Lançamento ocorreu na Uerj, na sexta-feira (22/09), e reuniu Mães de Maio, mães de vítimas de violência policial do Rio, Ponte Jornalismo e pesquisadora em um debate sobre violência de Estado
Fruto de uma parceria entre o Movimento Independente Mães de Maio e a Ponte Jornalismo, o livro Mães em Luta: Dez Anos dos Crimes de Maio de 2006, publicado em 2016, foi lançado na tarde desta sexta-feira (22/09), na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Organizada pelo jornalista André Caramante, da Ponte Jornalismo, e com prefácio assinado por Eliane Brum, a obra reúne 15 perfis de mulheres, todas familiares de vítimas da violência policial no Brasil que transformaram o luto em luta: 13 mães, uma irmã e uma tia de jovens assassinados. Os autores dos perfis são os repórteres da Ponte.
O evento reuniu em uma mesa de debates Débora Silva Maria, do Movimento Mães de Maio; Ana Paula de Oliveira, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, morto aos 19 anos com um tiro nas costas por um policial da UPP de Manguinhos, em maio de 2014, que teve sua história contada no livro; Maria Dalva Correa da Silva, mãe de Thiago da Costa Correa da Silva, assassinado em 2003 por policiais militares no episódio ficou conhecido como Chacina do Borel, no Rio; a pesquisadora Yanilda María González, professora da Universidade de Chicago que estuda violência policial; e a repórter da Ponte Luiza Sansão, que perfilou Ana Paula de Oliveira.
A obra já foi lançada em São Paulo e na Bahia, onde há mães cujas histórias são contadas no livro.
Debora abriu a mesa com uma fala sobre o contexto dos Crimes de Maio de 2006 em São Paulo e a importância da mobilização de familiares de vítimas contra a violência policial, reafirmando a união das mães paulistas com as mães do Rio em uma mesma luta. “As mulheres, quando querem, podem. Estou aqui pra dizer que esta é uma mesa poderosíssima”, disse, apresentando cada uma das componentes da mesa a um público formado majoritariamente por mulheres, algumas das quais também mães de vítimas de violência.
Ela frisou a importância de a violência de Estado ser pautada pela academia e destacou o trabalho de Yanilda com mães de vítimas em Chicago. “A bala que mata lá é a bala que mata aqui”, disse. “A gente não quer mais debater a violência policial. A violência policial tem que ser escrachada pela academia. A academia tem que fazer esse papel, tem que ter esse compromisso. Porque a academia não vai ser perseguida, quem é perseguida somos nós se continuarmos falando. A gente sabe disso”, afirmou Debora, que enfatizou a completa independência e apartidarismo das Mães de Maio e reafirmou a parceria do movimento com a Ponte Jornalismo.
Uma das principais lideranças do Movimento Mães de Manguinhos, favela na Zona Norte do Rio de Janeiro, Ana Paula de Oliveira criticou a maneira como grandes veículos de imprensa criminalizam as vítimas de violência de Estado. “A gente tem que parar de apontar o dedo somente para aquele que aperta o gatilho, porque a gente entende que há uma estrutura muito maior e muito mais forte do que apenas esse policial que assassina. Não é só o policial que puxa o gatilho e tira a vida dos nossos filhos, o autor direto, mas também o Judiciário. A gente não pode deixar de falar desse sistema que nos mata, que nos criminaliza, assim como todas essas vítimas, e também a grande mídia. Foi por causa da criminalização e da lavagem cerebral que as grandes mídias fazem na população que me deu um empurrão. Porque pra eles não basta só matar, é preciso criminalizar as vítimas”, enfatizou.
Maria Dalva, que está na luta por Justiça desde que seu filho foi morto na Chacina do Borel, em 2003, falou sobre o arquivamento de casos de vítimas de violência de Estado no Rio e criticou a investigação, pela própria polícia, de crimes praticados por policiais. “Polícia que investiga polícia não adianta nada”, disse. Ela também reforçou o apartidarismo da luta das mães. “Nós temos apoiadores, mas não temos partido, não somos bandeiras eleitoreiras. Nem somos escadas para partido político”, enfatizou, arrancando aplausos. “A nossa cobrança com os partidos políticos é que eles façam o trabalho deles, sejam comprometidos”, completou.
As três ressaltaram a importância da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, que une e fortalece a luta de familiares de vítimas no Rio de Janeiro. “O papel da Rede é esse, fazer os primeiros atendimentos, encaminhar os familiares para fazer o registro da ocorrência, procurar a Defensoria Pública. Até um atendimento psicossocial a Rede faz. Então nós estamos desenvolvendo esse trabalho e este ano nós resolvemos que queremos respostas, buscar quem está com a caneta, cobrar que cada um faça o seu trabalho”, disse Dalva.
A pesquisadora Yanilda María González falou sobre o sistema político e social que reproduz a violência, e a responsabilidade de cada ator social nesse contexto. “Nós, como acadêmicos, estudantes, jornalistas, militantes sociais, deveríamos nos fazer algumas perguntas para pensar a nossa responsabilidade na reprodução da violência e como podemos agir de outra forma, para tentar realmente mudar essa situação”, disse.
A repórter Luiza Sansão apresentou o livro “Mães em Luta: Dez Anos dos Crimes de Maio de 2006” para o público, ressaltou a responsabilidade social do jornalismo no combate à reprodução de discursos legitimadores das mortes e do encarceramento da população das periferias e exaltou a potência da luta das mulheres para que as histórias de jovens assassinados por policiais não sejam esquecidas.