Em visita ao CPP Butantan, Defensoria relatou que o acesso das detentas ao banho de sol é restrito, faltam itens de higiene feminina e os bebês de mulheres encarceradas não têm água quente nem acompanhamento médico
“Não podemos legitimar uma punição dupla, tripla”, alertou a deputada federal Duda Salabert na reunião de 05/11 da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, na Câmara dos Deputados. A comissão discutia o PL 59/2023, que previa fornecimento de papel higiênico, absorventes higiênicos para mães com filhos menores de 6 meses, berço e fraldas para presídios femininos.
O projeto foi rejeitado a partir do voto contrário de seu relator, o deputado Sargento Fahur (PSD/PR): “Na qualidade de relator, este deputado expressa veementemente a necessidade de rejeição do projeto e do substitutivo supramencionado, apontando que a prioridade deve ser o atendimento das necessidade básicas da sociedade livre e não dos que violaram suas leis.”
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O que o tal deputado afirma aqui é que pessoas encarceradas não têm direito a higiene – e nem sequer seus seus filhos. “Ah, Jessica, a família pode levar isso para elas”, algum leitor pode objetar. Apresento então a história de Aurora, que conhecemos durante a saída temporária que minha colega, a repórter Catarina Duarte, cobriu para a Ponte em março deste ano.
Mãe de cinco filhos, Jessica nunca recebeu visita nos dez anos em que está presa. A família se comunica por cartas por não ter dinheiro para o deslocamento entre São Paulo e Araraquara. Neste período, ela ganhou um neto que conheceu por foto e perdeu a mãe. As notícias foram lidas pelas colegas de cárcere, já que Aurora não sabe ler.
Dez anos e nenhuma visita. Este é um dado bem comum e demonstra como a misoginia atinge as mulheres presas. Enquanto em dia de visita as prisões masculinas tem filas, o mesmo não acontece com as femininas. O abandono é mais uma camada que intensifica a desumanização dessas mulheres, esquecidas pelo Estado, pela família, por nós.
Após visita ao CPP Butantan (Centro de Progressão Penitenciária Butantan), o Núcleo Especializado em Situação Carcerária (NESC) da Defensoria Pública do Estado relatou que o acesso ao banho de sol é restrito, faltam itens de higiene, atendimento médico, psicológico e jurídico. Aos bebês das mulheres encarceradas resta água fria e falta acompanhamento médico. Abundam as violações, agressões e humilhações. “Lixo” e “faveladas”, são alguns dos termos que as detentas relataram escutar sobre si por parte dos funcionários do CPP. Ao longo desses anos, a Ponte já colheu relatos de larvas nas comidas, larvas na pele de detentas, epidemias dentro das prisões, chuveiros queimados e toda sorte de condições pelas quais essas pessoas passam.
“Poucas sobrevivem, poucas ficam com a mente no lugar. A grande maioria precisa se dopar para poder dormir ou então para que o dia passe rápido. Eu mesma já me dopei”, relata Babiy Querino, presa sem provas, em artigo publicado pela Ponte em 2020.
Repito o que disse no texto da última semana: toda prisão tem um pouco (muito, eu diria) de tumbeiro. Esse lugar dos sem-nome, sem voz, sem humanidade, que podem ser atirados ao esquecimento. Negar dignidade a essa parcela da população é o mesmo que dizer: morram!
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