Disputa por eleição deixa ouvidor das polícias de SP indefinidamente no cargo

Mandato de Elizeu Soares Lopes se encerrou no domingo (6/2); divergência em divulgação de votos de lista tríplice e representações de deputados estão sendo analisados desde novembro de 2021 pela Secretaria de Justiça e Cidadania

Ilustração: Antônio Junião/Ponte Jornalismo

O Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo) convocou uma reunião para terça-feira (8/2) para discutir as eleições para a Ouvidoria das Polícias para o biênio 2022-2024 e o funcionamento do órgão. No domingo (6/2), o mandato do ouvidor Elizeu Soares Lopes, que está no cargo desde fevereiro de 2020, foi encerrado e o governador João Doria ainda não nomeou um novo ocupante.

O processo eleitoral foi suspenso após a Secretaria de Justiça e Cidadania, da qual o Condepe é vinculado, receber representações sobre o resultado da votação, em 9 de novembro de 2021, que ocorreu de forma remota e foi transmitida pelo YouTube. Na ocasião, os mais votados para compor a lista tríplice foram Renato Simões, indicado pelo ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania), com nove votos, e Alderon Pereira da Costa (ex-ouvidor de 2014 a 2016 da Defensoria Pública) e Claudio Aparecido da Silva, indicados respectivamente pela Associação Rede Rua e pela pela Sociedade Santos Mártires, ambos com oito votos cada. Elizeu recebeu quatro votos, ficando de fora da lista, e os votos em branco também foram quatro. Na publicação do resultado no Diário Oficial do Estado, porém, Elizeu apareceu com oito votos na tabela, a informação de quatro votos no texto de explicação do procedimento e votos brancos apareceram como zerados.

De acordo com o presidente do Condepe Dimitri Sales, houve um erro na publicação no Diário Oficial e foi solicitada a retificação, que não ocorreu. “Deveria ter sido feita uma retificação para que os recursos interpostos fossem analisados e aberto um novo prazo [para contestação]. Sem a errata, não dá para considerar os recursos [que questionavam a votação]”, explicou na época. A divulgação da lista definitiva estava prevista para 2 de dezembro do ano passado, conforme o edital.

Além de Elizeu, os deputados estaduais Coronel Telhada (PP) e Douglas Garcia (PTB) entraram com pedidos de impugnação do processo eleitoral contestando essas divergências. Elizeu questionou que o resultado foi mostrado em uma “planilha editável” e que não houve emissão de um “boletim de urna”. Os parlamentares alegaram que o resultado teria sido manipulado. As representações foram protocoladas por eles, respectivamente, em 19, 18 e 17 de novembro do ano passado. Os deputados são coautores de projeto de lei na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) que extingue a Ouvidoria das Polícias.

Às vésperas da data em que lista definitiva seria publicada, a Ponte questionou a Secretaria de Justiça e Cidadania, em 30 de novembro, sobre o andamento da apuração, a qual havia respondido que ainda estava em análise. Procurada novamente nesta segunda-feira (7/2), a pasta disse que Elizeu permanecerá no cargo com base no decreto decreto 60.020/2013, que determina enquanto não há decisão sobre nova nomeação, responderá pelo expediente do órgão seu último titular “a fim de evitar prejuízo aos trabalhos”.

A secretaria também disse que a eleição foi conduzida pelo Condepe e que “em razão da necessidade de diversas retificações e considerando a representação feita pelo deputado estadual Coronel Telhada, que apontou itens que ainda carecem esclarecimentos, o processo segue em instrução visando comprovar a higidez e lisura do pleito”.

Dimitri Sales defende que houve lisura durante a votação e que todos os candidatos teriam participado de uma reunião no dia anterior, em 8 de novembro, sobre o sistema eleitoral. “Os candidatos foram convidados, Alderon, Vera, Claudinho participaram da reunião. O candidato Elizeu, não. Nesse dia, foi apresentada toda a plataforma, foram tiradas dúvidas, esclarecidos sobre a segurança da plataforma, sobre o sigilo do voto, tudo isso”, disse à reportagem.

Com o mandato encerrado, o presidente do Condepe afirma que o órgão estar sem um ouvidor é “grave” e que, se Elizeu continuar atuando no cargo, configura-se uma atuação “irregular”, pois “não goza de respaldo moral, legal e da sociedade civil, porque não é possível reconduzí-lo por decreto”, já que ficou de fora da lista.

Segundo Sales, o conselho vai solicitar uma audiência com o procurador-geral de Justiça Mario Sarrubbo a fim de avaliar possível cometimento de improbidade administrativa pelo governador João Doria (PSDB) e pelo secretário de Justiça e Cidadania Fernando José da Costa. “Como o processo eleitoral foi obstruído, é possível considerar crime de improbidade administrativa por deixar de prestar contas e gerar a descontinuidade do serviço público”, afirma.

Sobre a resposta da secretaria, disse que “um decreto não pode se sobrepor à dispositivo de lei complementar. Se assim prevalecer, um ato comum revogaria dispositivo de legislação que lhe é superior”. “Sem que haja a retomada do processo eleitoral e seja o titular da Ouvidoria da Polícia escolhido a partir de lista tríplice elaborada pelo Condepe, qualquer ocupante do cargo exercerá mandato ilegítimo, desonrando a função de controle externo das polícias paulistas”, declarou Sales.

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A Ponte procurou o ouvidor Elizeu Soares Lopes, mas não teve resposta. A assessoria do órgão disse que não se manifestaria pois cabe à Secretaria de Justiça e Cidadania prestar esclarecimentos.

O advogado Elizeu Lopes foi nomeado em 2020 e assumiu o lugar do sociólogo Benedito Mariano que disputava a recondução do cargo na época, já que o ouvidor tem um mandato de dois anos que podem ser prorrogados por mais dois. Benedito tinha ficado em primeiro lugar na lista tríplice, ou seja, foi o mais votado, enquanto Elizeu estava em terceiro e acabou nomeado pelo governador João Doria. Essa foi a primeira vez, em 25 anos desde a criação da Ouvidoria, que um ouvidor não foi reconduzido ao cargo.

ERRATA: A reportagem tinha como título anterior Com eleição travada, SP está sem ouvidor das polícias. No entanto, o ouvidor Elizeu Lopes está ocupando o cargo além do período legal previsto no mandato, conforme nota da Secretaria de Justiça e Cidadania. Este texto foi alterado às 19h52, de 07/02/2022.

A reportagem foi atualizada às 12h32, de 08/02/2022, para incluir a informação de que Elizeu Lopes quebrou uma tradição de 25 anos em que um ouvidor eleito no mandato anterior costumava ser reconduzido ao cargo.

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