Complexo do Alemão vive quatro dias de tiroteio

    Moradores relatam violações praticadas por PMs em operação que teve início na quinta (2). Pelo menos um jovem foi morto. Tiroteios duraram até esta segunda

    Policiais durante operação no Complexo do Alemão. Foto: Reprodução/Facebook Ocupa Alemão

    Medo de ser atingido por uma bala, de ter sua casa invadida por policiais, de sofrer uma abordagem violenta, de ser agredido. Medo de sair de casa e até de se aproximar da janela. O pavor de suportar 12 horas consecutivas de tiroteio. Assim têm se sentido os moradores das favelas do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, onde incursões da Polícia Militar desde a semana passada resultaram em pelo menos uma morte, de Marcos Vinício da Silva Paz Maurício, 24 anos, alguns feridos e na suspensão das aulas nas escolas, que teriam início oficialmente no dia em que as operações começaram.

    “Teve policiais tirando os sapatos e as sandálias de salto das mulheres e batendo nelas com os próprios calçados pra elas delatarem traficantes”, denuncia uma moradora à reportagem. Participaram das operações UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) da região e unidades do COE (Comando de Operações Especiais): BOPE (Batalhão de Operações Especiais), BAC (Batalhão de Ações com Cães), GAM (Grupamento Aeromóvel) e BPChq (Batalhão de Choque).

    Nas redes sociais, vários moradores relataram terem sido vítimas de violações praticadas por policiais. Uma jovem relatou que os pais de uma amiga sua, dois idosos que sempre moraram no mesmo local, foram expulsos da própria casa por PMs da UPP local.

    Saber que a casa onde eles criaram seus filhos foi tomada por essa polícia despreparada com a alegação de somos todos invadidos e ninguém tem documento do terreno é muito triste. Depois as pessoas não entendem pq o morador da comunidade não gosta da PMERJ. Me sinto indignada em saber que esse casal de senhores não tem mais o direito de voltar pra casa e pior sem ter a quem recorrer”, postou ela em rede social (imagem abaixo).

    Postagem de moradora do Complexo do Alemão. Foto: Reprodução/Facebook

    Outra jovem relatou que PMs invadiram sua casa, abriram sua geladeira e beberam água no gargalo da garrafa, como pode ser lido abaixo.

    Postagem de uma moradora do Complexo do Alemão. Foto: Reprodução/Facebook

    Moradora da favela Nova Brasília, a autônoma Camila Santos, de 32 anos, conta que ela e sua família, com medo do tiroteio incessante, evitaram ao máximo sair de casa nos últimos quatro dias, até mesmo para coisas simples, como ir à padaria. “Tem quatro dias que a gente só dorme no chão da sala”, diz ela, que vive com o marido e três filhos em “uma região que dá acesso a áreas muito tensas” do Alemão. É comum entrarem balas dentro da casa pelas paredes e janela do quarto de sua casa. “Tenho medo de estar dormindo, bater um tiro desse e eu não ver, não ter como socorrer”.

    Suas filhas, uma de sete e outra de três anos de idade, já estão traumatizadas. “As meninas escutam qualquer barulho, pra elas já é tiro, elas já saem do quarto e deitam no chão da sala”, conta Camila, que tem ainda um menino de um ano e quatro meses.

    Casas com paredes perfuradas, projéteis no chão e PMs nas ruas. Foto: Betinho Casas Novas/Jornal Voz das Comunidades

    As crianças não vão à escola desde a semana passada em função do clima de tensão que predomina na comunidade. “Teve muito tiro de madrugada e não me senti segura para levar as crianças para a escola”, afirma Camila. A quinta-feira, quando teve início a operação, seria justamente o dia de volta às aulas, não fosse a violência ter impedido o funcionamento normal do Complexo do Alemão. Estabelecimentos comerciais também tiveram que interromper seu funcionamento.

    Uma moradora contou ao Jornal Voz das Comunidades que sua casa foi invadida por um policial da UPP, que quebrou os vidros da porta e revirou seus objetos: “Eu comecei a escutar os tiros, corri pra casa do meu irmão, que fica atrás da minha. Lá é mais seguro. Quando voltei, minha casa tava revirada. Meu vizinho disse ter visto um policial da UPP arrancando minha porta de alumínio e quebrando os vidros da porta para entrar. Ele tentou gritar avisando, mas já era tarde”.

    Os relatos não são diferentes em outras favelas da capital fluminense, como mostram outras reportagens recentes publicadas pela Ponte, nas quais moradores do Conjunto de Favelas da Maré e de Manguinhos, também na zona norte do Rio, e das favelas Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, na zona sul, tiveram suas casas invadidas por policiais sem mandado, sofreram intimidações, ameaças e agressões físicas e verbais.

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    Outro lado

    A reportagem enviou as seguintes questões, por e-mail, à assessoria de imprensa da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro), cujas respostas seguem abaixo de cada pergunta:

    1) Qual o motivo das incursões?
    Incursões de rotina, visando à prisão de criminosos e a apreensão de armas e drogas.
    2) Que unidades da PMERJ participaram das operações?
    Unidades de Polícia Pacificadora da região e as Unidades do Comando de Operações Especiais – BOPE, BAC, GAM e BPChq.
    3) Quantas pessoas foram mortas e quantas ficaram feridas? Quais as suas identidades e em que circunstâncias foram alvejadas?
    Não houve ocorrência de mortos e feridos.
    4) Há relatos de que moradores foram expulsos de suas residências por policiais, de que policiais invadiram e depredaram casas sem mandado e de que agrediram pessoas, pressionando-as para que delatassem traficantes. Como a PMERJ se posiciona a esse respeito?
    A Corporação não confirma esta informação. E ressalta que as denúncias devem ser registradas para que a apuração seja feita. Na Polícia Militar, a Corregedoria Interna disponibiliza o número 2332-2341 para repasse de denúncias contra condutas policiais. Além da Corregedoria Geral Unificada que possui o número: 3399-1199. E ainda temos a Ouvidoria Paz com Voz, que é uma Ouvidoria das UPPs para denúncias, elogios, críticas e sugestões. O serviço funciona diariamente pelo telefone (21) 2334-7599, por meio do site http://ouvidoriaupp.com.br/ e na sede da Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP), situada na Avenida Itaoca, nº 1.618, em Bonsucesso. O anonimato é garantido.
    5) Milhares de crianças foram impedidas de ir à escola em função das operações. Quando as operações são planejadas, a PMERJ não leva em conta a questão do horário de maior circulação de estudantes e trabalhadores das comunidades, por exemplo?
    As operações são planejadas a partir de ocorrências, denúncias e análise destas. As ações obedecem à estratégia tática da Inteligência da Corporação.
    À assessoria de imprensa da PCERJ (Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro), a reportagem enviou as seguintes questões:
    1) Quantas pessoas foram mortas e quantas ficaram feridas? Quais as suas identidades e em que circunstâncias foram alvejadas?
    2) Como foram registradas as ocorrências?
    3) A Divisão de Homicídios realizou perícias nos locais das mortes e investigará suas circunstâncias?
    Segundo informações da Delegacia de Homicídios da Capital, no dia 4 de fevereiro “foi morto a tiros Marcos Vinício da Silva Paz Maurício, de 24 anos, durante troca de tiros com policiais militares ocorrida no Complexo do Alemão”. A instituição afirma que “procedimento policial foi instaurado para apurar as circunstâncias do fato”.

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