Dez cidades paulistas concentram 60% dos casos de mortes por policiais

Além da capital, entre os municípios de maior letalidade estão Santos, Guarujá, São Vicente, Bauru, Sorocaba e Campinas — juntos eles somam 394 vítimas em 2024. “É uma escolha política”, afirma pesquisadora do Sou da Paz

Ato promovido pela Coalizão Negra Por Direitos no dia 4/12/19, em São Paulo, pediu fim da violência policial | Foto: Sergio Silva/Ponte Jornalismo

Ryan Santos, de 4 anos, Guilherme de Oliveira, 18, e Matheus Silva, 19, têm em comum a marca da violência. Os três foram mortos por policiais militares em serviço nas cidades de São Paulo que registraram os maiores índices de letalidade policial no ano passado.

Dez municípios paulistas — de um total de 645 — concentram 60,6% de todas as mortes desse tipo no estado: juntos, eles somam 394 vítimas. Entre eles estão Santos, São Vicente e Guarujá, áreas em que aconteceu a Operação Verão. Contudo, Bauru, Sorocaba e Campinas, no interior, também integram a lista das cidades com maior letalidade policial [veja gráfico a seguir]. 

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O levantamento foi divulgado pelo Instituto Sou da Paz, com base nos dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) e do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). Em todos os dez municípios houve aumento nas mortes praticadas por policiais de 2023 para 2024 — os dois primeiros anos da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em Osasco, a alta foi de 450%.

Para Malu Pinheiro, pesquisadora do Instituto Sou da Paz, o aumento das mortes é resultado do afrouxamento do controle das forças policiais, respaldado por falas do secretário da segurança pública Guilherme Derrite e do próprio governador Tarcísio. “Por isso, apesar de o aumento ser maior nas cidades alvo de atuação da polícia, como o caso dos municípios da Baixada Santista, percebemos que as ações com desfecho letal ocorreram de forma generalizada pelo estado”, alerta ela.

A pesquisadora avalia que a gestão de segurança pública sob Tarcísio e Derrite tem sido resistente à ampliação das formas de controle do uso da força policial. “Ao longo desses dois anos, diversos posicionamentos tanto do governador quanto de seu secretário da pasta corroboraram uma atuação mais letal das polícias, que têm resultado num grande número de vítimas desses confrontos, inclusive crianças e adolescentes, aumentando a sensação de insegurança da população paulista”, diz Malu.

Marco, Clóvis e Matheus

A capital paulista é a cidade com maior número de mortes. Em 2024, 184 pessoas foram mortas pela Polícia Militar em São Paulo. O número é 100% maior do que o registrado no ano anterior. Uma das vítimas foi o estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos. Desarmado, Marco Aurélio foi morto quando estava encurralado no portão de um hotel, na Vila Mariana, bairro rico da capital. 

Clóvis Marcondes de Souza, 70, foi outra vítima. O idoso foi baleado por um PM do 8º Batalhão quando ia à farmácia no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. A versão apresentada pela PM à época foi de que a equipe perseguia uma dupla em uma moto quando ocorreu um disparo “acidental”.

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A ponta de um fuzil foi usada para perfurar o pescoço de Matheus Menezes Simões, 21, morto em fevereiro de 2024 na Brasilândia, zona norte de São Paulo. O jovem recém tinha realizado o sonho de comprar uma motocicleta quando foi morto por um policial militar. Um vídeo registrou o momento em que o PM saiu de trás do poste com o fuzil apontado e foi em direção à motocicleta em que Matheus estava.

Após o encontro com o PM, a motocicleta seguiu desgovernada e bateu num carro estacionado. Matheus morreu no local. A Justiça de São Paulo entendeu que o caso foi uma ação de legítima defesa

Familiares e vizinhos fazem protesto pedindo justiça para o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, morto em uma ação policial no Morro São Bento, em Santos (SP) | Foto: Ailton Martins/Ponte Jornalismo

Mortes na Baixada

Santos, São Vicente e Guarujá também aparecem na lista. A população pobre dos três municípios foi diretamente afetada pela Operação Verão — que levou terror à região da Baixada e deixou 56 pessoas mortas. No ano passado, apenas em Santos, 46 pessoas foram mortas. O número é 156% do que foi registrado em 2023, quando 16 mortes do tipo ocorreram.

