‘Eu espero ser absolvida pela Justiça para poder tocar minha vida’

    Jéssica Monteiro, a grávida que deu à luz quando estava presa acusada de tráfico de drogas, tenta reconstruir a vida ao lado dos dois filhos

    “Filhos, estou aqui para falar para vocês que Deus nunca dá uma cruz mais pesada do que aquela que podemos carregar. As coisas que acontecem em vossas vidas são provas de que podemos superar tudo”. Amamentando o pequeno Enrico, de apenas três meses, Jéssica Monteiro, de 24 anos, lê em voz alta uma das anotações que fez em um pequeno caderninho. Logo que saiu da prisão, ela ficou provisoriamente em uma ocupação no Brás, região central de São Paulo, com outras 23 famílias. O local é alvo de um processo de reintegração de posse.

    No início de abril, ela retornou à ocupação na Luz, onde vivia quando foi presa suspeita de tráfico de drogas. É justamente esse episódio, ocorrido no dia 9 de fevereiro, que fez com que a história de Jéssica ficasse conhecida. Grávida, entrou em trabalho de parto na carceragem da delegacia e foi levada a um hospital, o que fez, inclusive, com que ela se ausentasse na audiência de custódia que iria decidir se ela ficaria presa ou não. A Justiça paulista decidiu pela manutenção da prisão de Jéssica e os primeiros dias de vida do recém-nascido Enrico foram passados em uma cela junto da mãe. “O bebezinho estava comigo dentro de uma cela, com vários presos em volta e tomando friagem”, lembra. Jéssica foi colocada em liberdade no dia 16 de fevereiro, depois que o desembargador Carlos Bueno, ao analisar dois recursos em favor dela, considerou que era um caso “de efetiva soltura da paciente” para prestar assistência ao recém-nascido em liberdade provisória. O processo por tráfico de drogas continua tramitando e, agora, Jéssica só deseja ser absolvida pela Justiça para tocar a vida.

    Na esteira da repercussão do caso de Jéssica, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que mulheres grávidas e mães de crianças até 12 anos que estejam em situação de prisão provisória (que ainda não foram condenadas) têm o direito de ficarem em prisão domiciliar até o caso ser julgado.

    Foto: Ana Beatriz Felício

    Em um quarto mal iluminado, um ventilador briga quase inutilmente com o calor daquele sábado em que Jéssica recebeu a reportagem da Ponte, no dia 17 de março, quando ela ainda estava na ocupação no Brás. O pequeno local servia como quarto, cozinha e sala, onde há uma TV ligada em um desenho animado qualquer. Em um espaço nos fundos da ocupação, um chuveiro e um vaso sanitário precisavam ser divididos entre todos os moradores.

    Ao lado do filho Kauãn, de 3 anos, e do pequeno Enrico, Jéssica relembrou de tudo o que aconteceu e disse que até hoje não consegue compreender. “Eu estava dormindo com meu filho e na hora que acordei, me deparei com policiais à minha porta. Abri e eles entraram. Como é de rotina, começaram a revirar a minha casa. Me colocaram em outro quarto e falaram que tinha droga na minha casa e que iriam me levar para delegacia”, conta. No mesmo dia, a polícia prendeu também um homem chamado Oziel Gomes da Silva, que de acordo com os policiais, estava envolvido com tráfico de drogas. Algumas reportagens chegaram a dizer que Oziel era marido dela. “Eu nem o conhecia, apenas de vista. Mas eles quiseram me levar junto com esse rapaz e eu fui atrás na viatura, por uma coisa que eu nunca tinha visto na vida, mas infelizmente é assim”.

    Logo que saiu da prisão, voltou para casa, mas em um primeiro momento sentiu que não suportava mais ficar no lugar onde havia presenciado tanta humilhação e decidiu procurar outra moradia. Conseguiu um lugar no Brás, mas por conta de algumas desavenças com os moradores do local, precisou superar o trauma e retornar ao local onde foi, segundo ela, presa e acusada de um crime que não cometeu. Outro fator que pesou para que isso ocorresse foi a preocupação de uma possível reintegração de posse do imóvel.

    A reportagem tentou procurar o nome do proprietário do imóvel, para saber sobre o andamento do processo, mas não obteve sucesso. Além disso, questionou o Ministério Público e a Prefeitura de São Paulo sobre o tema, que afirmam não terem qualquer ligação com o referido caso, já que se trata de propriedade particular.

    Foto: Ana Beatriz Felício

    O marido, que trabalha com carreto, ganha alguns trocados no final de semana e a única renda fixa mensal que possuem são R$49,00 do programa social Bolsa Família. Apesar das dificuldades, Jéssica acredita em reconstruir a vida e guarda toda a esperança nos 3 filhos. Além dos dois meninos, a desempregada é também mãe de Bruna, de 8 anos, que mora com o pai em Minas Gerais. É justamente no pequeno caderninho que Jéssica escreve textos para que os filhos possam ler e lembrar dela para sempre quando estiverem maiores.

    *Colaborou com a edição do vídeo Miréia Lima

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    […] gente já foi para umas seis ocupações, estamos aqui há mais ou menos um ano”, conta. Quando a Ponte a entrevistou, em abril de 2018, ela morava num galpão ocupado na região do Brás, também n…. “Só que não tinha como a gente ficar porque tinha muito bicho, rato subia em cima da cama, […]

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