Família e ‘sucessoras’ de Marielle recomendam cautela e pedem respeito

    Anielle Franco e Monica Benicio, irmã e viúva da vereadora, e as deputadas do Psol Dani Monteiro e Talíria Petrone criticam demora nas investigações do assassinato

    Da esquerda para a direita: Anielle Franco, Monica Benicio, Dani Monteiro e Talíria Petrone | Foto: Montagem com arquivo pessoal e Paula Rodrigues/Ponte Jornalismo

    Marielle Franco voltou a ocupar as manchetes dos jornais e as redes sociais depois da reportagem do Jornal Nacional, exibida na última terça-feira (29/10), apontar que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), teria liberado uma suposta visita do ex-PM Élcio Queiroz em seu condomínio horas antes do crime que tirou a vida da vereadora carioca no dia 14 de março de 2018. Queiroz está preso junto de Ronnie Lessa, ambos suspeitos de terem executado a vereadora e seu motorista, Anderson Gomes.

    Em coletiva de imprensa, a promotora Simone Sibilio, do Ministério Público do Rio de Janeiro, afirmou que o porteiro deu uma informação falsa ao citar Bolsonaro. A promotora confirma que o depoimento dele não bate com a prova técnica, que comprovou que é a voz de Ronnie Lessa que autoriza a entrada de Élcio Queiroz no condomínio às 17h07 naquele dia 14 de março.

    De acordo com Sibilio, a investigação teve acesso à planilha da portaria do condomínio e às gravações do interfone. Os documentos comprovam que o porteiro interfonou para a casa 65 e que a entrada de Élcio foi autorizada por Ronnie Lessa, com quem ele se encontrou horas antes do crime que tirou a vida de Marielle Franco.

    Diante da repercussão envolvendo as investigações da morte de Marielle Franco, a professora e escritora Anielle Franco, irmã da vereadora, usou seu perfil na rede social Instagram para se manifestar. Pedindo respeito ao nome de Marielle e à família, Anielle falou por cerca de cinco minutos.

    “Eu quero dizer que o nome da minha irmã é Marielle. Marielle Francisco da Silva, vulgo Marielle Franco. Não é Mariela, é Marielle. Eu queria muito pedir respeito a isso. Quero respeito pelo nome, respeito pelo legado, respeito pela família, respeito por uma mulher que em um único corpo representava tantas lutas”, critica Anielle em resposta ao presidente, que chamou Marielle Franco de “Mariela” em live no Facebook.

    – LIVE: Mais uma matéria porca da Globo. Caso Marielle.. Link no YouTube: https://youtu.be/WoLHaXFRVQg

    Publicado por Jair Messias Bolsonaro em Terça-feira, 29 de outubro de 2019

    Sobre a citação do nome de Bolsonaro nas investigações do assassinato de Marielle, Anielle disse que é muito cedo para especulações e pediu cautela. “Vamos esperar tudo se concluir. Eu não tenho o que falar até que tudo seja comprovado, até que a gente tenha provas concretas. Não adianta eu especular. Espero que seja investigado seja lá quem for, espero que esse caso seja esclarecido para todo mundo. Merecemos uma resposta”, desabafa Anielle.

    A irmã mais nova de Marielle também pediu respeito à dor da família. “Tem uma família por trás dessa dor, tem uma família despedaçada, tem uma família que sofre com o que está passando. Eu não vou desistir de lutar por esse legado que não é só nosso, é de muita gente. Ideologia política não deveria contrapor a vida humana. Ninguém merece morrer com quatro tiros na cabeça, quem viu a minha irmã com a cabeça furada fui eu”, diz.

    Anielle Franco usou uma rede social para fala sobre as investigações da morte da irmã

    Já a arquiteta e ativista Monica Benicio, viúva de Marielle Franco, se posicionou por meio de uma nota à imprensa. A principal queixa de Monica sobre as investigações é a falta de acesso dos familiares ao processo. “Desde o início do caso, tenho dedicado minha vida a acompanhar o processo de perto e a cobrar justiça. Solicitei, desde o início, acesso aos processos e inquéritos que apuram os autores, mandantes e a motivação do crime que levou ao assassinato da minha esposa”, desabafa a arquiteta.

    “A mais recente recusa se deu no pedido de informações sobre os autos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça. Defendo que o processo ocorra de maneira segura, comprometido com a verdade dos fatos, mas que seja de forma transparente, respeite o direto de acesso da família. De um lado sofro com a falta de informação, de outro com a imprensa me perguntando sobre algo que não pude acessar”, critica Benicio, que completa que é “doloroso, inaceitável e inconstitucional” que a família não possa acessar os processos e inquéritos.

