Zema e governo Bolsonaro comemoram mortes de 26 pessoas pela polícia em MG

Polícia diz que mortes ocorreram porque suspeitos altamente armados reagiram, mas nenhum policial foi atingido. Disparidade entre 26 mortos de um lado e nenhum ferido de outro levanta suspeita de chacina, afirma especialista

Romeu Zema e a caveira do Bope (Montagem Ponte sobre imagem de Partido Novo e PM-MG)
Romeu Zema e a caveira do Bope (Montagem Ponte sobre imagem de Partido Novo e PM-MG)

Uma operação conjunta do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e da Polícia Rodoviária Federal, provocou a morte de 26 pessoas na madrugada deste domingo (31) em Varginha (MG). A ação foi celebrada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pelo governador de Minas, Romeu Zema, e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.

O Ministério elogiou a ação e soltou um “Juntos no combate ao crime organizado!”, com uma bandeira do Brasil.

O governador Romeu Zema afirmou que “em Minas a criminalidade não tem vez”. Na sequência, parabenizou o trabalho dos policiais: “Em Varginha, a PMMG ao lado da PRF, antecipou bandidos do chamado ‘novo cangaço’, em uma das maiores operações da história no combate a esse tipo de crime. Parabéns a todos heróis envolvidos!”

Eduardo Bolsonaro deu também os parabéns e disse que “só vagabundos reclamarão”.

Nenhum sobrevivente

Na chamada operação “Audaces Fortuna Sequitur” (“A Sorte Favorece os Bravos”, em latim), duas chácaras em Varginha foram invadidas pela polícia. Nelas, segundo a polícia, estariam membros de uma organização criminosa, altamente armados e planejando um assalto em massa, como aconteceu em outras cidades e policiais e a imprensa chamaram, de forma imprópria, de “novo cangaço”.

Na primeira, havia 18 pessoas. Os policiais afirmaram que vigias reagiram com armas pesadas, levando-os a abrir fogo. Na segunda chácara, mais oito morreram – também, segundo a polícia, após reagirem.

A Polícia Militar de Minas Gerais deu uma coletiva de imprensa, neste domingo. Apenas os jornalistas que estavam lá presencialmente puderam fazer perguntas. A Ponte acompanhou a coletiva, mas não contava com alguém na cidade para fazer questões.

Alguns desse jornalistas estavam em clima de celebração. Um repórter, que não se identificou, postulou assim sua pergunta: “Magnífico o cerco! Parabéns a toda equipe! (…) O que eu pergunto é o seguinte: se eu acionar os senhores em um caso de assalto em quanto tempo vocês chegam? Só pra avisar a bandidagem”.

A PM afirmou na coletiva que todos os suspeitos foram socorridos, mas nenhum sobreviveu. Segundo eles, é de se esperar que isso acontecesse, porque usaram armas pesadas.

Policiais não mencionaram se, em algum momento, os suspeitos tentaram se render. Mas tenente-coronel do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar de Minas Gerais, Rodolfo César Morotti Fernandes, afirmou: “Nós conseguimos obter êxito para que ninguém fugisse”. 

Armamentos apreendidos pela PM e PRF | Foto: Divulgação | Polícia Militar

“Preferi que eles perdessem a vida”

Inspetor Aristides Junior, chefe da Comunicação Social PRF em Minas, disse que a ação foi planejada por meio da inteligência da PRF. Segundo ele, o Bope buscou apoio polícia rodoviária para achar os locais dos possíveis infratores.

Ele também afirmou: “Eu preferi que eles perdessem a vida do que alguns dos nossos policiais. A ideia era fazer uma punição desses indivíduos, mas, quando viram os policiais, partiram para o confronto. Era uma ação de guerra, eles utilizam armamentos de guerra, explosivos, muita gasolina. A ideia desses criminosos era fazer uma grande ação de guerra em Varginha, ou na região”.

