‘Eu dizia não tem pessoa presa inocente, até acontecer comigo’, diz jovem em busca de reparação

    Vitor Oliveira Soares foi preso por roubos que nunca cometeu, com base no reconhecimento de uma única pessoa. Ele e três amigos estavam a quilômetros das ocorrências e não estavam com qualquer objeto roubado

    Vitor Oliveira Soares, hoje com 25 anos, passou um ano e cinco meses preso por crimes que não cometeu, com base no reconhecimento irregular feito por uma única pessoa | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Naquele início de 2019, o então estudante Vitor Oliveira Soares sentia-se empolgado com o rumo da vida, apesar do cansaço com a rotina puxada. Aos 19 anos, ele trabalhava como auxiliar administrativo de dia e cursava sistemas de informação na faculdade à noite, enquanto buscava um estágio na área de TI, que tem salários atrativos.

    No dia 7 de março de 2019, ao chegar da faculdade às 22h33, deixou a mochila em casa, na comunidade Beira Rio, zona sul de São Paulo, e foi encontrar três amigos na rua em que todos eles moravam. Sentaram-se em frente à casa de um deles para bater papo. Começava ali, inesperadamente, um calvário que mudaria tudo na história do jovem: em poucas horas, os quatro seriam detidos no local por assaltos que nunca cometeram — um erro que a Justiça demorou quase dois anos e meio para reconhecer.

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    Eles estavam a quilômetros de distância dos locais dos crimes, sem qualquer um dos objetos roubados, mas mesmo assim foram considerados presos em flagrante pela Polícia Civil. A Justiça converteu a prisão em preventiva, ainda que fossem estudantes sem antecedentes criminais. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pediu condenação com base no reconhecimento ilegal de uma única pessoa, o que ainda foi acatado pelo juiz da primeira instância.

    “Eu acreditava que isso não poderia acontecer. Era uma dessas pessoas que falam ‘não tem pessoa presa inocente’, até ver que isso acontece. E o pior é que não é raro”, lamenta Vitor, hoje absolvido depois de precisar passar um ano, cinco meses e cinco dias preso injustamente.

    Busca sem mandado judicial

    Já era início da madrugada do dia 8, quando os quatro jovens reunidos na calçada viram chegar uma viatura da Polícia Militar. Os dois mais novos, ainda menores de idade e vizinhos de muro, assustaram-se e tentaram correr cada um para dentro de sua casa. Vitor e outro amigo maior de idade, Eduardo, também com 19 anos, permaneceram parados, aguardando a abordagem.

    Os dois menores acabaram alcançados depois pelos policiais, que entraram em suas casas mesmo sem mandado judicial ou autorização para isso. Também invadiram a residência de uma vizinha, alheia à abordagem, para suposta averiguação. Tratava-se de um procedimento operacional padrão contra suspeitos de um assalto, disseram os policiais.

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    Os quatros amigos foram revistados, sem que portassem nada ilícito ou suspeito, e fotografados pelos PMs ali mesmo na rua. Chegaram então reforços. Um dos agentes chegou a chamar Vitor de canto e, ao questionar quem entre eles seria maior de idade, sugeriu que assumisse o roubo de um Hyundai Veracruz. Na sequência, os quatro foram levados ao 16º Distrito Policial, na Vila Clementino.

    A suspeita até então não anunciada pelos PMs era de que os amigos, instantes antes de serem abordados, teriam cometido dois assaltos na região do Jabaquara e tentado matar uma pessoa a tiros.

    Flagrante a quilômetros das ocorrências

    Mesmo a quilômetros das ocorrências, os rapazes foram considerados presos em flagrante. O primeiro assalto tinha ocorrido na esquina entre as ruas Cristóvão Pereira e Ibituruna — a quase três quilômetros da rua Carlos Francisco de Paula, onde Vitor e seus colegas conversavam.

    Na ocasião do assalto, quatro pessoas que saíam de um bar relataram terem sido rendidas por um grupo de quatro assaltantes armados, que chegaram a pé ao local, perto da meia-noite do dia 8. Os criminosos levaram pertences e o carro de uma delas, o Hyundai Veracruz citado pelo PM a Vitor, e partiram para um segundo assalto, na rua Soares de Faria.

