Após 30 anos, prisão para assassinos do Carandiru segue indefinida

Julgamento sobre a duração das penas dos PMs envolvidos no massacre foi adiado nesta terça (22) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo; para especialista, caso ganhou ‘dimensão política’

O julgamento que poderia definir as penas de 74 policiais militares que foram condenados pelo Massacre do Carandiru foi suspenso pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na manhã desta terça-feira (22/11). O desembargador Edison Aparecido Brandão pediu vista do processo para ter mais tempo para analisar os autos e disse que não haverá risco de prescrição, ou seja, de perda do direito de responsabilização dos envolvidos no massacre. 

Os magistrados devem analisar um pedido da defesa dos PMs para que haja redução nas penas estabelecidas pelo Tribunal do Júri em 2013 e 2014. As condenações dos policiais já estão confirmadas desde a última quarta-feira (16/11) quando uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o fim do processo. As sentenças dos 74 PMs somam mais de 600 anos de prisão pelos homicídios qualificados, com o uso de “recurso que dificultou a defesa das vítimas”, tentados e consumados. 

O procurador Maurício Antonio Ribeiro Lopes, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), se manifestou a favor do reconhecimento da manutenção das penas já estabelecidas e pontuou o conjunto de provas materiais de que presos foram alvejados pelas costas. “Houve de tudo, menos qualquer humanidade nessa atuação”, afirmou.

Lopes também destacou como o massacre foi relatado em diversas obras como o livro do médico Dráuzio Varella, Estação Carandiru, e lembrou os versos de A Carne da cantora Elza Soares, assim como a música Haiti de Caetano Veloso e Gilberto Gil. “111 presos indefesos, quase todos pretos. A carne mais barata do mercado é a carne negra”, completou.

Já o advogado Eliezer Pereira Martins, que representa a defesa dos PMs, disse que os policiais são “pessoas de bem” que agiram diante de uma “rebelião” e são hoje sexagenários. Ele cobrou uma revisão das penas, a questão da qualificadora dos homicídios e para que seja levado em consideração o Código de Processo Penal (CPP) e o Código Penal Militar (CPM). O julgamento ainda não tem data para ser retomado.

Indefinição do caso

Na avaliação do tenente-coronel da reserva da PM paulista Adilson Paes de Souza, doutor em Psicologia e mestre em Direitos Humanos, o adiamento do julgamento coloca ainda mais dúvida sobre a responsabilização dos policiais em um processo que se arrasta na Justiça há décadas e se tornou emblemático.

“Nós já vimos de tudo nesse processo. Armas que sumiram, perícias mal feitas, protelação, desembargador que em recurso de apelação absolveu os réus quando só caberia a ele anular o primeiro julgamento do júri e determinar um novo julgamento”, recorda sobre a decisão do então desembargador e relator da ação no TJ-SP, Ivan Sartori, em 2016. “O Carandiru ganhou uma dimensão política. Então, tudo pode acontecer”, completa.

Caso haja a efetiva condenação, os policiais militares poderão sofrer os efeitos secundários da sentença como por exemplo a perda da patente, da aposentadoria e a expulsão da corporação, além de terem a privação da liberdade. Para Adilson, o julgamento pode repercutir de duas maneiras: de um lado, uma resposta a impunidade, e de outro, com um discurso de “vitimização” dentro da PM.

“Isso pode ter uma dimensão de que o Estado é inimigo dos policiais, um discurso de injustiça, de vitimização de que eles colocam a vida em risco todos os dias e o Estado faz isso com eles. Isso também pode respingar em mais opiniões desfavoráveis ao pessoal que atua em defesa dos direitos humanos. Pode ser também que isso sirva como um aviso, como um freio para os PMs de que não existe impunidade total”, pontua.

30 anos de impunidade

No dia 2 de outubro de 1992, o pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, na zona norte da capital paulista, foi invadida por policiais militares com a justificativa de que uma briga entre dois detentos havia provocado uma “rebelião” no presídio. 111 presos foram mortos durante o massacre. Entre eles, 89 eram presos provisórios que ainda não haviam sido julgados.

O episódio completou 30 anos sem que nenhum PM começasse a cumprir a pena pelos crimes. Em 2016, as condenações chegaram a ser anuladas pelo TJ-SP, mas foram reestabelecidas por uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agora, a expectativa entre os sobreviventes e as famílias das vítimas é de que o caso tenha um desfecho com a responsabilização dos policiais. “Acho que vai trazer um pouco de paz por vermos que eles também podem pagar pelo que fizeram”, comentou o rapper Kric Cruz, 65, sobrevivente do massacre, à Ponte na semana passada.

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A história do Carandiru é contada no documentário Massacre do Carandiru: 30 anos de impunidade, lançado mês passado pela Ponte no Youtube.

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