A porta-voz da PM de Minas Gerais, capitão Layla Brunella, usando o mesmo termo que o governador Romeu Zema, considerou a operação como “provavelmente a maior já realizada contra o chamado ‘novo cangaço’”.

O uso do termo “novo cangaço” tem sido frequentemente utilizado por profissionais da segurança pública, em ações como a de Araçatuba, ocorrida no dia 30 de agosto, na qual uma quadrilha fortemente armada assaltou agências bancárias provocando a morte de três pessoas e deixando outras cinco.

Conforme explicou a Ponte em uma reportagem o uso do termo “novo cangaço” em 2021 é incorreto e anacrônico. Não há qualquer semelhança entre a dinâmica das quadrilhas modernas motorizadas e a de bandoleiros que circulavam pelo sertão a cavalo nos anos 1930.

O Inspetor Aristides também falou sobre a letalidade: “Não vamos comemorar nenhuma morte, mas sim uma ação precisa de um trabalho conjunto com a inteligência da PRF. Ações como essa sempre serão pautadas na legalidade. A gente só fez aqui responder à altura o risco que os policiais sofreram”.

Suspeita de chacina

A Ponte ouviu Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública pela PUC- SP e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais.

Segundo ele, a operação levanta suspeitas de uma possível execução pela desproporção no número de mortos em apenas um lado do conflito. “Ocorrências com grande letalidade sempre precisam ser investigadas. A versão oficial é de confronto, mas como no caso recente do Jacarezinho no Rio de Janeiro, logo podem aparecer provas de execuções e massacre. Se nenhum policial morto ou ferido, a suspeita é de chacina e não de confronto.”

O advogado também lembra que a PM e a Polícia rodoviária não são policias investigativas. E que isso pode indicar certa precariedade da ação. “Estranhamente, estavam investigando a quadrilha, o trabalho de inteligência é de competência da Polícia Civil. Isso mostra que a Policia Civil está cada dia sendo mais desestruturada pelos governos.”

Ariel Castro ainda pondera sobre falas como as de Zema, do Ministério da Justiça e do filho do presidente: “Uma polícia eficiente não é a que mata em grande quantidade e sim a que previne crimes e prende. Esse tipo de ocorrência é altamente suspeita de excessos. A violência policial e ações desse tipo geram votos e publicidade aos governos.”

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Em nota, a Polícia Civil de Minas Gerais informou que os corpos foram removidos para o Instituto Médico Legal André Roquette, em Belo Horizonte, onde serão submetidos a exames de necropsia e identificação, mas não respondeu como colaborou nas investigações anteriores à ação. “Quanto à investigação, a competência ainda será definida. Mais informações serão repassadas em momento oportuno”, disse em nota à reportagem.

A Ponte também questionou a PM-MG, após a coletiva, sobre se algum suspeito tentou se entregar, qual o endereço ou regiões dos sítios em que houveram os confrontos, e se a perícia confirmou o confronto. Em resposta à reportagem, a porta-voz da PMMG, capitão Layla Brunnela disse que não houve rendição por parte dos suspeitos. “Eles receberam os nossos policiais tanto da PRF, quanto da PM com tiros.” Sobre a perícia, Layla informou que o local está sendo periciado e que “todas as providências da policia judiciária estão sendo tomadas normalmente como de praxe em qualquer uma das ações”.

A porta-voz da PMMG também alegou que a Polícia Civil de MG não participou das investigações que culminou com a operação, mas que agora “participa na investigação dos corpos e na investigação posterior aos fatos. Os levantamentos preliminares que deram origem a essa operação partiram da Polícia Federal, da PRF e da PM”, concluiu.

*Esta reportagem foi atualizada às 21h42 de 31/10/2021 para a inclusão das respostas da porta-voz da PMMG, capitão Layla Brunnela.

Atualização às 09h05 de 01/11/2021: o total de mortos era listado no título como 25; o correto são 26.

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