    Essa nova ocorrência, a quatro quilômetros de distância do primeiro roubo e a dois da rua em que Vitor estava, ocorreu às 0h30, também na madrugada do dia 8, como registrou uma câmera de segurança da rua. Na ocasião, dois irmãos foram rendidos por quatro criminosos, que chegaram no Hyundai Veracruz. Os assaltantes abandonaram o veículo no local e fugiram com outro carro, uma Chevrolet Tracker que pertencia às novas vítimas.

    Um vigilante que atuava na rua onde houve o roubo tentou interceder, mas acabou atacado a tiros. Ele pôde se salvar ao se esconder na cabine em que trabalhava, à prova de balas. O segundo veículo roubado também foi abandonado posteriormente, na rua Atos Damasceno, a quase três quilômetros da cena do assalto — e a 1,3 quilômetro de onde Vitor estava.

    Imagens do segundo assalto, registradas por uma câmera de segurança, não foram periciadas. Defesa dos jovens presos sustentou que assaltantes tinham estatura e biotipo diferentes | Foto: Reprodução

    Reconhecimento ilegal

    As vítimas de ambos os roubos acionaram a Polícia Militar, que partiu em ronda nos arredores para tentar achar os suspeitos. Uma das pessoas assaltadas na segunda ocorrência disse que teria recebido via e-mail a foto de um dos criminosos e a localização do celular roubado, em razão de um aplicativo instalado no aparelho. O local para o qual teria sido levado era a comunidade Beira Rio.

    Foi quando os policiais militares André Levy Ferreira Carricondo e Paulo Afonso de Jesus Almeida, ao circularem pela comunidade, encontraram Vitor e os três amigos em frente de casa.

    Eles não tinham consigo nenhum dos pertences roubados: celulares, joias ou carteiras. Ainda assim, foram levados para a delegacia, onde seriam submetidos a reconhecimento pelas vítimas.

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    O capítulo VII do Código de Processo Penal, que inclui do artigo 226 ao 228, estabelece uma série de regras para o reconhecimento de um suspeito pela vítima de um crime. Entre elas, se prevê que a pessoa que irá reconhecer alguém deve, antes disso, descrever o sujeito a ser reconhecido. O suspeito a ser reconhecido deve ser colocado ao lado de outras pessoas com características parecidas. Além disso, quando mais de uma pessoa fizer o reconhecimento, elas devem estar separadas, para uma não influenciar o juízo da outra.

    Na ocasião da prisão de Vitor, contudo, ele e os amigos foram dispostos sem qualquer outra pessoa com características parecidas. As vítimas fizeram o reconhecimento juntas, podendo se comunicar. Além disso, o auto do procedimento não trouxe qualquer relato anterior das vítimas de como seriam as características dos assaltantes. Os jovens suspeitos também não tiveram na ocasião o acompanhamento de advogados ou da Defensoria Pública.

    Eles permanecerem em silêncio, em estado de choque, lembra Vitor.

    Um único “reconhecimento” em juízo

    Entre as vítimas do primeiro assalto, uma disse, na delegacia, que os quatro jovens seriam os criminosos e reiterou isso em depoimento posterior, quando o caso já tramitava na Justiça, mas com a ponderação de que o roubo se tratou de uma ação muito rápida, em um local pouco iluminado.

    Uma outra vítima também do primeiro assalto reconheceu Vitor e os amigos na delegacia, mas não compareceu para depor em juízo. Uma terceira vítima disse, à Polícia Civil, reconhecer Vitor e um outro dos amigos dele que, à época, era menor de idade, mas, ao ser interpelada pela Justiça, disse que, na verdade, era Eduardo, o amigo maior de idade, quem se parecia mais com um dos assaltantes.

    A quarta vítima reconheceu Vitor e Eduardo na delegacia, mas disse ter feito isso sem muita certeza, informação que a Polícia Civil omitiu no auto de reconhecimento. Ao depor perante um juiz, essa mesma pessoa vitimada no assalto passou a afirmar que não eram eles os quatro criminosos.

    Dos dois irmãos que foram vitimados no segundo assalto, um deles disse, na delegacia, reconhecer Vitor e um dos menores de idade, mas, à Justiça, já depois de ver o vídeo gravado por uma câmera de segurança, afirmou ter certeza de que não eram eles. O outro irmão relatou desde o início que não conseguiria reconhecer ninguém, por ter ficado rendido deitado durante o roubo.

