Justiça aceita denúncia contra promotora que atropelou coletor de lixo em Ilhabela (SP)

Janine Rodrigues de Souza Baldomero, da 2ª Promotoria de Justiça de São Sebastião é acusada de expor a vida ou a saúde de terceiro a perigo direto e iminente. O caso aconteceu em 2018 e ela não sofreu procedimento administrativo no MP

Segundo o coletor de lixo, a promotora do MPSP Janine Rodrigues teria se utilizado de seu cargo para impedir a investigação | Foto: Tribunal de Justiça de SP

Em decisão colegiada, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu uma denúncia contra a promotora Janine Rodrigues de Souza Baldomero, da 2ª Promotoria de Justiça de São Sebastião, por atropelar um lixeiro na cidade de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, em outubro de 2018. Com a decisão a promotora irá responder pelo crime de expor a vida ou a saúde de terceiro a perigo direto e iminente incluso no artigo 132, do Código Penal, cuja a pena pode chegar a detenção de três meses a um ano.

Segundo a denúncia do procurador-geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo de março deste ano, no dia 31 de outubro de 2018, por volta das 13h20, na Avenida São João, Janine expôs a vida e a saúde de um coletor de lixo da cidade “a perigo direto e iminente”. Ela transitava pela avenida, quando percebeu que  o fluxo de veículos havia sido interrompido por conta da coleta de lixo feita pela empresa Peralta, na qual um dos lixeiros prensava o material descartado para o recolhimento. 

Nesse momento, conforme a denúncia, a posição em que o coletor de lixo estava para recolher o lixo reduziu o espaço livre na rua e restringiu ainda mais o escoamento dos veículos. Foi quando a promotora, “irritada com a obstrução da via pública, na tentativa de abrir passagem e prosseguir imediatamente em seu trajeto, com consciência e vontade de criar situação de perigo direto e iminente à vida e a saúde” do trabalhador, avançou com o seu carro em direção a ele, “atingindo-o no abdome com o espelho retrovisor e a ponta do para-choque, sem, contudo, lesioná-lo”, diz o texto. 

Na sequência, de acordo com a versão da vítima trazida em um parecer da Corregedoria-geral do Ministério Público nos autos, o coletor e o motorista do caminhão seguiram o veículo da Promotora de Justiça e conseguiram alcançá-la na balsa de travessia para a cidade de São Sebastião, acionando a Polícia Militar. Segundo o coletor de lixo, Janine teria se identificado como Promotora de Justiça e determinado ao policial militar que se retirasse do local. O lixeiro então dirigiu-se até a Delegacia de Polícia de Ilhabela e registrou um boletim de ocorrência.

Segundo o procurador de justiça Mário Antonio de Campos Tebet, em resposta à defesa preliminar de Janine, o policial militar Rodrigo de Souza Lopes contou que “logo após os fatos, nas imediações do local da ocorrência, a denunciada foi abordada e, sem externar qualquer preocupação em saber se algo de mais grave havia ocorrido com a vítima, identificou-se como Promotora de Justiça, como se isso lhe conferisse imunidade penal, afirmando que estava com pressa e não poderia perder a balsa”.

Tebet sustenta ainda que a autoridade policial não podia tomar qualquer providência investigatória após a lavratura do boletim de ocorrência. “Afinal é atribuição exclusiva do Procurador-Geral de Justiça conduzir a investigação de fato criminoso cuja autoria se atribui, ainda que em tese, a membro do Ministério Público.”

A vítima diz ainda que fez o BO, mas a Promotora de Justiça, “agindo com abuso de autoridade, entrou em contato com o Promotor de Justiça de Ilhabela, que seria recém-ingresso na carreira, e determinou-lhe que arquivasse o procedimento, afirmando que, caso contrário, o prejudicaria junto à Corregedoria-Geral do Ministério Público, onde ela teria muitos conhecidos, inclusive amigos íntimos, em especial o Doutor Alexandre Mourão Tieri, ‘que sempre arquiva as representações que são apresentadas contra ela’”.

A ausência de justa causa para a ação penal e o fato de que a Corregedoria do Ministério Público arquivou um procedimento administrativo instaurado sobre o ocorrido foram os argumentos trazidos na defesa prévia de Janine. Fora isso, foi requisitada a reprodução simulada do fato e um laudo pericial que pudesse apontar a existência de dolo de perigo concreto no ocorrido.

Ainda assim, por 17 votos a 7, o Órgão Especial recebeu a denúncia e abriu a ação penal. “A denúncia é apta a deflagrar a fase judicial da persecução penal. Atendidos todos os requisitos do artigo 41 do CPP, na medida que contém a exposição do fato criminoso imputado à denunciada, suas circunstâncias, a classificação do delito e as provas que a acusação pretende produzir”, disse o desembargador João Francisco Moreira Viegas, relator do caso.

Assim como o procurador Tebet, o desembargador Viegas aponta que a investigação do crime se dá a partir do procurador-geral de Justiça uma vez que o suspeito é membro do Ministério Público. 

O magistrado ainda declarou que as vítimas relataram o ocorrido com segurança e riqueza de detalhe e que é “desnecessário, nesse momento, a realização de reprodução simulada ou de qualquer exame pericial, eis que inexistente controvérsia sobre a dinâmica dos fatos, também, porque questões relacionadas à dimensão da via, aos veículos e à velocidade imprimida, não afastam, em princípio, a periculosidade da conduta”. 

Discordando do entendimento da maioria, o desembargador Damião Cogan, avaliou que nenhuma lesão ocorreu. “Propor-se ação penal nessas condições é invariavelmente se levar a uma solução absolutória, havendo desnecessidade de passar-se pelo processo sem que exista alguma prova segura”, disse Cogan, que acrescentou: “A ação penal não é uma aventura”.

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Para o desembargador Xavier de Aquino, os elementos trazidos no processo são insuficientes e que o “Boletim de Ocorrência sequer mereceu abertura de inquérito policial, sendo de pronto arquivado na primeira hora pela autoridade policial de Ilhabela”. 

A reportagem entrou em contato com o Ministério Público de São Paulo, para saber se a promotora seguirá exercendo suas atividades no órgão normalmente e se o MP dará sequência ao procedimento administrativo contra a promotora e aguarda retorno.

O Tribunal de Justiça de São Paulo disse que “os magistrados não se manifestam sobre processos em andamento, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura”.

Outro lado

A Ponte questionou os advogados Rogério Luis Adolfo Cury, Daniela Marinho Scabbia Cury e Levy Emanuel Magno que fazem parte da defesa da promotora Janine Rodrigues de Souza Baldomero sobre possíveis inconsistências nas acusações contra a promotora e sobre os próximos passos da defesa e aguarda respostas.

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