    Assim como Anielle, Monica só quer justiça e a resposta de quem mandou matar Marielle. “Os responsáveis devem ser identificados e devidamente responsabilizados pelo que fizeram para que nunca mais algo parecido possa voltar a ocorrer nesse país. Em nome de todo o amor que sinto por Marielle e respeito que tenho à democracia do meu país, a única coisa que espero das autoridades brasileiras é justiça”, finaliza Benicio.

    ‘Sucessoras’ na política cobram respostas

    Em entrevista à Ponte, a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ), amiga de Marielle Franco, também cobra justiça e critica a demora para que as investigações tragam repostas concretas. “Eu acredito que, qualquer pessoa implicada em qualquer investigação, deve se averiguar a relação dela ou não com o crime, independentemente de ser o presidente da República ou uma pessoa que não é autoridade”, crava Petrone.

    O Psol, em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (30/10), se posicionou contra a federalização do caso de Marielle com medo de que, dessa forma, as instituições não investiguem qualquer envolvimento de Jair Bolsonaro. Talíria engrossa essa desconfiança. “Nesse caso, embora não possamos falar que há uma relação do presidente Jair Bolsonaro com o crime que vitimou Marielle Franco e Anderson, o fato da maior autoridade política do Brasil ter sido citada exige investigação exige que o STF (Supremo Tribunal Federal) se pronuncie para que haja uma continuidade da investigação; exige que o presidente não use as instituições para obstruir as investigações, seja por meio do ministro Sergio Moro, pedindo para que se investigue o porteiro, mudando a ordem das coisas, seja por meio do Carlos Bolsonaro que utiliza documentos que seriam provas da justiça, mas que a própria Justiça aguarda uma investigação do STF para usá-los na investigação, seja por meio da PGR que já se antecipa e diz que Bolsonaro foi vítima”, argumenta.

    “É fundamental que esclareçam os fatos. São 595 dias que o povo brasileiro e o mundo não tem do Estado uma resposta de quem mandou matar Marielle. A democracia brasileira já é bastante frágil para seguir sem essa resposta”, cobra Talíria.

    A deputada acredita que a investigação de Marielle não será o caminho para um possível impeachment de Jair Bolsonaro, mas, sim, tudo o que o presidente vem fazendo nos primeiros dez meses de mandato. “Bolsonaro, há bastante tempo, rompe fronteiras democráticas, seja orientando que a presidência por meio de seus canais oficiais de comunicação comemore a ditadura civil empresarial militar que matou e torturou pessoas; seja divulgando vídeo em que questiona a independência dos poderes, o STF e a liberdade de imprensa, questiona a liberdade partidária e os movimentos sociais; seja ameaçando a esquerda como fez desde a campanha e segue fazendo; seja censurando a imprensa e a arte; seja reeditando medidas provisórias e governando por decreto”, critica.

    Para Talíria, está cedo para dizer em impeachment, pois, para isso, é preciso mostrar para a população o rompimento democrático do atual governo federal. “O povo nunca experimentou verdadeiramente uma democracia. É difícil alertar sobre os graves rompimentos democráticos do Bolsonaro e dos representantes do seu governo, como Sergio Moro, mas é preciso cada vez mais explicitar para o povo, das diferentes formas possíveis, o quanto a democracia que a gente queria está em risco”, aponta.

    Dani Monteiro, deputada estadual (Psol-RJ), também traz críticas às investigações do assassinato da vereadora carioca, avaliando que “conhecer os autores e mandantes da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes é fundamental para a democracia”. “Considero inadmissível que após um ano e sete meses de investigações em torno de um crime político grave  — que chocou não apenas o país, mas o mundo — , ainda não tenhamos respostas conclusivas”, afirma a parlamentar.

    Dani, que trabalhou ao lado de Marielle como assessora, cobra mais empenho nas investigações do crime. “É essencial, portanto, que as investigações sejam aprofundadas e conduzidas com celeridade e máxima seriedade, inclusive no que se refere à natureza das supostas relações entre a família Bolsonaro e os suspeitos Élcio Queiroz e Ronnie Lessa. Nesse sentido, esperamos que o Supremo Tribunal Federal autorize a continuidade das investigações, ato necessário após a menção ao atual presidente da República em depoimentos, segundo matéria veiculada pela imprensa”, crava Monteiro.

    “Todos temos interesse na conclusão deste inquérito, e o presidente, por sua vez, deveria ser o mais empenhado em que os fatos sejam esclarecidos. Avaliar as consequências políticas é prematuro, até que se tenha o caso encerrado. O fato é que precisamos de Justiça, ainda que tardia. É como poderemos apaziguar a dor de uma família em luto permanente, e é como anunciaremos ao país que prevalecem os valores democráticos”, finaliza a deputada estadual.

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