Defensoria de SP pede liberdade de Maria, mãe de Lucas, morto após abordagem da PM

    Pandemia do coronavírus e pena alta são argumentos; família afirma que Maria, presa ao prestar depoimento sobre sumiço do filho, tem saúde debilitada

    Maria Marques é mãe de Lucas, que, segundo ela, despareceu após ser abordado por PMs; alguns dias depois, o corpo dele foi encontrado | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    A Defensoria Pública de São Paulo entrou com pedido de liberdade de Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), usando como um dos argumentos o risco de contaminação por coronavírus. A mulher, condenada a cinco anos por tráfico de drogas, crime que ela negou ter cometido em entrevista à Ponte, está presa desde novembro do ano passado na Penitenciária Feminina de Sant’ana, no Carandiru, zona norte da capital paulista.

    Maria é mãe de Lucas Eduardo, que tinha 14 anos quando desapareceu, segundo família, após abordagem policial na Favela do Amor, em Santo André, no ABC paulista, em 13 de novembro do ano passado. Ele foi encontrado morto afogado em um parque alguns dias depois e até hoje o crime não foi solucionado. Ela foi presa quando foi prestar depoimento sobre o sumiço do filho.

    O defensor público Marcelo Novaes solicitou que Maria Marques cumpra sua condenação em “regime aberto” com “penas restritivas de direito”. Em seu entendimento, a pena imposta à mulher em segunda instância é maior do que a que deveria ter sido aplicada. (Leia documento completo).

    Na análise do defensor público, os desembargadores da 3ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo se utilizaram de “rigor interpretativo absolutamente divorciado da ideologia jurídica vigente no país”, ao não levarem em conta um redutor de pena previsto na Lei de Drogas, já que a mulher tinha bons antecedentes e o entorpecente supostamente apreendido com ela era de pouca quantidade (menos de 60 gramas).

    Segundo a irmã de Maria Marques, Isabel Daniela dos Santos, 34 anos, ela sofre de problemas renais e respiratórios, o que a faz tomar diversos medicamentos na penitenciária. Seus problemas, no entanto, não estão especificados na petição encaminhada ao STJ.

    Outra situação que levou o defensor público a pedir a liberdade para Maria Marques é o medo de contaminação por coronavírus. Em sua petição, Marcelo Novaes se ampara em uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que pediu a reavaliação da prisão em regime fechado para diversos seguimentos de detentos na intenção de reduzir a superlotação, um dos principais temores para a disseminação.

    “A tutela de urgência justifica-se em razão da preservação da própria vida e saúde da paciente, presa em ambiente reconhecidamente insalubre , estando sujeita, portanto, à contaminação pela covid-19 , cujo número de mortes e de infectados cresce exponencialmente, e que é objeto de preocupação do Judiciário”, argumentou.

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    A peça escrita pela defesa de Maria Marques ainda apresenta alguns apontamentos críticos sobre o sistema prisional e a política de guerra às drogas, uma das causas do encarceramento em massa, como indagações sobre a situação da “quase uma centena de milhar de almas que mofa nas cadeias paulistas”.

    “Quantos são, de fato, perigosos traficantes? Quantos não são usuários que foram alcançados pela sanha punitivista do Estado e submetidos a um processo judicial no qual a prova exclusivamente policial ganhou contornos de verdade absoluta? Quantos são traficantes eventuais, surpreendidos com ínfimas porções e uma merreca de dinheiro? Quantos são pobres e com dificuldade de acesso ao direito dito pelos tribunais superiores? Quantos não deveriam estar soltos?”, questiona o defensor.

    Relembre o caso

    Maria Marques é mãe de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, encontrado morto boiando em um lago do Parque Natural Municipal do Pedroso, em Santo André, no dia 15 de novembro de 2019. O adolescente desapareceu nas primeiras horas do dia 13 de novembro após uma abordagem policial, segundo familiares. Naquela data, Lucas Eduardo havia saído de casa para comprar um refrigerante e um pacote de bolachas em uma quitanda dentro da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia de Santo André, comunidade em que vivia com a mãe, um irmão mais velho e a cunhada. A favela fica a cerca de 10 quilômetros do local em que seu corpo foi localizado.

    Maria Marques foi presa em 19 de novembro ao prestar depoimento justamente sobre o desaparecimento de seu filho, já que tinha um mandado de prisão aberto expedido em 2017. A mulher, que até então se apresentava como madrasta de Lucas e de nome Teresa, foi uma das últimas pessoas a ver o jovem com vida. Foi ela também quem atendeu policiais militares que foram até sua residência horas após o menino desaparecer. Maria nega que soubesse do pedido de prisão, já que a última notícia que tinha de seu processo é de que havia sido absolvida.

    Ao ser presa em agosto de 2012 por policiais civis de campana na Favela do Amor, os agentes contaram a versão de que “avistaram a acusada em movimentação típica de venda de entorpecentes”. Com a abordagem, encontraram R$ 35 e, durante conversa, Maria Marques teria afirmado que guardava a droga em um buraco na parede. Nesse local, ainda segundo a versão dos policiais civis, foi encontrado uma pequena bolsa em que continham 10 invólucros de maconha (16,4 gramas), 37 invólucros plásticos com cocaína (35,3 g), além de outras 39 cápsulas de cocaína (7,2 g).

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