No domingo, véspera do Dia Internacional de Visibilidade Trans, ocuparemos a avenida mais importante da maior cidade do país para lutar por direitos. A 2ª Marcha Transmasculina de São Paulo veio para ficar

Visibilidade. Essa palavra pode não significar muito para algumas pessoas, mas, para nós, é um ponto crucial na nossa luta. Embora as transgeneridades existam há séculos, Xica Manicongo está aí para provar isso, até pouquíssimo tempo estávamos ignorados e apagados. O movimento trans organizado no Brasil tem pouco mais de 30 anos. E essas três décadas foram marcadas pela incansável busca por sermos vistos e reconhecidos como seres humanos.
Mas onde estão as transmasculinidades nessa luta e, sobretudo, no imaginário social? Quantas pessoas cisgêneras, mesmo as que se dizem aliadas, conhecem João W. Nery, Anderson Herzer, Leo Moreira Sá, Daniel Veiga, Léo Peçanha e tantos outros pioneiros transmasculinos?
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A vivência transmasculina, nessa sociedade transfóbica, binária, misógina e genitalista, é uma busca eterna para sair do “não-lugar”. Para nós, a negação aos direitos mais fundamentais é diária. Somos a parte mais invisível de uma população que já é extremamente marginalizada e esquecida. Negligenciados em todas as esferas, principalmente no sistema de saúde, que insiste em nos excluir dos cuidados mais básicos.
Boa parte do ódio que a extrema-direita tem das transgeneridades nasceu de uma reivindicação nossa: de usar o termo “pessoas que menstruam” para nos incluir nas lutas essenciais protagonizadas pelo movimento feminista. A nossa humanidade é negada com frequência, e essa exclusão é apoiada e financiada por nomes influentes, como J.K. Rowling, e parlamentares eleitos unicamente com a transfobia como pauta. Todo esse ódio e invisibilidade nos adoece. Entre os meus, a morte chega, principalmente, pelos suicídios. Não é raro chegar notícias de que mais um corpo transmasculino se foi. Suicidados pelo cis-tema que tenta, a todo custo, nos adoecer e apagar.
Questão de saúde mental
Quando falamos da saúde mental de pessoas transmasculinas, os dados são alarmantes: 85,7% dos homens trans no Brasil já pensaram em suicídio ou tentaram contra a própria vida. O percentual foi apontado no relatório “Transexualidades e Saúde Pública”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Mas a nossa vida importa. E muito. Quando se olha para além da masculinidade cisgênera e opressora, é possível enxergar toda beleza e potência que só as transmasculinidades são capazes de produzir. Talvez por isso mesmo que tentam nos invisibilizar a todo custo.
As transmasculinidades mostram, historicamente, uma quebra no pacto misógino e machista de homens cisgêneros. Não precisamos e não queremos a validação deles para ser quem somos. Muito menos os temos como exemplo.
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Podemos ser invisíveis para o mundo, mas, ainda bem, que estamos cada vez mais visíveis para nós mesmos. Aquilombamentos como a Marcha Transmasculina são espaços de cura, de pertencimento, de reconhecimento e muito afeto. Por isso eu sempre reverencio o trabalho de resgate de memória que o IBRAT (Instituto Brasileiro de Transmasculinidades) sempre fez.
10 mil pessoas na primeira marcha
Agora, pelo segundo ano, a organização vai realizar a segunda edição desse ato que já nasceu histórico. A primeira edição, em 2024, contou com mais de 10 mil pessoas, de acordo com dados da PM e CET. É a maior mobilização transmasculina da história do mundo até este momento.
Mais uma vez, teremos corpos transmasculinos dos mais diversos marchando juntos. Nós por nós, coletivamente sempre. Um ato político, com a premissa de fortalecer a cultura transmasculina e reforçar a luta por direitos fundamentais, como saúde, trabalho, moradia e educação. E tudo acontece às vésperas do Dia Internacional de Visibilidade Trans, que, ao redor do mundo todo, busca celebrar nossas existências e agradecer nossa transcestralidades.
O protagonismo da marcha é 100% das transmasculinidades, mas todo mundo que quiser somar nessa luta é só colar com a gente. Para acabar com a invisibilidade e a transfobia, precisamos que todas as pessoas que se dizem aliadas estejam nas ruas lutando por nós.
Serviço:
2ª Marcha Transmasculina de São Paulo
Dia: 30 de março de 2025
Horário: Das 12h às 18h
Local: Avenida Paulista, 1578, São Paulo-SP
Mais informações: @ibratsp
Caê Vasconcelos é homem trans, bissexual, jornalista e cria da periferia zona norte da cidade de São Paulo. É autor do livro-reportagem “Transresistência” (Dita Livros). Foi repórter da Ponte Jornalismo de 2017 a 2021. Tem passagens pela Agência Mural, UOL, DiaTV e CazéTV. Colunista da Revista AzMina de 2023 a 2025, atualmente é jornalista na ESPN Brasil.