Poeta e slammer, Mel Duarte falou sobre a força da palavra e as inspirações da literatura e do hip hop para escrever seus versos no oitavo episódio da Academia de Literatura das Ruas
Mel Duarte descobriu na poesia e no slam a melhor forma de expressar seus sentimentos e as inquietações relacionadas às vivências enquanto mulher negra. Desde adolescente ela considera a escrita uma válvula de escape e de autoconhecimento que a levou a ser, hoje, umas das principais escritoras da nova geração brasileira. A poeta, slammer e produtora cultural participou da Academia de Literatura das Ruas na última quarta-feira (16/6) e conversou com Jessica Santos, editora de relacionamento da Ponte, sobre carreira e sua formação como escritora. A live foi transmitida no canal do Youtube da Ponte.
A paulistana introduziu-se na literatura em 2006 e desde então publicou seis livros, entre eles Fragmentos Dispersos (2013), Negra Nua Crua (2016) e Querem nos calar: Poemas para serem lidos em voz alta (2019). Neste ano, Mel lançou o livro Colmeia, em que comemora 10 anos de carreira com poesias escritas desde 2012 e outras inéditas. A obra também traz prefácio da poeta Elizandra Souza e depoimentos de Ryane Leão, Preta Ferreira e Emicida.
Durante o bate-papo, a poeta conta que desde criança se identificou com a escrita e se inspirava em imagens para escrever, influenciada pelo trabalho do pai como artista gráfico: “comecei a escrever porque eu me encantei com as palavras, pela forma que elas rimavam, como elas se encontravam e resolvi me aventurar de uma forma bem despretensiosa”. O gosto pela poesia, segundo ela, nasceu quando ganhou um livro escrito pelo poeta português Fernando Pessoa e passou a buscar mais obras do gênero.
As referências de autores negros da literatura só vieram quando ela começou a frequentar os saraus na adolescência e se deparou com Elizandra Souza e Cidinha da Silva declamando as poesias. Mel fala que foi descobrindo outras autoras negras a partir da antologia de poemas Cadernos negros, de 1998.
“A partir dos saraus, começo a me reconhecer nesse lugar da literatura preta e entender que era algo possível gostar de poesia. Toda vez que eu falava isso para as pessoas, elas perguntavam o porquê como se fosse algo muito chato, porque estamos acostumados a ter acesso a poesia, na escola, de uma forma distante e até muito burguesa, uma linguagem que não nos favorece e nos auxilia em nada”, afirma sobre sua identificação com os saraus que a levou a conhecer o slam.
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A poeta lembra que sua primeira apresentação foi no Sarau da Brasa, na Brasilândia, e que, apesar do nervosismo, sentiu uma sensação de liberdade na poesia falada. Ela também já integrou os coletivos Poetas Ambulantes e Slam das Minas SP.
Afetividade e negritude
As poesias de Mel Duarte carregam palavras de afeto, luta e resistência de corpos negros. A preferência por uma escrita mais subjetiva e sobre as relações afetivas acontece, segundo a escritora, pelo fato de observar o mundo ao seu redor nesta perspectiva. Na conversa, Mel conta que suas vivências também foram determinantes para escrever sobre as relações sociais, raciais e de gênero.
“Quando coloquei meus textos mais românticos, sobre amor, nos saraus e até nos slams, eu tive um retorno muito legal das pessoas e comecei a perceber que falamos muito pouco sobre isso dentro dos lugares que frequento”, pontua. Apesar da literatura feminina ser muito atrelada às histórias de amor, Mel fala que não quer ser reconhecida apenas nesse lugar.
Para ela, é importante equilibrar o tema das poesias entre sentimentos de amor e raiva como forma de se posicionar diante das problemáticas sociais. Ao mesmo tempo, Mel dedica sua escrita ao afeto: “eu quero ouvir mais sobre amor e quero que as pessoas falem mais sobre isso. Então, se eu quero ouvir, eu também preciso falar”.
