“A polícia não pode ser inimiga do povo, nem o povo precisa ter medo da polícia”, diz Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de SP e criador do comitê dedicado a combater o racismo na corporação
A Ouvidoria das Polícias de São Paulo lançou um comitê para discutir o racismo nas polícias de São Paulo. A Câmara Técnica, coordenada pelo ouvidor Elizeu Soares Lopes, tem membros da Polícia Civil, da Polícia Militar e acadêmicos.
Desde julho de 2020, conforme noticiado pela Ponte, movimentos sociais, pesquisadores e familiares de vítimas de SP tentam fazer parte do comitê. Nessa reunião inicial cerca de 20 coletivos puderam participar, entre eles o Movimento Independente Mães de Maio, a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a ONG Conectas e a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP).
À Ponte, o ouvidor Elizeu Soares Lopes conta que a iniciativa da criação do grupo de trabalho foi da própria Ouvidoria. “A escolha de seus integrantes foi pautada pela representatividade que eles têm na sociedade e pela contribuição que eles podem dar neste debate e que já deram ao longo de suas trajetórias”.
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Para Elizeu, o grupo é composto “tanto por pessoas que conhecem a temática da violência contra o negro como por profissionais que conhecem a realidade do sistema de segurança pública do Estado de São Paulo”.
Entre os profissionais do sistema de segurança pública estão Leandro Gomes Santana, coronel da PM e diretor da Polícia Comunitária e Direitos Humanos da corporação, Evanilson Correa de Souza, tenente-coronel da PM e membro do grupo revisor do Manual de Direitos Humanos da PM, e Elisabete Sato, delegada-geral adjunta da Polícia Civil.
Representando a sociedade civil estão Gil Marcos Clarindo Santos, presidente do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de São Paulo, José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, Juarez de Paula Tadeu Xavier, professor da Unesp, e Eunice Aparecida de Jesus Prudente, professora de direito da USP e ex-secretária de Justiça de SP.
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“Quero trazer propostas factíveis, que possam ser implementadas pelas polícias e que efetivamente tragam melhorias para a população paulista. A polícia não pode ser inimiga do povo, nem o povo precisa ter medo da polícia. É isso que buscamos”, completa Elizeu.
O ouvidor ainda pontua que “o grupo terá total autonomia para discutir, entre si, com a sociedade civil, com a academia ou com quem mais quiser, quais propostas serão apresentadas. Minha única diretriz, como já ressaltei, é que sejam propostas que possam efetivamente ser implementadas”.
Para Débora Silva, fundadora do movimento Mães de Maio, a ausência de movimentos sociais e antirracistas da periferia no grupo é muito grave. “Eles vão discutir coisas sem saber da nossa necessidade, das nossas lutas, das nossas pautas”.
“Ninguém nunca entrou em contato conosco. Não somos invisíveis, somos mães, mulheres, que lutam há mais de 15 anos. É uma luta sobre a violência policial em cima da população pobre e negra. O movimento Mães de Maio deveria compor esse comitê. Somos lei no estado de São Paulo“, afirma Debora.
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A ativista aponta que “montar um comitê para intelectuais para sobre discutir a violência contra a população negra é uma falácia, é enxugar gelo. É a mesma coisa que falar que a polícia vai investigar a polícia quando sabemos que não há investigação. O comitê já nasce para não ir para lugar nenhum. Ele já nasce para colocar um muro na sociedade civil para ela não se sentir representada”.
Além do movimento Mães de Maio, afirma Débora, há outros segmentos combativos que poderiam ter sido chamados. “Como o padre Júlio Lancellotti, que defende com unhas e dentes a população em situação de rua. Temos várias organizações no fronte das quebradas, que é onde o Estado mais atua violando direitos humanos, violando os direitos da gente existir”.
Débora Silva também aponta que o movimento Mães de Maio nunca conseguiu dialogar com a nova gestão da Ouvidoria. “As declarações dele [do ouvidor] impedem o diálogo, se renega a presença do movimento, que sempre teve toda a liberdade na gestões anteriores da Ouvidoria”.
“[Agora] é uma Ouvidoria que atua por relatórios e não de atuação como deveria e almejávamos. Vemos esse ouvidor tirando o poder dos movimentos sociais e colocando o poder para intelectuais. Quando o ouvidor não fala a língua da população mais vulnerável e dos movimentos sociais, como o movimento das Mães de Maio, achamos que essa ouvidoria não nos representa”, completa.
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Para Débora, a população negra e pobre “não pode ser descartável, mesmo que a gente saiba que o Brasil descarta os indesejáveis com o extermínio da população. Estamos aqui para dizer não, não aceitamos que essa reparação histórica que nunca aconteceu seja feita na ponta do fuzil ou atrás das grades”.
A reportagem também conversou com Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que aponta que o imaginário coletivo ainda associa segurança pública como assunto de polícia. “Como se policiais fossem os únicos detentores de um monopólio de saber fazer política pública de segurança. Obviamente é uma inverdade”.
O pesquisador aponta há uma polícia “extremamente violenta, seletiva e racista, em que as práticas não são questionadas como deveriam. Ainda que seja fundamental a presença policial nesse comitê, é muito incoerente que não existam grupos da sociedade civil participando dessa tomada de decisão”.
“A democracia depende justamente da abertura de espaços diversos e plurais, então é um delírio acreditar que um espaço de tomada de decisões que exclua esses grupos mais afetados pelas decisões tomadas, como é o caso dos movimentos de mães, dos movimentos de jovens periféricos, e escolhe incluir somente agentes institucionais, vai dar certo, achando que essa é a resposta contra o racismo institucional e estrutural das polícias”, finaliza Dennis.
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