    O vigilante que escapou de ser baleado incriminou, em um primeiro momento, os dois adolescentes do grupo de amigos. Depois, ao também ver o vídeo da câmera de segurança e reconhecer que estava muito abalado na delegacia, disse que não eram eles os envolvidos. Houve ainda o testemunho de uma moradora que viu da janela de casa a ocorrência: também negou que seriam eles.

    Entre as oito pessoas convocadas, portanto, a reconhecer Vitor e os amigos, apenas uma manteve tanto na delegacia quanto em juízo o entendimento de que seriam eles os quatro assaltantes.

    Prisão “em flagrante” e denúncia do MP

    O auto de prisão em flagrante em desfavor de Vitor e Eduardo foi lavrado pelo delegado Stefan Uszkurat. Os dois amigos então menores de idade foram encaminhados para a Fundação Casa.

    A investigação policial não trouxe perícia ou mesmo imagens da câmera de segurança que flagrou o segundo roubo. Também não foram exigidos exames papiloscópicos, de registro de impressões digitais, nos veículos recuperados ou residuográficos, para identificar eventuais vestígios de pólvora dos disparos nas mãos nos quatro jovens.

    A vizinha que teve a casa invadida pela PM na rua em que os jovens moravam foi ouvida apenas em juízo, assim como outras três testemunhas ignoradas pela Polícia Civil. Todas elas relataram à Justiça que viram os quatro em frente à casa de um deles durante à noite toda, ao menos até as 23h40.

    Na audiência de custódia de Vitor e Eduardo, na tarde do dia 8, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva pela juíza Tamara Priscila Tocci, do Foro Plantão da 00ª Circunscrição Judiciária da Capital, ainda que fossem estudantes, trabalhassem em emprego fixo e não tivessem antecedentes criminais. A magistrada entendeu, no entanto, haver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria de seis crimes de roubo majorado por concurso de agentes e emprego de arma de fogo, além dos crimes de disparo de arma de fogo e corrupção de menores — o que sustentaria a prisão cautelar.

    Olhos que condenam

    O Ministério Público ofereceu denúncia contra Vitor e Eduardo, assinada pelo promotor de Justiça Bruno Carlo Bertini Feria, com base no reconhecimento conduzido pela Polícia Civil. Em manifestação posterior, a promotora Maria Claudia Andreatta Hirt reforçou a procedência da ação penal, pleiteando a condenação de ambos pelos crimes de roubo majorado por concurso de agentes e emprego de arma de fogo, latrocínio tentado e corrupção de menores.

    As imagens gravadas do segundo roubo só chegaram aos autos por iniciativa da defesa. Nelas, é possível ver que os assaltantes vestem blusas pretas e bonés — roupas diferentes das que Vitor e os amigos usavam quando foram presos. Dois deles vestiam camisas de time de futebol. Um dos policiais que os deteve chegou a relatar, em juízo, que tinha recebido via Copom essa informação, de que os suspeitos vestiam camisetas de time. No entanto, isso nunca constou nos registros da PM: a ocorrência era clara sobre a procura por suspeitos com blusas pretas e bonés.

    A defesa reforçou, também a partir das imagens, que os jovens presos sequer se pareciam com os assaltantes flagrados pela câmera, que tinham estaturas e biotipos diferentes. Também por iniciativa de defesa foi levantada a fotografia automática e a localização registrada por um dos celulares roubados, que uma das vítimas recebeu por e-mail. O local indicado é diferente do que estavam os quatros jovens, ainda que fosse na mesma comunidade.

    Já a foto registrada exibe o rosto de um homem que não se parece com nenhum deles. A Polícia Civil e o Ministério Público não trouxeram isso aos autos.

    Pedidos de libertação negados duas vezes

    Ao longo da tramitação do processo em primeiro grau, enquanto Vitor e Eduardo eram mantidos presos no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos II, a juíza Leyla Maria da Silva Lacaz, da 14ª Vara Criminal da Barra Funda (SP), negou por duas vezes pedidos da defesa para que respondessem em liberdade. O Ministério Público emitiu manifestações nessas ocasiões para que a soltura provisória fosse negada.

