Youtuber Thiago Torres relatou que ele e amigo foram enquadrados durante show da Virada Cultural, na zona norte de São Paulo; em vídeo, policial xinga jovens e questiona gravação
O youtuber e estudante Thiago Torres, 23, mais conhecido como Chavoso da USP, denunciou pelas redes sociais ter sido agredido junto com seu amigo por policiais militares durante show do rapper Emicida, que se apresentava neste domingo (28/5) no Palco Brasilândia da Virada Cultural, na zona norte da cidade de São Paulo.
Parte da abordagem foi gravada por Thiago, em que o PM questiona: “festa de maconheiro e aí tá liberada a porra da maconha?”. O amigo do jovem, Guilherme, 21, responde no vídeo que não ia acender o cigarro de maconha e nem ia fumar na frente de crianças como o PM tinha afirmado em meio a xingamentos de “filho da puta”.
Em outra filmagem, próximo à área dos banheiros químicos, o PM pergunta “Quem te autorizou a gravar? Você gravou o quê? Esse celular é seu?” e o youtuber responde: “É direito meu”. O policial, em seguida, manda o rapaz desbloquear o celular, embora a Constituição Federal garanta o sigilo das comunicações e o acesso só é permitido via ordem judicial. A gravação de abordagem por um servidor público também não é ilegal e a Ponte ensinou como fazer a filmagem com segurança na campanha “Filme a polícia”.
Em entrevista à Ponte, Thiago e Guilherme contaram que chegaram até o evento por volta das 17h para acompanhar a apresentação de Emicida e que duas horas depois foram enquadrados. “Durante o show, eu fiquei um pouco cansado e resolvi sair para descansar, chamei o Gui para ir comigo. A gente se afastou do pessoal, ficou sentado numa pracinha que tinha ali perto”, relatou o estudante.
Guilherme, que é músico e pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, disse que o amigo tirou uma foto dele e os dois não perceberam a aproximação de três policiais militares. “Eles ficaram olhando para a gente e, quando a gente viu, já chegou um falando ‘bonito, hein’ e já pegou pela minha camiseta. Nisso que ele pegou pela minha camiseta, ele me arrastou e falou ‘senta aí’. Quando eu sentei, ele começou a falar ‘tem alguma coisa aí?’. E eu falei ‘senhor, não vou mentir, eu tenho um baseado de haxixe [resina extraída da maconha] com tabaco, já está bolado aqui no meu bolso, mas eu não ia acender aqui'”, relata.
Thiago filmou parte da conversa que teria acontecido após esse momento, quando o PM, entre xingamentos, pergunta o nome de Guilherme, diz que ele estava fumando na frente de crianças, pergunta se ele tem filho e por que ele estava fazendo isso “na área dele”. Ali a gravação corta porque, segundo Thiago, o policial foi “pra cima dele”. “No vídeo, o policial fala que o Gui estava fumando na frente de criança, não tinha criança ali. A gente só estava sentado no banco”, afirma.
Guilherme afirma que o PM mandou de forma truculenta ele comer o haxixe. “Toda a hora eu falei ‘senhor, isso é haxixe, pode dar intoxicação’ e o policial falou ‘não quero saber, você vai comer’. Eu recusei e ele me deu um chute na perna, começou a me chacoalhar, rasgou minha blusa. Ele me pegou com as duas mãos, começou a me enforcar e eu falei ‘pra que isso?’ e eu comi a maconha. Ele começou a me chamar de filho da puta, de um monte de coisa”, relata. “Ele poderia ter jogado o cigarro fora, não precisava daquilo, eu nem ia acender”, diz, indignado.
“Depois que ele [policial] mandou o Gui comer a maconha, ele veio para cima de mim, me ofendendo, me chamando de maconheiro de merda, perguntou se eu estava com droga, eu falei que não, e mandou eu colocar as mãos na cabeça e abrir as pernas e me revistou”, denuncia o estudante. “Quando eles viram que eu não tinha nada, voltaram a xingar o Gui e expulsaram a gente, falaram que a gente não tinha que voltar para o show”.
Depois, quando estavam deixando o local, disseram que os policiais voltaram. “Os policiais falaram ‘encosta de novo’, jogaram a mochila dele, todas as coisas dele no chão, tiraram o boné da nossa cabeça de novo jogou no chão, fizeram a gente pagar a maior humilhação”, lembra Guilherme.
Thiago acredita que os policiais voltaram a abordá-los porque teriam percebido parte do registro que fez. “Quando eu vi que ele estava vindo, eu comecei a tentar gravar de novo, deixei o celular abaixado, e [o PM] já veio todo agressivo, falando ‘você acha que tá de graça com a nossa cara?'”, lembra. Essa parte foi registrada quando o estudante diz que ele tem direito de filmar e termina com o PM mandando desbloquear o celular.
“Daí eu falei ‘você não tá falando com qualquer um, não, eu sou uma pessoa estudada que sabe seus direitos’ e ele começou a debochar”, prossegue Thiago. “Eu falei ‘você nem tem o direito de abordar a gente porque para abordar você precisa ter fundada suspeita. Qual foi a fundada suspeita? Foi simplesmente a nossa aparência porque tá cheio de branquinho que tá fumando e vocês não vão abordar eles’. E ele ficou puto, começou a gritar ‘você quer ensinar como fazer o meu trabalho?'”, denuncia.
Esse diálogo não foi gravado e, segundo Thiago, o PM mandou que ele levantasse os braços e abrisse as pernas novamente para ser revistado. “Nisso que eu abri as pernas, ele me deu um chute. Eu não sei se a intenção dele era me derrubar, mas ele deu vários chutes na minha perna para abrir mais. Eu coloquei a mão no ferro [grade] para me segurar, ele mandou eu soltar. Ele me revistou de novo, mas essa segunda revista só foi uma desculpa para ele dar um soco nas minhas partes íntimas”, afirma.
O estudante disse que o PM mandou ele desbloquear o celular e que ele só obedeceu porque o policial estava contestando se o aparelho seria roubado. “Ele verificou lá, viu que não tinha nada e começou a entrar no meu WhatsApp. Ele disse ‘cadê o vídeo? mostra aí para mim’. Ele me deu o celular e eu bloqueei de novo. Ele ficou puto, começou a me ofender e perguntou ‘você já foi preso?’ Eu falei que não e ele disse “pois hoje você vai’. E eu falei ‘pois pode levar porque se levar vai vir um monte de gente atrás de mim'”, afirma. Ele denuncia que os policiais também ameaçaram forjá-los por tráfico de drogas.
Thiago ainda teria dito que era youtuber e que os dois foram colocados de costas e depois liberados. “A gente pegou as coisas que eles jogaram no chão, eles liberaram a gente, mas só depois que eu falei que eu sou youtuber, para jogar Chavoso da USP no YouTube, não sei se eles pesquisaram, foi a partir daí que liberaram”, denuncia.
Os jovens afirmam que não viram identificação nas fardas e que pelo menos um dos PMs estaria utilizando câmera no colete. Dois seriam brancos e um negro.
Ambos afirmam que estão avaliando a formalização da denúncia. “Isso acontece todo o dia e não acontece nada”, lamenta Thiago. “O que ficou foram a blusa rasgada e os traumas”, diz Guilherme.
O que diz a polícia
Procurada pela reportagem sobre a abordagem, a Fator F, assessoria terceirizada da Secretaria de Segurança Pública, enviou a seguinte nota:
O Comando de Policiamento atua para identificar os policiais envolvidos na ação relatada para esclarecimento dos fatos. A Corregedoria da Polícia Militar está à disposição para que o jovem formalize sua denúncia.