mais uma “vez vemos o racismo institucional, a serviço do racismo estrutural”. 

    Em sua análise, diante da situação da pandemia, “agora era a hora de termos impulsionamento em nossas candidaturas. Seria um sofrimento a menos .Seria a oportunidade real de disputa, com chances aumentadas de mais pretos na Câmara Municipal na maior cidade da América Latina”.

    No entanto, Adriana se mostra confiante de que no futuro as candidaturas pretas terão cada vez mais espaço. “Se está garantido para 2022, se nada mudar, teremos isso como mais um adendo para compor a nossa luta que sempre existiu, com os avanços que sempre tivemos, mesmo com todos os impedimentos históricos, a partir das instituições e racismo institucional. Vamos para cima”, completou.

    Leia mais: Entre 2015 e 2017, 40% dos projetos de lei de segurança foram punitivistas

    Quem também postula uma vaga na Câmara paulistana e acompanhou a votação do TSE na noite de ontem foi a advogada e pré-candidata pelo PT, Tamaris Sampaio. A mulher, que teve sua transmissão do lançamento da pré-candidatura no último sábado (22/08), realizada através do Zoom, alvo de ataque de hackers que exibiram imagens pornográficas, preferiu chamar atenção de todo contexto histórico que envolve a eleição de pessoas negras.

    “Essa é uma votação histórica, um vitória essas cotas terem sido aprovadas e é uma vitória do movimento negro que se organizou e criou uma campanha para pautar a importância de garantir estrutura para que as candidaturas negras tenham viabilidade eleitoral nas campanhas”.

    Advogada Tamires Sampaio – pré-candidata pelo PT – Foto: Arquivo pessoal

    Tamires pontuou que as eleições são pautadas muito pelo valor que cada pessoas têm disponível para gastar em campanhas e que com a nova regra as coisas podem começar a mudar. “Sabemos que o poder econômico ainda tem uma interferência forte nas campanhas e sabemos que os partidos não priorizam as candidaturas negras na hora de distribuir o fundo eleitoral. Então é uma vitória, que deve ser comemorada, mas ao mesmo tempo é muito revoltante como essas vitórias são sempre postergadas sabe? Ganhamos, mas só daqui dois anos”, ressaltou.

    “E as candidaturas negras de agora? Todos os ministros pautaram nos votos a importância de garantir a distribuição do fundo, mas na hora de fazer acontecer, postergam”, completou.

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