    Em 10 de março de 2020, já presos preventivamente por um ano, ambos foram sentenciados a dez anos, quatro meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pelo juiz Cláudio Juliano Filho, também da 14ª Vara Criminal. Para o magistrado, a jurisprudência é pacífica em reconhecer a relevância probatória do que diz a vítima em casos de roubo, por ser um delito praticado na clandestinidade.

    “Evidentemente, a palavra das vítimas, em sede de crimes patrimoniais, surge com um coeficiente probatório de ampla valoração. No caso dos autos, não se provou que as vítimas tivessem motivos pessoais para acusarem falsamente os réus”, justificou na sentença.

    O Ministério Público ainda apresentou apelação, inconformado com a sentença, em peça assinada pelo promotor Matheus Jacob Fialdini. O pedido era para que Vitor e Eduardo fossem também condenados pelos crimes de latrocínio tentado em concurso material com os demais delitos e corrupção de menores, o que não havia sido acolhido pela sentença.

    Sem último abraço no pai

    Vitor diz que demorou alguns meses para assimilar que permaneceria preso injustamente, ainda atônito e com uma esperança na Justiça que minguava aos poucos desde o dia em que foi detido. “Eu pensava que não ia ficar ali. Mas passou uma semana, duas, um mês, três meses, até o momento em que veio a minha condenação. Aquilo para mim foi um choque: não é possível que eu vou ficar preso por algo que não cometi”, relembra.

    Ele afirma que, ainda assim, conseguiu manter o equilíbrio com ajuda da família, que o visitava sempre. Foi quando Vitor recebeu a notícia de que o pai, que morava em Maceió, havia morrido. “Foi um momento em que, de coração, eu questionei se valeria a pena ser a pessoa que eu sou, exemplar, que não mexia com nada errado, que queria ter um futuro”, inconforma-se ele, que diz não haver lugar em que se receba mais convites ruins quanto a cadeia.

    “Não pude ver o meu pai pela última vez. Infelizmente, tinha que aceitar que era aquilo, mas não podia me corromper. Eu não tenho ideia de como consegui me manter. Para mim, foi mais Deus na minha vida do que minha força própria”, conta ele, que atravessou a pandemia de Covid-19 preso sem poder nem receber visitas.

    Trecho de carta escrita por Vitor na qual lamentou a morte do pai, ocorrida enquanto ele estava mantido preso injustamente | Foto: Reprodução

    Luz no fim do túnel

    A luz no fim do túnel viria só em 10 de agosto de 2020, quando o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu a ordem, em sede de Habeas Corpus, para que Vitor e Eduardo pudessem responder ao processo em liberdade. Para o ministro, o juízo de primeiro grau não havia apontado qualquer elemento contundente que justificasse a prisão provisória — tendo em vista ainda que os réus eram primários e tinham bons antecedentes.

    A saída do presídio representou, ainda assim, apenas um breve alívio. Se quisesse retomar a faculdade, Vitor teria de refazê-la desde o início. Para conseguir trabalhar, teve de aceitar um emprego sem registro em carteira, de carregador de colchões, oferecido por um conhecido que acreditava em sua inocência.

    “Doía muito: uma pessoa que estudava e trabalhava, que antes era até chamado de senhor, passar a ser tratada como um lixo. Quando eu saí, ninguém queria contratar alguém que tinha passagem [na polícia]. Tentei enviar currículo, mas, a partir do momento em que olhavam os antecedentes, ninguém queria.”

    No andamento do processo em segundo grau, a defesa de Vitor levantou os comprovantes de entrada e saída dele na faculdade no dia dos roubos pelos quais foi acusado, além de fotos que ele tirou na sala de aula na ocasião. Também trouxe aos autos a rota percorrida por ele ao longo daquele dia, com base em registros anotados ininterruptamente pelo Google Maps em seu celular — comprovando então que ele nunca estivera nos locais onde ocorreram os assaltos.

    Já a defesa de Eduardo montou uma linha do tempo. Os assaltantes deixaram o local do segundo assalto às 0h38, já que a ação durou oito minutos, conforme registrou a câmera. Com base em projeções do Google Maps, teriam chegado ao local em que a Chevrolet Tracker foi abandonada em seis minutos. De lá, se fossem os quatro amigos os criminosos, eles poderiam ter feito correndo o trecho até a rua em que moravam em 13 minutos. O relógio marcaria, enfim, 0h57.

