Justiça arquiva inquérito sobre jovem cegada na porta de casa pela GCM

Geovanna perdeu um olho e o pai, Joab, foi atingido por estilhaços em 2021, em Osasco (SP). Juíza acatou argumento da promotoria de que versões “conflitantes” não permitiam apurar o ocorrido e desconsiderou vídeos feitos por moradores

Joab e Geovanna Teixeira, pai e filha, ainda sofrem com sequelas físicas e psicológicas de ação de guardas. Ela perdeu um olho ao ser atingida por uma bala de borracha em frente de casa | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

“Revolta” foi o sentimento que a auxiliar de escritório Geovanna Tawanne Carvalho Teixeira, de 24 anos, descreveu ao descobrir, pela reportagem da Ponte, que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) arquivou o inquérito que apurava a ação de guardas municipais que resultou na perda de um de seus olhos e comprometeu parte da visão de seu pai, o ajudante geral Joab Santos Teixeira, 45.

A juíza Gisele de Castro Catapano, da 1ª Vara Criminal de Osasco, acatou o pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) em 21 de novembro. Geovanna foi avisada formalmente da decisão nesta segunda-feira (2/12) e tem 30 dias para recorrer, o que ela já adiantou que vai fazer.

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“É por isso que eles [guardas] fazem o que fazem porque a própria justiça está permitindo”, lamentou a jovem. “É o corporativismo, e o que a gente que vive na periferia recebe”, desabafou Joab à reportagem.

O promotor Fábio Luis Machado Garcez argumentou que as versões das vítimas e dos guardas “são conflitantes” e que não foi possível verificar “as reais circunstâncias do ocorrido”. Ele afirma que no inquérito não foram anexadas imagens de câmeras de segurança que pudessem ajudar a elucidar o caso.

A Polícia Civil não foi atrás dessas imagens nem das que repercutiram nas redes sociais. Em maio de 2021, a Ponte e outros veículos de imprensa divulgaram diversos vídeos feitos por moradores e testemunhas na época que colocam em xeque a versão dos GCMs de que eles foram dispersar um baile funk que estaria acontecendo no bairro.

Os guardas da Ronda Ostensiva Municipal (ROMU) afirmam que Joab resistiu à detenção e que uma das pessoas no local teria puxado a arma do GCM Izaias Augusto de Souza e roubado um carregador com 18 munições. Por isso, teriam usado “de força moderada” para conter o tumulto e fizeram três disparos em direção a Joab, que “estava muito agressivo” e teria agredido com chutes e socos o GCM Izaias.

As imagens não mostram qualquer aglomeração e ainda registram um amigo de Joab sendo agredido pelos agentes da ROMU de Osasco, um grupamento da Guarda Civil Municipal (GCM) instituído em 2019 pelo então prefeito Rogério Lins (Podemos). A tropa segue o modelo “padrão Rota”, em referência às Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, da Polícia Militar paulista.

A família afirma que não havia baile, que o pai estava bebendo num bar próximo de casa e acabou sofrendo agressões depois de um amigo ter reagido a uma cabeçada dada por um dos guardas. No tumulto que se seguiu, pai e filha foram atingidos: ele, por estilhaços de um dos disparos; ela, por um tiro de bala de borracha ao sair de casa para socorrer o pai. Joab ainda estava sendo investigado por suposta resistência à detenção.

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Geovanna perdeu o globo ocular e atualmente usa uma prótese que precisa ser trocada, mas a família não tem dinheiro para arcar com o valor — o preço é de aproximadamente R$ 20 mil. O exame de corpo de delito de Joab, feito pelo Instituto Médico Legal (IML) na época, identificou que ele foi atingido no rosto a dois metros de distância e registrou lesões no braço e no tronco. “Com esse olho, enxergo como se fosse um vidro de box de banheiro embaçado, meio opaco. Para ler as coisas de longe, tenho dificuldade”, descreveu ele à reportagem.

manual da Polícia Militar de São Paulo determina que o disparo de balas de borracha deve ser feito a no mínimo 20 metros de distância do alvo e sempre em direção às pernas.

A promotoria pediu a íntegra da apuração feita pela Corregedoria da guarda. O inspetor regional Rildo Hernandes Freire, corregedor da corporação, respondeu em ofício no dia 12 de novembro que a sindicância estava sobrestada — ou seja, estava parada para aguardar a conclusão da investigação da Polícia Civil, mas também não enviou o que havia sido produzido até então na Corregedoria.

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Em seu relatório final, o delegado Maurício José da Silva Pinto, do 8º DP de Osasco, não indiciou ninguém por crimes e voltou a mencionar que Joab e Geovanna não fizeram exames complementares que haviam sido pedidos. O que pai e filha negam, desde setembro. “A gente vai na delegacia, mandam a gente para o IML [Instituto Médico Legal] e lá dizem que precisam de outros laudos e não fazem o exame”, diz Joab.

“A gente não entende por que não aceitam os laudos da internação que têm lá indicando que fiz uma cirurgia e retiraram o meu olho”, inconforma-se Geovanna.

O andamento do inquérito impacta diretamente no pedido de indenização que Joab fez contra a Prefeitura de Osasco, já que o TJSP determinou a suspensão do processo enquanto aguardava a conclusão da investigação no âmbito criminal. A Ponte questionou a advogada Mariana Sobral, que representa a família, sobre isso. Ela pediu nossas reportagens para incluir no processo, mas não informou quais seriam as medidas tomadas.

Geovanna ainda espera a indenização devida pela prefeitura de Osasco. Em 2022, o governo municipal foi condenado a pagar a ela R$ 70 mil por danos morais e estéticos, além de uma pensão vitalícia no valor de um salário mínimo. A pensão a jovem já está recebendo, mas a indenização não chegou. O processo corre em segredo de justiça e a única informação pública que a reportagem conseguiu foi de que a ação está desde 2023 em cumprimento de sentença — ou seja, a prefeitura de Osasco deve cumprir a condenação e que, provavelmente, o caso de Geovanna está na fila dos precatórios, que são as dívidas do governo municipal.

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A família se sente injustiçada e desolada. “Eu não tenho mais esperanças. Só peço saúde para seguir trabalhando”, desabafou Joab.

O que dizem as autoridades

A Ponte pediu entrevista com o delegado Maurício José da Silva Pinto, do 8º DP de Osasco, e com o promotor Fábio Luis Machado Garcez. Também buscamos a assessoria da Prefeitura de Osasco sobre a sindicância e a atual situação profissional dos guardas envolvidos. Até a publicação, não houve resposta.

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