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A violência não poupou nem mesmo crianças e adolescentes. Ryan da Silva Andrade Santos, 4, foi morto quando brincava perto de casa, no Morro São Bento, em Santos. Na mesma ação, também morreu o adolescente Gregory Vasconcelos, 17 anos. A investigação sobre as mortes acontece em sigilo, mas um laudo pericial obtido pelo jornal O GLOBO mostrou que o disparo contra Ryan veio da arma de um policial.

Denúncias de violações feitas por moradores e familiares de vítimas foram levadas à Organização das Nações Unidas (ONU). Tarcísio foi formalmente citado na denúncia, que também incluiu relatos feitos durante a Operação Escudo — que ocorreu no ano anterior.

Violência pulverizada

A política de morte de Tarcísio e Derrite não alcançou somente a Baixada. Municípios da região metropolitana e do interior paulista também registraram aumento nas mortes. Em Bauru, foram 13 mortes. Familiares de vítimas têm se mobilizado em protestos para cobrar por justiça e reparação. A mobilização é mais intensa desde a morte de Guilherme Oliveira, 18, em outubro do ano passado. 

O jovem foi morto por policiais militares e teve o velório invadido por agentes. A mãe e o irmão de Guilherme contaram ter sido agredidos durante a abordagem. De lá para cá, foram oito protestos na cidade e mais denúncias envolvendo mortes e tentativas de violação.

Leia também: Familiares de vítimas da PM relatam intimidação durante vigília de oração e velório em Bauru

O caso mais recente ocorreu no dia 11 deste mês. Igor Gabriel da Silva Santos, 27, foi morto com quatro tiros disparados por policiais do 13º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), que alegaram suposto confronto após fuga da abordagem.

Os PMs teriam ido ao bairro Vila São João da Boa Vista apurar uma denúncia sobre a presença de um suspeito de homicídio. À Ponte, a família contestou a versão policial, afirmando desconhecer que o jovem tivesse armas ou participação em qualquer assassinato. 

Sem plano de redução de mortes

Em dois anos de mandato, Tarcísio e Derrite não apresentaram um plano voltado à redução da letalidade policial. Os discursos caminharam no caminho contrário. Ambos elogiaram o trabalho da polícia, mesmo diante de denúncias de violação.

Programas que demonstraram impacto na redução da letalidade não foram prioridade por parte da gestão. É o caso do Olho Vivo, que implementou as câmeras nas fardas de parte dos agentes. Estudo publicado em parceria do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, na sigla em inglês) mostrou queda de 66,7% nas mortes pela Polícia Militar comparando os números de 2019 e 2022. O equipamento passou a ser usado em 2020. 

Leia também: PM mantém sem câmeras quatro dos dez batalhões mais letais de São Paulo

A Ponte mostrou que, durante o primeiro ano de governo, Tarcísio deixou de investir R$ 56,8 milhões no programa de câmeras nas fardas. No ano passado, um novo edital foi lançado para compra e substituição dos 10 mil equipamentos atualmente usados pela corporação. 

A compra de 12 mil câmeras, no entanto, foi marcada por polêmicas e alvo de disputa judicial. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o uso obrigatório com gravação ininterrupta do equipamento pela polícia militar. O governo de São Paulo defende que atender à decisão geraria um “valor excessivo” nos custos para o Estado.

O Supremo também determinou a alocação das câmeras nas fardas em locais de maior letalidade policial. A Ponte revelou, porém, que quatro dos dez batalhões mais letais da PM nos últimos quatro anos ainda não possuem câmeras corporais.

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“O secretário possui opções disponíveis para exercer o maior controle de seus agentes, colocá-las em prática ou seguir apostando em políticas letais e pouco eficientes. É uma escolha política”, afirma Malu Pinheiro, pesquisadora do Sou da Paz. 

A pesquisadora também avalia que medidas como o uso de armas não letais, respeitando a proporcionalidade no uso da força, são uma política a ser ampliada. Outro ponto é uma atuação mais rígida das corregedorias e do Ministério Público no controle externo das forças policiais. 

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