Relatório chama de “execução” a morte de Felipe Barbosa da Silva, 23, e Vinícius Alves Procópio, 19. Sargento André Chaves da Silva e soldado Danilton Silveira da Silva mataram os dois com diversos tiros à queima-roupa em 9 de junho em São Paulo
A Polícia Civil apresentou o relatório final sobre a morte de dois homens dentro de um carro no mês passado em Santo Amaro, zona sul da capital e paulista, e decidiu representar pela prisão preventiva de uma dupla de policiais militares que já estão presos. Um terceiro PM, que também está preso, mas que negou ter atirado, não consta no pedido.
Os jovens negros Felipe Barbosa da Silva, 23, e Vinícius Alves Procópio, 19 , foram mortos na noite de 9 de junho por tiros disparados à queima-roupa pelo sargento André Chaves da Silva, 46, e pelo soldado Danilton Silveira da Silva, 28, ambos da Força Tática do 1º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, no cruzamento das ruas Doutor Rubens Gomes Bueno e Castro Verde, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista. O momento dos tiros foi gravado por uma testemunha que passava de carro pelo local.
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Segundo o documento, que tem data de 8 de julho, mas que foi anexado na noite desta segunda-feira (12/7) junto ao processo na Justiça comum, é necessário a conversão da prisão temporária para a preventiva do sargento e do soldado, “já que qualquer outra medida cautelar diversa da prisão restará infrutífera. Ademais, a medida é necessária e adequada à gravidade do crime praticado, às circunstâncias do fato, além de necessária para realização de justiça”. O documento é assinado pelo delegado Fernando Moyses Elian, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
O documento ainda pontua que os policiais militares se recusaram falar durante o depoimento no DHPP, mas que no dia do ocorrido sustentaram “que estavam no encalço de um veículo GM Onix, de cor branca, o qual havia acabado de praticar um roubo, entretanto, em determinado momento eles acabaram colidindo com outro veículo, motivo pelo qual, foi possível realizar abordagem. Ocorre que conforme explicitado pelos milicianos os dois indivíduos que estava no interior daquele veículo estavam armados, motivo pelo qual, alegando causa justificante prevista no Código Penal, efetuaram disparos contra aqueles roubadores que por sua vez a óbito no próprio local.”
No entanto, para a investigação, as cenas que revelaram os policiais mirando e atirando nos homens dentro do veículo “falam por si só”. “O que é visto em mencionado vídeo uma verdadeira discrepância no que tange ao fato bruto narrado no momento da apresentação da ocorrência com relação às ditas imagens, portanto, constatando-se cenas incompatíveis com qualquer excludente de ilicitude prevista na legislação pátria.”
A investigação policial também encontrou informações controversas no depoimento das vítimas do roubo. Um homem afirmou que um dos autores do roubo portava uma pistola, mas, segundo a Polícia Civil, “artefato totalmente distinto do que foi apreendido”, dois revólveres. Já uma mulher, que contou ter presenciado a ocorrência, e por isso gravado vídeo foi feito por um policial militar ainda no local, disse aos investigadores que “até o instante de se agachar aquele homem não apontou a arma para os policiais, pois a arma estava apontada para o chão”. Sobre a versão gravada pelo PM Marcelo Silveira de Souza, ela disse ser “equivocada”.
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O relatório final ainda cita que houve uma “verdadeira execução”, e que por conta disso já havia requisitado a prisão temporária por 30 dias, que já está na iminência de vencer, uma vez que os PMs foram presos em 14 de junho. Atualmente, além da prisão temporária solicitada pela Polícia Civil e acatada pela Justiça comum, os PMs André e Danilton estão presos devido pedido de prisão preventiva solicitada pela Corregedoria para Justiça Militar. No âmbito militar, ambos os PMs aguardam um julgamento de um habeas corpus, agendado para ser analisado na próxima semana pela 2° Instância do colegiado, após ter sido recusdo pelo relator do processo.
Laudos
O relatório ainda aponta informações importantes sobre os laudos elaborados pelo Instituto de Criminalística. No local da execução, foram encontrados 19 estojos de calibre .40, a mesma arma utilizada pela polícia, e um cartucho de pistola 380 milímetros. “Quanto aos achados relacionados no laudo pericial local, verifica-se a considerável quantidade de estojos que foram encontrados e correspondentes ao calibre utilizado pelos policiais militares. Portanto, remete a excessiva quantidade de disparos por eles realizados”, cita trecho do documento.
Outro dado é a causa morte dos jovens, ambas ocorridas em decorrência de anemia aguda por hemorragia interna traumática.
O caso
Segundo a polícia, Vinícius e Felipe estariam armados e roubando na região, o que justificaria a ação policial. No entanto, os próprios policiais alegam que ambos não atiraram contra eles.
Jorge Baptista Silva Filho era quem dirigia a viatura M-01018, que também trazia o sargento André e o soldado Silveira. Os integrantes da Força Tática chegaram ao local após serem acionados por uma outra equipe, que havia localizado o veículo em que os jovens estavam.
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Para Ariel de Castro Alves, advogado, especialista em direitos humanos e segurança pública e Membro do Grupo Tortura Nunca Mais, “os jovens foram fuzilados”. “O papel dos PMs nesse caso deveria ser de abordá-los e prendê-los e não executá-los sumariamente e à queima-roupa. Não existe pena de morte na legislação brasileira”, disse à Ponte.
Na tarde de 14 de junho Ariel acompanhou os familiares dos mortos até a sede da Ouvidoria da Polícia, na Bela Vista, região central. Ao ouvidor Elizeu Lopes Soares a mãe e o irmão de Vinícius e a esposa de Felipe contaram o que sabiam sobre os últimos minutos de vida dos rapazes. A reportagem teve acesso ao documento, que possui duas páginas.
A esposa de Felipe disse em seu depoimento que o marido trabalhava como motoboy e que, na noite de 9 de junho, recebeu uma ligação do esposo por volta das 19h20, em que foi possível ouvir “moiô, moiô, eles vão matar a gente”. Segundo ela, o marido contou onde estava e se despediu, dizendo que amava a esposa e a filha. Ele ainda teve tempo de pedir para que ela avisasse a família do amigo sobre o que estava ocorrendo.
Durante o depoimento, a mãe de Vinícius Alves Procópio disse que o modo que os policiais militares mataram seu filho e Felipe “parecia um treinamento e não uma ação com vidas”.
Outro lado
Procurado pela Ponte, o advogado João Carlos Campanini, que defende o sargento André, disse que “a prisão dos policiais foi extremamente precipitada e desnecessária. Resta nos autos informações de que os militares não mentiram em momento algum. Resta ainda informações preliminares de que os suspeitos mortos receberam, cada um, sete tiros e não 23 e 27 como vem sendo veiculado. Ainda estamos aguardando novas perícias e exames para demonstrar a legalidade da ação. A quantidade de disparos é necessária até que a agressão (iminente ou atual) cesse. Enquanto o bandido está com a arma em punho, não obedecendo a ordem policial, colocando a vida do PM em risco, ele pode ser baleado.”
A reportagem entrou em contato com a defesa do soldado Danilton Silveira da Silva e com a Secretaria da Segurança Pública e aguarda posicionamento.