Protesto neste domingo pediu paz na favela e justiça para Aurélio Oliveira, morto aos 17 anos na Favela São Remo, na zona oeste da cidade de São Paulo
Sério. Não é uma palavra que a gente costuma associar a meninos de 17 anos, mas é a primeira que vem à boca de quem se lembra de Aurélio Oliveira.
“Menino sério”: é a primeira coisa que todo mundo diz. Aurélio: moleque sério. Tímido, respeitoso, meio quieto. Só gostava de abrir a boca para cantar. E cantava, o menino. Sonhava em ser MC de funk. Mas cantava de tudo. “Qualquer música que colocasse, o bicho cantava até umas horas…”, lembra um amigo dele, Gabriel dos Santos Paulino, 14 anos. Ele ainda não acredita no que aconteceu.
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“Desde pequenininho conheci esse menino, meu Deus. A gente estava sempre brincando nas ruas da favela, nos becos”, recorda Gabriel. Hoje, um domingo gelado de sol, Gabriel se juntou aos vizinhos nas mesmas ruas e becos de antes, não mais para brincar, mas para lembrar e protestar.
Aurélio é hoje uma fotografia em um cartaz que pede “garantia de direitos”. A história do menino sério que gostava de cantar e sonhava em virar MC chegou ao fim na noite de 13 de agosto, encerrada pelas balas de policiais militares, disparadas na Avenida São Remo, na favela que leva o nome da avenida, em Rio Pequeno, zona oeste da cidade de São Paulo.
Foi para lembrar Aurélio, para pedir paz e justiça na favela, que um grupo de 30 pessoas se reuniu hoje na comunidade do Polop, vizinha à São Remo. Foi uma ação organizada pela Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, articulação de pessoas e movimentos que combate a violência policial nas quebradas.
“Aurélio é um jovem entre outros mil da periferia, uma vitima do genocídio, muito querido pela molecada e pelos moradores”, disse o rapper e produtor cultural Denilson Ramos Pereira, o Mano Lyee, 42.
Além dos cartazes, as pessoas levavam bexigas brancas nas mãos. E uma caixa de som, que variava entre músicas do próprio Aurélio e outros sons de funk e rap. Como Que mundo é esse tão cruel, de MC Kevin o Chris e MC Cajá, que encerrou o ato. Depois dos versos que pediam “valeu, menor, espera eu chegar” e lamentavam que “o inimigo usa forças que oprimem, oprimem”, o grupo interrompeu o som, declarou “Aurélio, presente” e soltou as bexigas em direção ao céu.
Uma das pessoas que soltou bexiga por Aurélio era uma antiga professora dele. Juliene Codognotto, 33, relatou que se sentia chocada. Sabia do que o Estado faz com os jovens negros nas favelas, mas nunca havia sentido essa realidade tão de perto. “É a primeira vez que o genocídio do povo preto de favela bate na porta de minha sala de aula, que leva uma pessoa que eu conheci e dei aula”, contou.
Professora de artes, Juliene conta que costuma ter uma relação muito afetiva com seus alunos, mas não conseguiu se aproximar tanto de Aurélio, para quem deu aula no 9º ano, em 2018, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Ibrahim Nobre. “Por ser muito sério, um pouco mais maduro do que os outros, ele era muito fechado”, relembra.
Mesmo assim, ficou muito abalada quando soube da morte do menino. Por isso, fez questão de se juntar ao protesto. “A única coisa que consola e movimenta essa dor para virar outra coisa é a gente se juntar.”
A Ponte consultou a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública, do governo João Doria (PSDB), e aguarda um posicionamento sobre a morte de Aurélio. Informações divulgadas pela PM a jornalistas, no dia 13, afirmam que o menino e outro jovem foram baleados por policiais que iniciaram uma perseguição a um carro roubado na Avenida Corifeu de Azevedo Marques, que terminou dentro da Favela São Remo. Na versão divulgada, os dois baleados teriam sido ladrões que trocaram tiros com os PMs. Segundo moradores, a ação também teve a apreensão de uma adolescente.
Nunca a Polícia Militar de São Paulo matou tanto. No primeiro semestre de 2020, policiais de São Paulo mataram 498 pessoas. É o maior número registrado em um primeiro semestre em toda a série histórica da Secretaria da Segurança Pública, iniciada em 1996.
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Consultora política e articuladora da Rede, Mariana Janeiro, 28, contou que é um desafio mobilizar as comunidades para atos como o desse domingo. “É difícil a mobilização porque as famílias se envergonham, se culpam, e, nessa vergonha e nessa culpa, se agarram justamente na ideia de que [a morte] foi um castigo divino”, relata.
Mariana busca lembrar que os assassinos são humanos, não divinos, e por isso devem ser responsabilizados. “Morte não é castigo. O Estado não pode sentenciar uma pessoa. Não pode fazer o papel de Deus.”
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