‘Vou te caçar’: PM que pediu namorado em casamento é ameaçado e perseguido

    Soldado Leandro Prior relata ter sido seguido por um homem no condomínio onde o namorado mora em Santo André (SP) e recebeu mensagens privadas em suas redes sociais: ‘farei de tudo para destruir sua vida na PM’

    O policial militar Leandro Prior, 28, recebeu ameaças por pedir o namorado em casamento no dia da última Parada LGBT+ (26/6). Um ano antes, em 21 de junho de 2018, ele foi alvo de ofensas e intimidações quando filmado beijando um homem enquanto usava a farda da Polícia Militar no metrô de São Paulo. À época, um sargento da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) o ameaçou de morte, fato que volta a repetir com outro sargento.

    As novas intimidações foram enviadas pelo Facebook, algumas delas de “irmãos de fardas”, outros integrantes da PM. O sargento aposentado Renato Simões, do 39º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar/Metropolitano), usou as mensagens privadas para dizer que o soldado não iria “desonrar a minha gloriosa PMSP”.

    “Bichona, pede baixa, seu viadão. Vou te caçar atrás [sic] te encontrar e vou te quebrar todo seu viado do caralho”, escreveu Simões diretamente a Leandro, que denunciou formalmente tal ameaça. “Vou te caçar e vou te ensinar a virar homem na porrada, seu filha da puta do caralho”, seguiu a ameaça de Simões, enviada às 17h25 do domingo (30/6).

    Ameaça feita por sargento diretamente ao soldado | Foto: Reprodução

    Outro suposto policial usou um perfil anônimo para atacar o soldado, também pelas mensagens diretas do Instagram. “Você é uma vergonha para organização da PM. Farei de tudo para destruir sua vida dentro dela”, escreveu a pessoa, que usava um perfil fake de nome “juanpescobar99” e sem foto de identificação.

    A página “Proerd 38º BPM/M”, em referência ao Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, também publicou um texto que condena o pedido de Prior. “A sociedade está doente, todos nós estamos doentes. Doença no caráter, na moral, nos bons costumes, no respeito e na dignidade”, publicou.

    Pessoa usa perfil fake para intimidar o policial | Foto: Reprodução

    Criado em 1990 pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, o Proerd tem como finalidade atuar com crianças e adolescentes para “desenvolvimento da competência social, noções de cidadania, habilidades de comunicação, autoestima, tomada de decisões, resolução de conflitos e objetivo de vida”, conforme página do programa no site da PM paulista.

    A ameaça a Prior vinda da Proerd 38º BPM/M teve complemento, ao citar o pedido de casamento e a morte de um PM ocorrida no mesmo dia, comparando os atos e apontando que Leandro, “que se diz policial”, forçou uma situação para “aparecer”. “[O policial] Defendeu uma sociedade hipócrita e voltará para o seio de sua família dentro de um caixão. Amanhã teremos hipócritas com palavras vazias, amanhã teremos aproveitadores se dizendo brigar por salários, mas só amanhã porque o assunto da semana será o pedido de casamento gay…”, escreveu o dono da página, que não é identificado e posteriormente apagou a publicação.

    Publicação foi apagada posteriormente | Foto: Reprodução

    Outras mensagens ofensivas partiram de pessoas que nem sequer conhecem ou têm vínculo com o policial. Os comentários aparecem em publicações em redes sociais que tratam do pedido de casamento. “Acho que durante o treinamento pra PM faltou ter dado mais cacetete pro rapaz”, comentou o usuário carvalho_lucin no Instagram.

    Já no Facebook, Emerson José Barbosa escrever que “antigamente o PM sentava o cassetete, hoje em dia senta no cassetete”, enquanto Fabio Silva comentou que “deveria ser proibido a entrada de baitola na polícia”. Clebson L. Silva foi além: “Esse cara tem que ser expulso da corporação. Como eu conheço bem a PM, a cama dele tá pronta, é só a poeira abaixar”, disse. “Leva pro alojamento e quebra no cassetete de noventa centímetros”, postou Wagner Tadeu.

    As intimidações são decorrentes do pedido de casamento feito após a PM proibir que o policial o fizesse com a farda da corporação durante a Parada LGBT+ de SP. Depois da proibição, Prior fez o pedido perto do seu local de trabalho e a Polícia Militar o espionou enquanto selava o noivado com Elton dos Santos Luiz, 26. Um documento obtido pela Ponte confirma que o setor de inteligência do 13º (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano) usou policiais disfarçados e viaturas descaracterizadas para acompanhar e confirmar que Prior pediu o namorado em casamento, reportando o fato aos superiores do PM.

    Parte do documento que comprova a espionagem por parte da inteligência da PM |Foto: Reprodução

    Além das ameaças, Leandro e Elton, seu noivo, foram seguidos por um homem um dia antes de selarem o noivado no Largo Coração de Jesus. Segundo o soldado, vizinhos identificaram uma pessoa a pé logo atrás do casal no dia 22 de junho. “Um indivíduo nos seguiu até a casa dele e, segundo testemunha, ele havia tirado fotos da casa e saiu. O local é fechado só tem uma entrada/saída”, conta Prior. O fato aconteceu em Santo André, onde moram, entre 19h15 e 19h23.

    Carta à população LGBT+

    O policial divulgou nesta segunda-feira (1/7) uma carta aberta à comunidade LGBT+, documento compartilhados por páginas como Aliança Nacional LGBTI+ e Policiais Antifascismo, na qual comenta tanto as ameaças sofridas em 2018 quanto as mais recentes. Prior afirma que saberia não ser fácil seu caminho ao compreender sua identidade homoafetiva, sobretudo sendo um PM e estando dentro de “um ambiente de dogmática predominantemente conservadora e muitas vezes preconceituosa, sempre precisei estufar o peito e me colocar em posição para não ser arrastado pela torrente”.

    Ele relembra as ameaças sofridas em 2018 com a divulgação do vídeo no metrô, ressaltando o apoio de “alguns poucos amigos da corporação enquanto outra parcela proferia ameaças e ofensas sob o manto protetor, tudo para lavar ‘o bom nome da corporação'”. Também diz querer acreditar que a “instituição não está favorecendo ou mesmo exercendo homofobia”, como dito em entrevista à Ponte, e reafirmado em fotos que compartilhou no Facebook nas quais PMs heterossexuais pedem suas companheiras em casamento usando farda com aval da corporação.

    “Não serei silenciado pelo medo, nem tampouco pelo ódio daqueles que se escondem por detrás da cortina preconceituosa do moralismo ultrapassado. Sou membro desta instituição e, como qualquer um que assim como eu possui a honra e o orgulho de vestir esta farda, conquistei o direito de vesti-la e, como qualquer outro, mereço e devo ter o mesmo tratamento e direitos que os demais”, escreve Prior. “Quanto às ameaças e injúrias recebidas, seja por membros da instituição ou não, todas elas já estão encaminhadas e sendo rigorosamente acompanhadas”, promete.

    A Ponte entrou em contato com o sargento Renato Simões e a página Proerd 38 BPM/M, mas não recebemos respostas. Também questionamos SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo, gerida pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), e a PM, comandada pelo coronel Marcelo Vieira Salles, que confirmou investigar tanto o pedido de casamento como as ameaças.

    “A Polícia Militar esclarece que todas as circunstâncias relativas aos fatos estão sendo apuradas, inclusive o suposto relatório da corporação que circula pela web. A Corregedoria da PM investiga as ameaças contra o Soldado PM Prior”, diz a corporação, apontando que não confirma a veracidade do documento obtido pela Ponte (que pode ser acessado clicando aqui).

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