Encarcerado de 2009 a 2013, homem tinha sido condenado a dois anos em regime aberto em SP: “R$ 70 mil ou R$ 1 milhão não repara os dois anos da vida”, diz defensor
A Justiça determinou que o estado de São Paulo deve pagar R$ 70 mil de indenização a um homem que ficou preso dois anos a mais do que deveria. Preso preventivamente, ele recebeu pena de dois anos a ser cumprida em regime aberto, mas ficou atrás das grades por quatro anos ao todo.
O caso aconteceu entre 2009 e 2013, entre a prisão e a libertação do homem – ele não será identificado a pedido da Defensoria Pública. Ele respondia em flagrante por furto e, em 2011, o juiz definiu pena de dois anos a ser cumprida em regime aberto.
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Além de mantê-lo em liberdade, o magistrado ainda considerou a pena prescrita por considerar o tempo da punição equivalente ao período em que o processo se arrastava. Assim, a punição já não era mais cabível.
O problema é que o homem não foi libertado. Seguiu preso no litoral de São Paulo, região onde mora, por mais dois anos até que defensores públicos constataram o erro judicial em uma visita técnica em 2013.
Os desembargadores da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça consideraram que “não há dúvida de que a manutenção da prisão do autor realmente decorreu de falha atribuível ao Estado”.
Definiram o pagamento de R$ 70 mil “dada a gravidade da situação vivenciada pelo autor, que permaneceu mais de dois anos indevidamente preso pelo crime de furto, recolhido em centro de detenção provisória superlotado, sem que houvesse qualquer decisão judicial a embasar a sua permanência na prisão”.
Do erro até a indenização
O defensor Gustavo Goldzveig recebeu o caso e entrou com ação para libertar o homem. Segundo ele, não foi emitido alvará de soltura com a decisão de 2011, o que acarretou em uma pena dobrada e em regime diferente do previsto.
“A pessoa foi presa em flagrante em maio de 2009, com sentença em julho de 2011 e foi solta, efetivamente, em dezembro de 2013”, detalha o defensor público, sendo que a pena definida era em regime aberto. Mais: o juiz entendeu que não havia mais a possibilidade de o Estado puni-lo pelo tempo passado depois do crime.
O defensor explica que há diferença na hora de definir um crime como prescrito ou não. No caso de homicídio simples, por exemplo, a pena varia de 6 a 20 anos. Sendo assim, o tempo considerado para definir a prescrição é o máximo, de duas décadas.
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“Em crimes cuja pena máxima seja menor, o prazo vai diminuindo”, explica. O crime de furto, tratado neste caso pelo juiz, tem pena com variação de 1 a 4 anos de reclusão. Assim, definiu na sentença que não existia mais a punibilidade. O que, de fato, não ocorreu. Ele ficou preso por dois anos até o julgamento, período que responderia em liberdade, e depois mais dois por erro do sistema judiciário que não o libertou.
Depois de identificar o erro e de conseguir a liberdade do homem, Goldzveig entrou com processo pedindo indenização ao Estado pelos dois anos sem emissão do alvará de soltura. Ao longo de seis anos na Defensoria, este foi o primeiro processo em que ele obteve vitória por uma prisão irregular. “Acredito que tenho quatro ou cinco casos por erro. Antes desse, perdi todos”, detalha.
Houve vitória dupla: em primeira instância, em abril de 2019, a Justiça determinou o pagamento de R$ 50 mil para restituir os danos morais causados; agora em outubro, a segunda instância manteve a condenação ao Estado e aumentou o valor para R$ 70 mil.
Indenização são raras
O defensor explica existir uma resistência do Judiciário em reconhecer erros, como em casos de prisões irregulares. Gerar indenização às pessoas é ainda mais difícil.
“Não é tão comum o Judiciário reconhecer que determinadas prisões são motivo para uma indenização, reconhecer como um erro judiciário. Ali foi um erro, errou ao manter um sujeito preso sem uma sentença com condenação”, afirma, dizendo ser mais difícil indenização em casos com prisão feita de maneira irregular ao longo do processo.
“A Justiça ainda entende nessas situações que a prisão, a princípio, foi legítima e depois a pessoa foi absolvida e, ali, o Estado estava exercendo a função. Portanto, não teria havido um erro”, pontua.
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Gustavo Goldzveig considera “um bom valor” o pagamento de R$ 70 mil tendo em vista as decisões tomadas pela Justiça. “Do ponto de vista de compensação de danos, R$ 70 mil, R$ 200 mil, R$ 1 milhão jamais vão reparar esses dois anos da vida dele e, talvez, esses quatro que passou preso”.
Para ele, há subjetividade na hora de definir um reparo por erro judicial, transformando uma questão de entendimento de cada juiz. “Muitas vezes se leva em consideração o padrão de vida, a capacidade daquele que causou o dano de indenizar, de pedagogia da decisão e, aí, vai construindo com base nisso um valor que entende-se cabível”, detalha.
A Ponte questionou o governo de São Paulo sobre a decisão e aguarda um posicionamento.
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