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Em 2019, a poeta lançou Mormaço- Entre outras formas de calor, um disco de poesia falada sobre afetividade. “Temos muito o que reclamar e o que falar mal ainda, infelizmente. É importante que a gente se posicione, e agora mais do que nunca. Mas, quando que afaga? Quando que a gente se acalma? Quando damos um tempo nisso tudo e a gente lembra que o amor é revolucionário”, considera. A editora de relacionamento da Ponte também lembra da importância de romances trazerem histórias de afetividade entre pessoas negras, cujas narrativas não se resumem só às suas lutas.
Acerca do processo de escrita, Mel conta que trabalha o ritmo de suas poesias lendo em voz alta durante a criação e escutando músicas instrumentais. Entre as referências literárias, a poeta destaca o trabalho das escritoras negras Victoria Santa Cruz, Maya Angelou, Ryane Leão, Audre Lorde, Sueli Carneiro e Stela do Patrocínio. A poeta também comenta a importância de reconhecer a obra dos escritores vivos para a própria formação: “a minha relação se deu com autoras negras que eu pude conhecer em vida. Uma das coisas que mais me motivou a escrever foi também me encontrar com os meus”.
Poesia falada
Além dos livros, a escritora desenvolveu o gosto pelo Poetry Slam, uma competição de poesias faladas que nasceu nos Estados Unidos e chegou ao Brasil com a artista Roberta Estrela D’Alva. O ato de declamar suas poesias, mesmo fora das batalhas de slam, ficou conhecido como spoken word ou palavra falada, conta Mel Duarte. A slammer explica que essa modalidade se diferencia por ser mais teatral e acabou viralizando nos EUA.
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Com uma raiz na cultura hip hop, o slam tem relações com o rap também. “Grande parte do meu envolvimento com a poesia é por sempre ouvir muito rap e entender que uma mensagem pode ser passada em três minutos. Olha o que essas pessoas fazem com a palavra, é incrível”, reconhece. Mel diz que ainda hoje busca inspirações nas rimas do rap para os seus versos, e cita o rapper Sabotage como uma das maiores referências do gênero.
A escritora também escuta outros grupos de rap do início do século, como Elo da Corrente, sempre prestando atenção no que as letras têm a dizer. “Eu sempre gostei muito da construção, do que essa galera está falando, que mensagem está passando e como estão passando. Não tem como você não falar de Racionais. Histórias contadas de uma forma incrível e que foge do normal. Não tem como você não se encantar com aquela narrativa”, afirma sobre o rap ser uma possibilidade para explorar novos caminhos.
Mel conta na conversa que gosta de misturar vários estilos musicais, principalmente rap e raggae. Entre as rappers, a poeta é fã de Tássia Reis, da Bivolt, Souto MC e Drik Barbosa. Segundo ela, cada vez mais mulheres estão na cena do hip hop e nas batalhas de slam produzindo trabalhos de impacto.
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Como artista independente, Mel tem um site em que vende seus livros e divulga seu trabalho. Ela fala da importância do apoio às obras feitas por autores e autoras negras. “Historicamente falando nossa história nunca foi contada pelo nosso ponto de vista. Elas sempre foi contada por nós. É importante que cada vez mais pessoas negras possam se comunicar e possam colocar sua palavra ativa. E registrar isso é de uma importância extrema, pois estamos falando de gerações, sobre coisas que ficam agora e vão passar e virão outras pessoas para abarcar”, afirma.
“É muito importante que nós, mulheres negras, não tenhamos medo de falar nossas coisas, de contar a nossa história, de trazer a tona o que a gente pensa. A gente já foi silenciada durante muito tempo e agora não dá mais para voltar atrás. O momento é esse, é o momento de fala e que a sociedade precisa aprender, de fato, escutar as coisas que estão sendo ditas”, prossegue.
A escritora acredita na comunicação como chave para a mudança na sociedade. “A palavra é uma ferramenta de transformação social muito importante”, ressalta. Mel conta que tem projetos ligados à poesia e à música para publicar em breve. Este mês, ela lançou “Passa a bola”, canção e clipe que fez com o cantor Thiago Malakai.