Fundadora, ao lado de Railda Alves, da Associação de Amigos/as e Familiares de Presos/as (Amparar), Miriam Duarte recebeu menção honrosa no Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos sexta-feira (28/3), na Câmara municipal

Em meio a uma breve pausa dos vários contatos que recebe diariamente de familiares de pessoas presas e aos quais presta auxílio, a ativista Miriam Duarte, de 62 anos, diz que ficou sem jeito quando soube que seria homenageada. “Fiquei um pouco custosa em responder, meio atrapalhada. Mas aceitei pensando da seguinte forma: não é algo para mim, é para as mães que estão aí nessa mesma luta, na mesma dor”, disse, à Ponte, na véspera da cerimônia de entrega do Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, no qual recebeu uma menção honrosa da Câmara Municipal de São Paulo, na última sexta-feira (28/3).
Leia mais: Ponte comemora 11 anos de luta sábado no Sesc Vila Mariana
Miriam se dedica já há 27 anos a fortalecer as famílias dos que estão privados de liberdade. Do período, 21 foram de atuação por meio da Associação de Amigos/as e Familiares de Presos/as (Amparar), que fundou junto de Railda Alves. Entre outras coisas, a entidade faz o acolhimento dessas pessoas, articula filas de visitas, encaminha denúncias de violações e presta atendimento jurídico e psicossocial.
“Vou para simbolizar a luta coletiva da Amparar e da rede que nos apoia, assim como as famílias que acompanhamos. É uma conquista coletiva”, concluiu a ativista.
A atuação da Amparar apareceu em diversas reportagens da Ponte, como durante a pandemia, em que foi protagonista no apoio aos detentos e às famílias. “Tudo o que explodiu na pandemia já existia dentro do cárcere, então foi uma forma de dar visibilidade. Um momento muito doloroso para as famílias, porque estavam incomunicáveis. A sobrevivência, a alimentação também foi difícil”, lembra.

Drama familiar levou à luta coletiva
Miriam passou a se dedicar aos direitos das pessoas presas em 1998, ano em que os três filhos acabaram recolhidos na antiga Febem (atual Fundação Casa). O mais velho deles, Jhones, foi apreendido por cometer atos infracionais para sustentar o uso de drogas. Em 2000, ele conseguiu se curar do vício, mas acabou assassinado em 27 de março daquele ano — baleado por um policial aposentado em uma tentativa de assalto. Segundo a família, Jhones foi às ruas tentar realizar o roubo após ter sido extorquido por outro policial, que ameaçou colocá-lo de volta na Febem caso não lhe pagasse propina.
Leia mais: Artigo | A visibilidade transmasculina importa e é urgente
Miguel, o caçula de Miriam, também morreu assassinado após deixar a Febem, em 2003. Já Michael, o filho do meio, acabou recolhido no sistema prisional anos depois e ainda hoje lida com sequelas daquele período. A mãe diz que ele passa atualmente por um tratamento em uma clínica de reabilitação, por ter aderido ao uso de drogas em razão dos traumas que sofreu no cárcere.
“Meu filho Michael teve dois AVCIs [acidentes vasculares cerebrais isquêmicos] depois que saiu do sistema prisional, é uma pessoa com deficiência devido à insalubridade de lá. Ele viveu oito anos em um mundo insalubre, torturador, punitivo. Não foi um mundo para se refletir, para sair melhor. É um mundo que pune e que, quando se sai dele, você adoece. Muitos morrem adoecidos. Hoje meu filho faz acompanhamento em uma comunidade terapêutica, porque a prisão persiste”, conta Miriam.

‘A luta transforma’
A ativista diz ter esperança de que o sistema prisional possa mudar, mas reconhece que a Amparar concentra esforços não nessa discussão, mas em fortalecer as famílias, uma demanda sempre urgente. “É algo enraizado, cultural. Desde que as prisões existem elas são dessa forma. Vão mudando os nomes, mas é isso o que está posto: um lugar de tortura, de punição. Então, nossa luta é para a família estar fortalecida, se cuidar, porque não existe um manual para lidar com a pessoa que está presa. A luta é para a família conseguir ajudar quem está lá dentro e buscar algo quando ela sair”, afirma.
“A gente não para, trabalha 24 horas por dia, porque o celular não para, os territórios também não. Então, vou receber a homenagem para dar visibilidade a essa luta, para que as coisas melhorem. A gente acredita que a luta transforma. Nós não sabemos quando, mas ela transforma.”
Assine a Newsletter da Ponte! É de graça
A cerimônia na Câmara que homenageou Miriam também premiou a ativista Olga Quiroga, protagonista na luta por cidadania e moradia digna, e concedeu uma outra menção honrosa à transativista Neon Cunha, referência na defesa dos direitos humanos e das pessoas LGBTQIAPN+.
Os concorrentes ao prêmio são indicados, a princípio, por uma comissão de organizações ligadas aos direitos humanos. São elas: o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Gaspar Garcia, a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo da Arquidiocese de São Paulo, a Comunidade Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a Geledés Instituto da Mulher Negra, a Conectas Direitos Humanos e o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Após essa primeira seleção, os vencedores são escolhidos pelos vereadores que integram a Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara.