Prestes a completar dois anos, massacre mais letal do Rio de Janeiro deixou 28 mortos após operação da Polícia Civil em maio de 2021
Familiares de 14 vítimas da Chacina do Jacarezinho, a ação policial mais letal do Rio de Janeiro que deixou 28 mortos em 2021, entraram com ações judiciais indenizatórias contra o Estado. O massacre vai completar dois anos no próximo dia 6 de maio.
Os pedidos, que englobam cerca de 60 parentes, variam de pensão para dependentes das vítimas, como filhos, custas materiais, como gastos com sepultamento, danos morais e tratamento psicológico.
As famílias que ingressaram com as solicitações na Justiça são das seguintes vítimas: Cleyton da Silva Freitas de Lima, Diogo Barbosa Gomes, Guilherme de Aquino Simões, Isaac Pinheiro de Oliveira, Jonas do Carmo Santos, Marlon Santana de Araújo, Márcio da Silva Bezerra, Mateus Gomes dos Santos, Maurício
Ferreira da Silva, Natan Oliveira de Almeida, Richard Gabriel da Silva Ferreira, Rodrigo de Paula de Barros, Toni da Conceição e Wagner Luiz de Magalhães Fagundes.
Dessas, apenas as mortes de Isaac e Richard, de 22 e 23 anos, tiveram policiais denunciados por matar e forjar a cena do crime no ano passado: os inspetores Amaury Sérgio Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil. As demais foram arquivadas pelo Tribunal de Justiça (TJRJ) a pedido do Ministério Público estadual (MPRJ).
Mateus Gomes dos Santos, 21, é a vítima que ficou conhecida após uma foto de seu corpo sentado em uma cadeira plástico roxa numa das vielas da comunidade ter percorrido as redes sociais.
À Ponte, o advogado das famílias, João Tancredo, disse que a responsabilidade da gestão Claudio Castro (PL) vai desde o momento em que as pessoas foram mortas até o modo como a investigação foi conduzida. “Não há dúvida de que todas as vítimas foram executadas pela polícia. Era gente que estava desarmada ou já havia se entregado”, enfatiza.
“O segundo ponto é que eles [policiais] alteraram os locais onde os crimes foram cometidos com a finalidade de dificultar a realização das perícias. O terceiro ponto é o tratamento dado aos corpos das vítimas”, elenca. “As pessoas já mortas, indiscutivelmente mortas, o que é muito grave, foram arrastadas em macas, há marcas de arrastamento [de sangue no chão], violando esses corpos e também diversas regras elementares [de preservação da cena]”, explica.
Para o dano causado pelas mortes, os pedidos variam de R$ 100 mil a R$ 500 mil. Já para os danos causados pela violação dos direitos à investigação adequada e ao tratamento adequado dos corpos, os valores são de R$ 50 mil e R$ 100 mil, respectivamente. As solicitações de pensão para os dependentes variam de um salário mínimo (R$ 1.302 vigente) a R$ 3 mil.
A Chacina do Jacarezinho aconteceu durante uma operação da Polícia Civil sob a justificativa de cumprimento de mandados de prisão na favela do Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia proibido incursões policiais em comunidades durante a pandemia desde julho de 2020, salvo em situação excepcional que deveria ser comunicada com antecedência ao Ministério Público estadual. A decisão integrava a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. O MPRJ declarou, na ocasião, que foi informado apenas três horas depois que a operação tinha iniciado.
Além do descumprimento da ADPF, Tancredo também destaca que as famílias “não tiveram nenhuma assistência” do Estado. “Foi um completo abandono porque essa é a compreensão do Estado em relação aos moradores de favelas, de que são cidadãos que não têm direito a nada”, critica.
A ação deixou 27 civis mortos e um inspetor, André Leonardo Mello de Farias, que foi baleado na cabeça no início da incursão. Corpos foram carregados, cenas de crime foram adulteradas e laudos necroscópicos indicam que os 27 homens foram atingidos por pelo menos 73 tiros no total, conforme a perícia.
Além da foto de Mateus, outra imagem chocante que foi amplamente divulgada foi um quarto infantil com marcas de sangue, em que a vítima Omar Pereira da Silva, 21, foi morto. No caso dele, os policiais Douglas de Lucena Peixoto Siqueira e Anderson Silveira Pereira são acusados, respectivamente, de matar e carregar o corpo de Omar, além de plantarem uma arma.
Com isso, apenas quatro homicídios (Isaac, Richard, Omar e o policial André Farias) viraram ações penais na Justiça. Os outros casos, que compreendem as 24 mortes, foram arquivados.
O que diz o governo
A Ponte procurou a Procuradoria-Geral do Estado, que representa o governo do RJ, mas até a publicação, não houve resposta.