Justiça ignora testemunha e primos estão presos há um mês suspeitos de roubar motorista de aplicativo

Advogado de defesa afirma que jovens foram agredidos pela vítima com consentimento de policiais

Rodrigo e Jonnatha | Foto: Reprodução

Os primos Rodrigo Gonçalves Bonfim, de 20 anos, e Jonnatha José Gonçalves dos Santos, 21, estão presos desde o dia 18 de janeiro deste ano, acusados de terem participado de um assalto a um motorista de aplicativo no bairro da Brasilândia, zona norte da cidade de São Paulo. Parentes dos rapazes garantem que eles não participaram da ação criminosa, pois estavam juntos em frente a casa de um deles. 

No boletim de ocorrência feito na 72º DP (Vila Penteado), consta o motorista de aplicativo foi atender a uma corrida na rua Alfredo Lúcio, mesma via onde moram Jonnatha e Rodrigo. De acordo com o depoimento dado pelo motorista, no momento que parou o carro para a entrada do passageiro, surgiram três homens anunciando o roubo. Um deles estaria armado e ordenou que a vítima ficasse no banco do carona.

Ainda segundo o relato do motorista, os assaltantes teriam desconfiado que ele era policial porque viram uma foto em seu celular onde um amigo aparecia usando uma balaclava. Depois disso, ele teria sido colocado dentro do porta-malas do veículo com as mãos amarradas e sofrido diversas ameaças, enquanto o carro teria rodado ainda por cerca de trinta minutos.

No boletim de ocorrência a vítima informou que em um determinado momento o carro parou e ele ouviu os homens usando a expressão “vamos fazer o velho”. De acordo com o relato do motorista, assim que o porta-malas foi aberto ele acertou um chute na região abdominal de um dos criminosos e conseguiu pegar a direção do veículo e fugir do local, se dirigindo até o 18º Batalhão da Polícia Militar onde pediu ajuda.

Os PMs Leonardo Carlos Raccioni Galante e Alberto Balbino Da Costa Neto, em depoimento ao delegado João Claudio Pereira Paes, informaram que foram avisados pela própria vítima sobre o ocorrido e prontamente foram fazer patrulhas pela região. Os policiais afirmam que localizaram os dois rapazes e que eles tinham as mesmas características físicas descritas pelo motorista. 

A dupla ainda disse que no momento da abordagem Rodrigo e Jonnatha, que estavam na rua, correram para dentro de casa. Ao serem detidos, foi encontrada uma arma de brinquedo com Rodrigo. Os policiais afirmaram que a vítima reconheceu o jovens “sem sombra de dúvidas” como os autores do assalto.

Defesa e família rechaçam versão policial

O motorista afirma que a ação criminosa aconteceu por volta das 16h. Neste horário, câmeras de segurança localizadas na mesma rua onde ocorreu o assalto mostram que Rodrigo e Jonnatha estavam na frente da casa onde mora a família de um deles. Essas imagens foram entregues pela defesa esta semana ao juiz do caso, João Batista Galhardo Júnior, estão entre as provas de que os rapazes seriam inocentes.

Uma outra peça para defesa é testemunho de um jovem que mora na rua onde aconteceu o roubo e presenciou a abordagem ao motorista. Ela afirma que os jovens não estavam no momento em que o veículo foi levado. 

“Os familiares localizaram uma testemunha que os procurou e disse, inclusive com o print da foto do celular, da hora que ele ligou 190 para avisar a polícia sobre o assalto.  Ele viu tudo acontecer e disse que não batia as características físicas, nem as roupas que os rapazes vestiam”, conta o advogado Luiz Felipe Deffune De Oliveira, que defende Rodrigo e Jonnatha.

Um outro vizinho chegou a testemunhar a favor de Jonnatha e Rodrigo no mesmo dia em que eles foram presos informando que esteve até às 20h com os rapazes e que eles ficaram o tempo todo em casa. Esse amigo informou na delegacia que viu naquela tarde a arma de airsoft que Rodrigo tinha .