    A PM afirma que os abordou à 1h da madrugada. Portanto, Vitor e os amigos teriam tido três minutos, a partir do momento em que chegaram ao local da abordagem, para se livrar de todos os pertences roubados e das armas de fogo que supostamente dispunham. Nesse pequeno intervalo, ainda teriam trocado de roupa.

    Ainda assim, o Ministério Público manteve o pedido de condenação, argumentando, em resposta à nova prova da defesa, que os registros do Google Maps não poderiam garantir que o jovem estava em posse do celular na ocasião. Em peça assinada pelo promotor Luis Guilherme Gomes dos Reis Sampaio Garcia, o MP alegou que as regras de reconhecimento pessoal previstas no artigo 226 do Código de Processo Penal se tratariam de mera orientação, sem caráter cogente. Portanto, o descumprimento delas não comprometeria a higidez da prova produzida.

    O procurador de Justiça Salvador Francisco de Souza Freitas também assinou parecer reforçando o pedido do MP pela condenação ampliada a Vitor e Eduardo. No entanto, a 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) absolveu ambos por unanimidade, em acórdão relatado pelo desembargador Roberto Caruso Costabile e Solimene.

    O magistrado destacou que, diferentemente do alegado pelo MPSP, o reconhecimento pessoal só é apto a identificar o autor de um crime se tiver cumprido as formalidades previstas no CPP — que não se tratam de meras orientações, conforme pacificou a 6ª Turma do STJ.

    “Em matéria de condenação criminal não bastam só os indícios, porque a prova há de ser concludente, estreme de dúvidas, na medida em que apenas a certeza pode autorizar responsabilização penal”, disse o juiz. Também participaram da sessão que absolveu Vitor e Eduardo, em 8 de novembro de 2021, os desembargadores Luiz Fernando Vaggione, Francisco Orlando e Alex Zilenovski, este último sem voto no julgamento.

    Vitor, ao lado da tia Maria: ‘Quero que isso chegue longe, para mostrar que hoje tem muito erro [na Justiça] ainda, que aquilo foi um absurdo’ | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Busca por reparação

    Passados mais de três anos desde a absolvição, Vitor já não mantém contato com os outros três amigos detidos naquela noite de 2019. Aos 25 anos, ele agora é casado e pai de uma menina. Não retomou a faculdade, mas conseguiu alcançar um bom cargo em uma empresa do ramo de transportes.

    Neste período, a família tentou convencê-lo a ajuizar uma ação contra o Estado em busca de reparação, o que ele só aceitou fazer no ano passado. O processo é conduzido pelos advogados Ingryd Silvério dos Santos e Nugri Bernardo de Campos. Até então, Vitor preferia manter discrição sobre o trauma que sofreu, para tentar esquecê-lo. “Eu queria ter colocado uma pedra em cima dessa história, fingindo que nunca aconteceu. É algo muito difícil de lembrar, porque ainda não aceitei”, desabafa.

    “Independentemente de eu não ter feito nada, é vergonhoso para mim. Não sei como as pessoas vão me olhar. Eu não sou muito de me importar, mas é muito difícil aceitar que fui preso sem ter feito nada. Infelizmente, eu tenho que dar a minha cara a tapa para ser um exemplo. Quero que isso chegue longe, para mostrar que hoje tem muito erro [na Justiça] ainda, que aquilo foi um absurdo.”

    Em primeira instância, o pedido de indenização foi negado pela juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo. Ela entendeu que a prisão preventiva de Vitor foi justificada e que não houve erro judiciário.

    O que dizem as autoridades

    A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), o MPSP e o TJSP sobre as imputações feitas pelos diversos agentes públicos envolvidos no caso a Vitor, que, ao final da ação penal, se mostraram infundadas, tendo em vista a absolvição dele.

    “A denúncia foi oferecida ao Judiciário com base nas provas do inquérito policial”, escreveu, em nota, o MPSP, cujo o rol de atribuições inclui, além do oferecimento de denúncias em ações penais, a solicitação de novas diligências ou do arquivamento de indiciamentos.

    O TJ-SP, por sua vez, comunicou não se manifestar sobre questões jurisdicionais: “Os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento. Essa independência é uma garantia do próprio Estado de Direito. Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos previstos na legislação vigente”.

    A SSP-SP não deu retorno ao menos até a atualização mais recente desta reportagem.

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