Janielly de Cassia é irmã de Jonnatha. Ela afirma que o amigo do irmão é praticante de paintball e por isso tinha uma arma de brinquedo em casa. “O Rodrigo é um menino muito caseiro. Ele não sai de casa, nem em festa da família ele vai. Se perguntar sobre eles para qualquer pessoa aqui da rua só vão dizer coisas boas sobre eles”.

Reconhecimento como única prova de acusação

Apesar de terem duas testemunhas a seu favor e imagens que mostram que eles não estavam no local do crime no horário indicado, os primos permanecem presos há quase um mês tendo como a única prova de acusação a palavra da vítima. O artigo 226 do Código de Processo Penal recomenda que reconhecimentos pessoais sejam feitos ao lado de outras que tiverem alguma semelhança com o acusado e após a vítima descrever as características físicas do autor do crime.

“Posso dizer com toda franqueza que quando cheguei na delegacia a vítima não estava preservada. Muito pelo contrário,  estava o tempo todo dentro do batalhão da Polícia Militar conversando com os policiais. O delegado perguntou se ela reconhecia os rapazes como os autores do roubo e ela disse que sim. E acabou, não houve reconhecimento”, lembra Luiz Felipe Deffune De Oliveira.

O advogado diz ainda que seus clientes lhe informaram que foram agredidos pela vítima com autorização dos policiais militares. Nas 170 páginas do processo não consta o laudo do Instituto Médio Legal que foi pedido pela Polícia Civil no dia da prisão dos primos. “Meus clientes afirmam de forma categórica que foram agredidos. Os policiais deram aval à vítima para bater nos meus clientes”.

A mestre em criminologia pela Universidade de São Paulo, Débora Nachmanowicz, analisou o processo da prisão de Jonnatha e Rodrigo, a pedido da reportagem, e também ressalta a questão do reconhecimento dos rapazes como uma possível falha na condução do caso. “A gente tem, de fato, mais uma prisão que a única coisa que mantém eles como suspeitos é o reconhecimento pessoal. A vítima mesmo diz que ficou pouco tempo só com com os assaltantes no carro e depois ficou meia hora no no porta-malas. Isso é uma situação de stress alto e tem que ser levado em consideração”.

Mas para o Ministério Público de São Paulo a palavra da vítima e dos dois policiais como únicas testemunhas foram suficientes para que o pedido de prisão dos rapazes fosse pedido. “Anoto que há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva, conforme se depreende dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão, do boletim de ocorrência alusivo aos fatos, das declarações prestadas pela vítima, do auto de exibição e apreensão de fls. 16, do auto de reconhecimento de pessoa de fls. 17 e dos demais expedientes acostados aos autos”, declarou em seu pedido o promotor Caio Bueno Bandeira Lins De Moraes.

Ajude a Ponte!

Diante o pedido feito pelo MPSP, a juíza  Gabriela Marques da Silva Bertoli, decidiu por converter a prisão em flagrante de Rodrigo e Jonnatha em preventiva, quando não há previsão de tempo para que os acusados fiquem detidos até o julgamento. “Não se trata aqui de decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena, mas sim de que as medidas referidas não têm o efeito de afastar o acusado do convívio social, razão pela qual seriam, na hipótese, absolutamente ineficazes para a garantia da ordem pública”, escreveu em sua decisão a magistrada.

O que diz a polícia

A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre as prisões e o relato de agressões. A In Press, assessoria terceirizada da pasta, respondeu com a seguinte nota:

O caso foi registrado pelo 72ºDP, onde os suspeitos foram reconhecidos pela vítima e, em seguida, autuados em flagrante. O caso foi relatado e encaminhado para apreciação da Justiça, não mais retornando para novas diligências. Qualquer alegação ou elemento novo deve ser apresentado pelas partes ao Poder Judiciário que pode requerer novas providências caso entenda ser necessário.

O que diz o Ministério Público

Procurada, a assessoria do órgão encaminhou a seguinte nota:

Os documentos juntados pela defesa serão analisados, durante a instrução as provas serão analisadas. 

O Ministério Público busca sempre a verdade real. Se não houver provas, o pedido será de absolvição e de liberdade dos envolvidos. 

Se houver provas, o pedido será de condenação e manutenção da prisão.

A reportagem foi atualizada às 17h47, de 11/2/2022, para incluir as respostas do MP e da SSP.

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